ARMAZÉM LITERÁRIO
Autores, idéias e tudo o que cabe num livro
MARXISMO
Victor Gentilli
Perchè il marxismo há fallitto, de Orlando Tambosi, Editora Mondadori, 2001
Em 20 de fevereiro foi lançado na Itália o livro Perchè il marxismo há fallitto, de Orlando Tambosi, doutor em filosofia e professor de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O livro tem capa dura, uma jaqueta bonita, mais de 300 páginas e custa menos de 20 dólares. A tiragem é de 7 mil exemplares. A edição popular, de bolso, mais simples, vai imprimir 50 mil exemplares.
O tema é dos bons: por que o marxismo fracassou? E é disso mesmo que trata o livro, ao sistematizar, histórica e filosoficamente, o pensamento de Lucio Collletti, professor da Universidade La Sapienza, em Roma, que rompeu com o então Partido Comunista Italiano a partir dos debates decorrentes da crise de 1956, quando o 20? Congresso do PC da União Soviética denunciou os crimes do stalinismo.
O debate que o PCI produziu no decorrer de sua existência é impressionante. Jamais um partido político conseguiu levar debates a todas as áreas e para todos os públicos. O debate com Lucio Colletti foi essencialmente filosófico.
O lançamento do livro de Tambosi, na Itália, até agora interessou apenas à Gazeta Mercantil, que tem pautada matéria sobre a obra.
Uma finalidade, uma meta
O livro é traduzido. Foi editado em 1999, no Brasil, pela Editora da UFSC, com o título O declínio do marxismo e a herança hegeliana. Na época, o silêncio da imprensa foi absoluto, apesar do trabalho da editora e do esforço pessoal do autor, que encaminhou exemplares para os articulistas de todos os cadernos culturais importantes do Brasil, além de outros estudiosos de filosofia. Exemplares com dedicatória. A maioria sequer respondeu acusando o recebimento.
É certo que filosofia é um tema difícil. Curioso: os italianos não apenas editaram com um título muito mais "popular" ? Por que o marxismo fracassou ? como também catalogaram o livro na categoria Política. O debate que Tambosi enfrentou com seus colegas, na Itália, de fato, foi sobretudo um debate político, não obstante a circunstância de que toda a discussão específica de Colletti era essencialmente filosófica.
Orlando Tambosi compartilha com Lucio Colletti o entendimento de que o problema essencial do marxismo foi a incorporação da concepção hegeliana da dialética. A dialética até pode ser compreendida no campo das idéias, o que ao menos torna Hegel coerente consigo próprio, posto que sua filosofia é basicamente idealista. Mas o materialismo, uma das matrizes básicas do pensamento marxista, simplesmente não pode aceitar a dialética. Porque a compreensão de que algo contém em si a sua própria contradição é uma idéia absolutamente incoerente. Podemos ter coisas, circunstâncias, processos opostos, antagônicos. Mas a contradição não pode estar "em si" fazendo com que algo carregue nele mesmo a sua contradição e uma nova essência, decorrente deste processo.
Assim, para Tambosi e Colletti, ao aplicar a dialética ao materialismo e à história o pensamento marxista cria uma teleologia, isto é, introduz o finalismo, faz com que as coisas, inclusive a história, tenham uma finalidade, um fim, uma meta. Para Marx, a história seria obra dos próprios homens, mas seria inevitável que essa obra finalizasse no comunismo, posto que as "contradições" da história na fase capitalista traria em sua própria essência (dialética) o comunismo.
"Cachorro morto"
É aí, na raiz do pensamento marxista, que Colletti identifica o erro de Marx e de seus seguidores que criaram o marxismo. Os autores não afirmam que o capitalismo não tenha conflitos, embates, disputas, antagonismos; mas apenas negam que esses sejam qualificados como contradições.
Se aos filósofos é difícil tratar de filosofia, tratá-la jornalisticamente é um pouco mais. A síntese apresentada aqui certamente contém imprecisões graves. Mas o relevante neste caso é discutir o silêncio da imprensa diante desta obra. Fosse ela produzida por um dos autores que costumam ocupar as páginas de opinião ou os cadernos literários e culturais, certamente ganharia destaque especial. Fosse Tambosi uma pessoa que circulasse entre estes autores, também ganharia destaque.
O fato é que a obra é importante e, por suas características, poderia ser elogiada e/ou criticada por pensadores localizados em qualquer campo do espectro ideológico ou político. Não se trata de concordar necessariamente com o autor, é evidente. Mas, certamente, muito pior do que qualquer crítica é o silêncio, a ignorância, o fazer de conta que a obra não existe.
Tambosi reconhece que obra "incomoda", pois trata de assuntos que as pessoas preferem varrer para "debaixo do tapete". Na apresentação da edição brasileira, o autor se acautela, afirmando que "em filosofia, nenhum pensador pode ser tratado como ?cachorro morto?".
Na Itália, Tambosi merece uma edição capa dura e uma edição popular num total de 70 mil exemplares. É bem provável que a Editora Mondadori prepare edições em inglês, mercado onde tradicionalmente atua.
No Brasil, com a exceção da Gazeta Mercantil e de pequenos registros na imprensa catarinense, a imprensa prefere ignorar Orlando Tambosi. Quem perde é o país. Orlando Tambosi não é "cachorro morto", como pretendem os que fingem desconhecê-lo.