Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

"ACM, imprensa e jogo das elites", copyright Folha de S. Paulo

MEMÓRIAS DAS TREVAS, VERSÃO ÁUDIO

"ACM, imprensa e jogo das elites", copyright Folha de S. Paulo, 1/03/01

"A gravação clandestina da conversa de ACM com procuradores permitiu a revelação de aspectos bastante curiosos e relevantes da mídia contemporânea.

Nem se fale das raras defesas das gravações clandestinas -tipo foi ilegal, indevida, mas pelo menos permitiu saber de alguma coisa. Nos inúmeros casos havidos nos últimos tempos, releve-se o aspecto ético da gravação não-autorizada e, ainda assim, na maior parte das vezes ter-se-á mercadoria jornalística da pior qualidade. Em geral, toma-se qualquer conversa banal, com gente de bem ou bandidos falando de terceiros, grava-se clandestinamente, tiram-se frases do contexto ou manipulam-se ênfases, apresenta-se um ar falsamente escandalizado em relação a trechos banais e pronto, tem-se o escândalo.

Em geral o jornalista que abre espaço para esse tipo de expediente acaba sendo instrumento consciente de chantagistas da pior espécie, inclusive em disputas comerciais. No caso de ACM, pelo menos não se utilizou esse primarismo de um personagem secundário falando de terceiros nem se tiraram frases do contexto.

O segundo ponto relevante é que o tiroteio que explodiu contra ACM expôs um dos aspectos mais interessantes de seu poder: a rede de relações de que dispõe na mídia. Não se trata do jornalismo sabujo, facilmente identificável, nem esse jornalismo de arapongas, muito próximo da chantagem, mas de aliados fiéis, competentes, que raramente elogiam ACM, mas são ferramentas poderosas das quais ele sempre se valeu nas disputas contra seus adversários. Reside aí a fonte maior de seu poder.

Em geral, são críticos virulentos de todas as reformas de FHC, mas escamoteiam o papel fundamental de ACM na sua aprovação. Costumam tratar FHC como tirano -tendo ele vários defeitos, mas nunca o da intolerância com as críticas-, mas jamais se pronunciam sobre o caráter despótico do poder de ACM na Bahia. Revestem sua crítica de tons de esquerda, às vezes quase radical, e são incapazes de um gesto que seja contra o símbolo máximo da direita, o próprio ACM.

Por não ser sabujos, seu papel não é a defesa de ACM contra ataques que venha a sofrer -a não ser em momentos específicos como o atual. Por isso mesmo não podem reconhecer a grande obra administrativa de ACM na Bahia, porque aí o jogo ficaria mais exposto. Mas são ferramentas de ataque de ACM nas inúmeras disputas nas quais o senador se mete, participando de um jogo sutil, complexo, pouco perceptível ao leitor médio.

Diferentemente dos dossiês e gravações clandestinas, esse jogo se dá entre fontes e jornalistas de primeira grandeza, não é aquela relação dúbia e subordinada do jornalista que se rende ao bandido, mas um pacto entre iguais, em torno de uma mercadoria fundamental para o jornalista: informações e análises exclusivas que lhe são repassadas, ajudando a consolidar sua reputação, competência e poder.

E aí entra o grande foco de influência de ACM. Diariamente, há uma competente rede de pessoas bem informadas que trocam informações -a maior parte meras suposições, venenosas, mas não documentadas-, desenvolvem análises pró-ACM, a leitura dos fatos que lhe seja mais favorável, pensam os lides, depois estendem essas análises e informações aos jornalistas.

Aí se dá a barganha. Não se trata do conluio fedorento de chantagistas, mas de um aspecto sofisticado do jogo de poder, do jogo das elites. A opinião pública acaba se tornando peça decorativa. O leitor médio toma partido como torcedor. Dependendo de sua posição, vai supor que o seu ídolo está do lado de cá do balcão. Os mais perspicazes logo se dão conta de que nesse jogo o público está restrito às arquibancadas."

"Caros leitores (1)", copyright Jornal do Brasil, 27/02/01

"O saber coletivo dos leitores de um grande jornal é mais amplo, sofisticado e minucioso que o texto de qualquer enciclopédia, inclusive a famosa edição da Enciclopédia Britânica de 1910, que trazia um verbete de Benedetto Croce sobre estética que se tornou clássico e foi muitas vezes reproduzido. Aproveito o carnaval para fazer mais uma demonstração desta tese, com alguns dos e-mails que tenho recebido.

A correspondência com os leitores muito me enriquece e agrada, mas se um leitor quiser ter as suas mensagens reproduzidas, não basta me escrever. Tem, ainda, de enviar o seu e-mail para a coluna de cartas dos leitores.

Dificilmente uma coluna passa em branco, sem comentários e, por vezes, retificações. Há retificações de detalhes sem importância, sobretudo quando escrevo sobre a história política dos estados, mas há correções importantes, ainda que sobre episódios não tanto. Por exemplo: contando a história da eleição indireta para governador do Ceará, em 1934, quando os deputados favoráveis a um candidato se sentiram de tal forma ameaçados que pediram asilo no 23? Batalhão de Caçadores, contei que algum partidário do seu opositor, José Acioli, misturara tártaro na comida do quartel, o que provocara terrível caganeira nos deputados, quase impedindo a eleição. Haroldo Collares Chaves, filho do então comandante do batalhão, mandou-me um e-mail contando que o pai, coronel Manoel Collares Chaves, dera abrigo, mas não dera comida. A comida veio do Hotel Palace. Logo, foi no hotel, e não no quartel, que o tártaro foi misturado ao jantar dos deputados.

Escrevendo sobre a política pernambucana ao tempo de Epitácio Pessoa, em 1922, tio do candidato a governador Pessoa de Queiroz, contei que a guarnição local, comandada pelo coronel Jaime Pessoa da Silveira, intervinha a favor do parente do presidente, o que deu motivo a um telegrama do marechal Hermes da Fonseca, então presidente do Clube Militar, recomendando que não se obedecessem às ordens do Catete. Hermes foi preso, o Clube Militar fechado e, alguns dias mais tarde, o Forte de Copacabana rebelou-se, dando origem ao episódio conhecido como ?Os dezoito do Forte?. O professor Francisco Pereira Cascardo mandou-me uma longa explicação dizendo ser a intervenção de Epitácio em Pernambuco indiscutível, embora ele a negasse, e que a conspiração contra o governo fora suspensa numa reunião de chefes militares em casa de Nilo Peçanha. Assim, ?Os dezoito do Forte? fora uma conseqüência imprevista da intervenção em Pernambuco.

Procuro contar, aos sábados, histórias do Brasil que dá certo. Recentemente, relatei parte do que vi numa visita ao gigantesco conjunto de laboratórios do Inmetro, em Xerém, no Estado do Rio. Entre outras coisas, contei que o Brasil fora pioneiro na América Latina na adoção do sistema métrico decimal, implantado por lei assinada pelo imperador dom Pedro II, em 1862. Ildeu de Castro Moreira, físico da Coppe, informou logo que outros países latino-americanos como Cuba, Colômbia e Porto Rico precederam o Brasil. Lembra, ainda, que a forma autoritária e centralizadora como a medida foi adotada provocou no Nordeste a revolta dita do ?Quebra Quilo?. Até hoje o Inmetro encontra muitas mercadorias com peso menor que o quilograma anunciado ou o metro que o fabricante diz ter.

Algumas colunas provocam mais reações que outras, como é normal. Foi o caso, por exemplo, da coluna que escrevi sobre a defesa da tortura praticada contra presos políticos durante a ditadura, sob a justificativa de que eram terroristas. Heloneida Studart, ex-deputada estadual do PT do Rio, mandou-me um e-mail, dizendo:

?Você ficou nos devendo um texto sobre as centenas de brasileiros que foram torturados sem nunca terem pegado numa arma. Jornalistas, sindicalistas, socialistas, teóricos, comunistas do Partidão, adversários da luta armada que foram barbaramente torturados até a morte, como Luís Maranhão Filho, homem boníssimo e cidadão exemplar. E as mulheres! A estas, além da tortura, os torturadores aplicaram sempre o horror do estupro continuado.?

O economista Juvenal Osório Gomes, um dos pioneiros do BNDES, comenta a informação que dei sobre serem os juros dos financiamentos às exportações da Embraer inferiores aos juros europeus:

?Se, de fato, as exportações foram financiadas abaixo dos juros vigentes no mercado internacional, a reclamação do Canadá foi procedente, assim como a condenação da OMC. Aliás, nem nosso governo nem nossa mídia se deu ao trabalho de esclarecer direitinho. Das duas, uma: ou de fato fizemos dumping ou defendemos mal nossa posição na OMC. Algum agente do Brasil pisou na bola e os panos quentes estão aí para encobrir alguém.?

As matérias que mais comentários provocaram foram sobre as eleições para a presidência do Senado. Ficam para amanhã.

"Caros leitores (2)", copyright Jornal do Brasil, 28/02/01

"Publiquei ontem alguns comentáros e sugestões de de matérias feitos pelos leitores, através de e-mails. Esclareci ainda que os leitores que desejassem ver seus comentários publicados deveriam endereçá-los também às seções de cartas. Finalmente, observei que as colunas que atrairam maior número de e-mails ultimamente foram as que dediquei à eleição de Jader Barbalho no Senado.

Alguns críticos observaram que eu teria ultrapassado os limites da isenção que se espera de um analista político. É verdade. Ultrapasssei mesmo e tomei partido, fazendo o que pude para despertar a sensibilidade moral dos senadores do PMDB e do PSDB. Por isto, me foi particularmente agradável receber um e-mail como o de Cristóvão Buarque, que disse:

?Um jornalista profissional tem de ser absolutamente neutro nas análises políticas e cuidadoso nas análises das informações, mas absolutamente comprometido na ética quando chegar à conclusão de que um ato de corrupção foi cometido. Deve ser neutro também no tratamento de todos os políticos, sem diferenciação de partido, mas isso não pode ser confundido com calar igualmente para todos. Calar não é neutralidade, é omissão. Por isso envio-lhe esta nota. Você provou que é um grandejornalista quando é neutro nas análises e fica indignado nas denúncias. Por isso quero parabenizá-lo pelos artigos referentes à eleição no Senado.?

Embora a grande maioria das mensagens apoiavam as denúncias que fiz contra a entronização do senador que simboliza a impunidade e o desvio de recursos páblicos para enriquecimento privado, houve algumas de crítica. Não que alguem considerasse estar Jáder Barbalho sendo vítima de calúnias. O que reclamavam era não o ter colocado em pé de igualdade com o seu principal denunciante, Antonio Carlos Magalhães.

Carlos Frederico Alverga reclama:

O senhor tem toda a razão, dando destaque às falcatruas do senhor Jader Barbalho. Por quê não dar o mesmo tratamento às maracutaias do senhor ACM, abordando em sua coluna o livro recentemente publicado a respeito do senador baiano, contando a verdadeira história desse personagem?

O leitor refere-se ao livro do jornalista baiano João Carlos Teixeira , ? Memórias das Trevas, uma devasa na vida de Antonio Carlos Magalhães.? Alberto Dines, indormido zelador da moralidade da imprensa, considera que o livro tem sido vítima de um boicote sistemático da mídia, ao ponto de não conseguir jornalistas que o comentassem no seu programa na TVE ?Observatório da Imprensa.?. Não sei os outros convidados, mas eu me recusei a participar, primeiro, porque ainda não li o livro até hoje, segundo porque ACM não era, no momento das denúncias que fez, candidato a nada. As denúncias contra ele, para terem alguma eficácia política, deveriam ter sido apresentadas quatro anos antes, quando pleiteou e obteve a presidência do Senado. Há, no caso, outro componente esquecido pelo Dines: os jornalistas lêem muito poucos livros. Segundo uma pesquisa feita pelo CPDOC no Rio e em São Paulo, a média é de três livros por ano. O que os jornalistas lêem é o que escrevem e o que os colegas escrevem em jornais e revistas. Acresce que o livro do Joca tem 765 páginas. É um tijolaço. Desse tamanho, não sendo a Divina Comédia, o Dom Quixote ou a Bíblia, tem poucas chances de ser muito lido.

Declarações que transcrevo também provocam e-mails. Publiquei o protesto indignado do senador José Fogaça contra a informaçõ que repassei de que votara em Jáder. Dizia, ainda que pensava em deixar a política, porque o ministro Eliseu Rezende comprara o PMDB do Rio Grande do Sul, o que não lhe deixaria espaço para fazer qualquer coisa de útil. O presidente estadual do partido, Odacir Klein, escreveu dizendo que ? o diretório não é escolhido por meia dúzia de iluminados, mas sim pela base partidária, o mesmo ocorrendo com o presidente da executiva. Por isso, repilo, em nomede todos os filiados do PMDB gaúcho a afirmação de que eles possam ser compráveis.?

O deputado Moreira Ferreira, que também é presidente da CNI, esclarece o que quis dizer quando me garantiu que as investigações sobre a corrupção na Sudam iriam até o fim. Escreveu:

?Jamais alimentei qualquer dúvida de que o ministro Fernando Bezerra irá apurar, até o fim,dentro do prazo legal estabelecido, possiveis irregularidades naSudam. O que ele não poderia fazer e, corretamente não fez, era deixar que uma investigação séria e criteriosa fosswe transformada em munição para alimentar a lamentável luta que se travou no Senado, envolvendo dois dos seus mais destacados membros.?

O que jornalistas realmente gostam é de receber elogios dos colegas. Assim, agradeço, entre outras, a mensagem de uma das melhores repórteres do país, Dorrit Harazim e a da minha ex-colega no Correio da Manhã, a pioneira Harilda Larraigotti."