QUALIDADE NA TV
MUDANÇAS
"Uma proposta: mudar a TV brasileira", copyright O Estado de S. Paulo, 4/03/01
"A linguagem dos programas ditos humorísticos é chula, grosseira, com destaque negativo para A Praça é Nossa do SBT, Sergio Mallandro do CNT, Sai de Baixo e Casseta & Planeta da Globo. Em todos eles, o nível baixa sempre.
Contudo, num passado não tão distante a televisão brasileira tinha programas de muito melhor padrão, como os de Chico Anísio e de Jô Soares, seguramente os melhores humorísticos do país.
Os shows de auditório abusam das nádegas da Feiticeira, da dança da garrafa ou do sensualismo erótico-infantil da Xuxa. Até há pouco, Ratinho era escolhido, por unanimidade, para ser malhado por seu deboche sem limites.
Hoje, contém-se um pouco mais e tenta fazer entrevistas, embora num estilo primário e, quase sempre, de mau-gosto.
No entanto, há dois ou três meses, no SBT, ele trouxe ao seu programa um jovem para mostrar como havia cortado o próprio pênis com um facão, num momento de loucura. Mesmo patrulhado pela emissora e pelos anunciantes, Ratinho ainda consegue ser pior que Cidade Alerta, da Record, protótipo do jornalismo policial sensacionalista e medíocre. E, no domingo, resta-me optar entre Faustão, Gugu ou Silvio Santos. Ainda bem que há uma TV Cultura.
As novelas têm sido produto de exportação. Sua qualidade, no entanto, oscila entre o que a Rede Globo tem feito de melhor (Os Maias ou Chiquinha Gonzaga) e de pior (como Uga-Uga ou Laços de Família), passando pelas horríveis mexicanas noutros canais. Há algumas semanas, tenho tentado em vão descobrir bons filmes na TV aberta. Mas, mesmo com milhares de excelentes filmes premiados no mundo, não consigo ver quase nada que preste. Só me deparo com violência gratuita. Num desses filmes, em close up, um criminoso decepa, um a um, os dedos da vítima com um machete de açougueiro, com requintes de sadismo. A regra geral desses filmões ordinários é mostrar só brigas, socos, pontapés, tiros, assaltos, facadas, homicídios exterminadores do passado, do presente e do futuro. Inclusive no Tela Quente, da Globo. Tudo é lançado de forma irresponsável, em sinal aberto ou broadcasting, para milhões de espectadores de todas as idades, de todos os níveis sociais, educacionais e econômicos.
Eis aí uma pequena amostra do que é a TV aberta brasileira. Para justificar a regra geral, é claro, há alguns poucos telejornais, talk-shows e coberturas esportivas dignos de serem vistos – além da magnífica exceção chamada TV Cultura.
Numa referência recente à televisão brasileira, o governador Mário Covas perguntava se uma das causas do aumento da criminalidade no Brasil não seria a violência explícita, brutal e gratuita de grande parte dos programas de televisão. E levantava a questão crucial: ?Que influência poderão ter, dia após dia, ano após ano, programas tão violentos e sem qualquer conteúdo ético sobre mentes infantis, ou sobre pessoas de personalidade mal formada??
Nada de censura – Para tentar mudar esse cenário, está sendo organizada em São Paulo uma ONG cujo nome provisório é NovaCom (Movimento Nacional por uma Nova e Melhor Comunicação de Massa).
Já era tempo. A maioria das pessoas responsáveis que conheço confessa não suportar mais o baixo nível e os abusos da televisão. Essas pessoas estão ansiosas em participar de alguma ação parecida com a da NovaCom.
O caminho não é a censura, claro. Como agir, então? A NovaCom sugere que comecemos com apelos e todas as formas de pressões democráticas legítimas, visando a sensibilizar emissoras, profissionais de TV, patrocinadores, anunciantes, Congresso, Justiça, Imprensa e governos. Não havendo resposta a essas pressões e apelos, parece ser lícito que, em defesa do cidadão, a NovaCom aja com mais energia, denunciando os abusos, identificando os piores programas numa espécie de ranking da baixaria, infernizando as emissoras e seus responsáveis, apontando-os à execração pública, repudiando seus anunciantes e mostrando os males que causam.
A NovaCom preocupa-se, inicialmente, apenas com a qualidade da televisão aberta. Não abrange, portanto, a televisão por assinatura – a TV paga, em circuito fechado, a cabo, via satélite ou via microondas – disponível em não mais de 12% dos lares e pela qual os assinantes pagam para ver.
Por ser uma concessão pública, a TV aberta tem que cumprir obrigações fundamentalmente sociais, já que utiliza um bem público essencial que é o espectro de freqüências, patrimônio de toda a sociedade, escasso, finito e não-renovável. Ideal e constitucionalmente, ela deve informar, divertir e educar.
E você o que acha, leitor? Dê sua opinião, utilizando o e-mail exclusivo: reavaliando@telequest.com.br."
DIGITAL
"Digital também no conteúdo", copyright O Estado de S. Paulo, 4/03/01
"Se o amigo leitor impressionou-se com o recente alarido das disputas comerciais entre o Brasil e o Canadá, que tanto excitaram a mídia, o mundo político e a plebe em geral, logo perceberá que a vaca louca não passou de um bifinho temperamental.
Está começando a épica batalha pelo controle do mercado brasileiro de TV digital, que nos próximos dez anos promete movimentar a substantiva quantia de US$ 10 bilhões e, exatamente por isso, envolverá o País num pesadíssimo jogo de pressões, empurrões, rasteiras e golpes sujos, com o qual os ?big players? da indústria eletrônica mundial lutarão para nos vender o seu peixe. Como se sabe, para a introdução da tecnologia digital será necessário renovar todos os equipamentos de televisão existentes no país, das câmaras e transmissores de cada emissora ao televisor do último dos consumidores. E, de olho nesse magnífico butim, já se engalfinham norte-americanos, europeus e japoneses, que desenvolveram sistemas diferentes de TV digital e tentam liderar o mercado mundial.
Até agora, o Brasil vinha desempenhando corretamente o seu papel de comprador. A Anatel montou um grupo técnico, formado por especialistas em telecomunicações e representantes das emissoras de TV, para examinar e comparar os sistemas americano (ATSC), europeu (DVB-T) e japonês (ISDB-T), indicando qual deles é melhor para o país. O grupo trabalhou por mais de dois anos e optou – unanimemente – pelo padrão japonês, que oferece a melhor qualidade de imagem para um mercado como o nosso, em que a esmagadora maioria dos lares capta os sinais de TV por antenas VHF comuns, ?espinha-de-peixe? ou antenas UHF. Ocorre, entretanto, que o governo e a indústria dos Estados Unidos querem nos empurrar a sua tecnologia, que só funciona bem para a recepção via cabo, ainda incipiente no Brasil. E decidiram ?panamericanizar? o assunto, incluindo-o nas negociações da Alca, o que complica ainda mais o que já é, por si, uma confusão.
A Anatel ainda não se pronunciou sobre qual será o padrão adotado aqui. Mas o secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Roberto Gianetti da Fonseca, já disse que o Brasil fará a sua definição ?negociando contrapartidas com o país interessado?. Leia-se: colocando o interesse econômico acima das considerações técnicas. Se assim será, pouco importa que o sistema japonês nos atende melhor. Vai levar quem for mais hábil na batalha diplomático-comercial, quem oferecer os melhores espelhinhos para os botocudos ou souber chantageá-los com as mais eficazes ameaças.
O telespectador assistirá a essas palpitantes cenas de globalização explícita com a perplexidade de quem paga hoje pouco mais de R$ 300, para comprar um televisor comum e terá de desembolsar US$ 3.000, para ter um aparelho digital (preço médio nos Estados Unidos) ou no mínimo gastar US$ 500, num decodificador que lhe permitirá ver as imagens digitais (com qualidade inferior) em seu dinossauro analógico. Sim, claro, com o tempo, os preços vão baixar, todos terão acesso, etc. Mas, do ponto de vista da audiência, o que realmente importa é: qual o sentido de gastar dinheiro com TV digital se a nova tela, com formato e qualidade de tela de cinema, continuar exibindo a programação medíocre que temos agora? Para que imagens de alta definição e vários canais com ângulos diferentes de um mesmo programa, se o referido for um desses shows de auditório em que abunda a indigência?
Se vamos mudar tudo com a TV digital, é bom começar pelo conteúdo. E aqui não tem canadense, americano, japonês, ninguém para levar a culpa. É um problema nosso, a ser resolvido apenas por nós. (Gabriel Priolli é jornalista, professor universitário e diretor da TV PUC)"
"Sem definição", copyright Veja, 7/03/01
"No campo das lutas econômicas globais, uma nova frente está se abrindo para o Brasil. Diz respeito à adoção de uma tecnologia inovadora para a transmissão e recepção de programas de televisão. Nos Estados Unidos já existe a decisão governamental de que todos os equipamentos atuais, analógicos, sejam substituídos por novos, digitais, até 2006. É uma operação titânica. Há cerca de 250 milhões de televisores em território americano. Alguns novinhos em folha. E ficarão obsoletos em cinco anos. Tudo bem se a coisa ficasse só nos Estados Unidos. A questão começa a esbarrar no Brasil porque, com a integração do país ao bloco econômico das Américas, a Alca, os americanos pretendem que todo o continente se comporte de maneira análoga, adotando a mesma tecnologia digital escolhida por eles para os televisores. Para o Brasil, o custo da adaptação ao novo modo de transmissão de sinais de televisão está estimado em 10 bilhões de dólares para as emissoras, fabricantes e os milhões de telespectadores, que terão de reciclar seu equipamento doméstico.
Na semana passada, em visita ao Chile, o chanceler brasileiro Celso Lafer avisou que mais importante do que a data da implementação da Alca – ainda em discussão – é a definição do que será debatido. Com isso, mostrou que o país não está disposto a engolir, sem discussão, a proposta americana. Especialmente porque, embora o sistema digital de TV garanta nitidez de imagem e som incomparavelmente maior que a atual, exige um investimento muito grande, em dólar, com impacto óbvio sobre o balanço de pagamentos. A alternativa seria um mergulho no desconhecido e uma afronta às gigantes americanas do ramo de entretenimento. Ou seja, a adoção do sistema japonês de TV digital, que é bem mais barato e oferece qualidade equivalente de imagem e som mas tem o grave inconveniente de nunca ter sido testado em larga escala.
O Brasil já passou por dilema semelhante no começo da década de 70, quando se viu obrigado a escolher um padrão para a televisão em cores. O governo optou pelo PAL-M, semelhante ao sistema alemão mas incompatível com todos os demais padrões dos países desenvolvidos. Com a decisão, o governo acabou criando uma reserva de mercado tecnológica que deu um impulso gigantesco à indústria nacional de televisores em cores. Uma decisão semelhante agora seria impraticável. ?Como consumimos mais programas de TV americanos que japoneses, seria mais conveniente adotar o sistema americano?, diz Ethevaldo Siqueira, presidente da Telequest, consultoria de telecomunicações. ?Caso contrário teremos de usar conversores?. A escolha de um padrão nacional único sem similar no mundo não está colocada para o Brasil."