MEM?RIA
MÁRIO COVAS, 1930-2001
Alberto Dines
Um lutador. Sua última escolha – recusar a UTI – foi a do combatente disposto a enfrentar todos os momentos da última peleja. Mesmo sabendo da derrota inevitável.
Valentes há muitos, campeões, menos. Poucos como Mário Covas investiram tanto na árdua e inglória busca da verdade. Verdade no seu sentido mais estrito e mais amplo. Verdade como opção de vida, como estilo, como projeto e religião.
Neste início da Quaresma, cessado o desvario e o desperdício do Carnaval, quando a noção de penitência impõe-se mesmo aos descrentes, o último round de Mário Covas é um alentador apelo à vida. Poção de dignidade nesta paisagem arruinada pelas ambições rasteiras.
Tancredo Neves, em março-abril de 1985, escondeu sua doença para não prejudicar o processo de democratização e a posse do primeiro presidente civil depois de 21 anos de ditaduras militares. Mário Covas não escamoteou coisa alguma nestes pouco mais de dois anos de dor e aflições. Enfrentou o desgaste progressivo do organismo e a espoliação da sua intimidade com a mesma intrepidez e resignação. Não enganou a ninguém – família, amigos, companheiros, eleitores e os milhões de brasileiros comovidos com a sua tenacidade. Mesmo na semana passada quando, iludido por sinais de alívio acreditava que poderia reassumir, calculava que embora derrotado no campeonato da longevidade, empataria esta partida.
Engenheiro, político, tribuno, estrategista, operador de plenários e projetos, buscava a excelência em cada uma das tarefas que lhe cabiam. Em todas deixou a sua marca – coragem, determinação, lucidez. E o imperecível compromisso com a clareza e transparência.
Acostumados a necrológios e apanágios, saudações e diatribes, avenças e desavenças nós, jornalistas, criamos um poderoso escudo forjado com emoções engolidas e clandestinas.
Diante de Mário Covas impõe-se a exatidão: a lágrima pode correr sem disfarces.
Bendita a sua memória.