COMUNICAÇÃO CORPORATIVA
O Petróleo é meu, 27/04/06
‘A comunicação empresarial da Petrobrás primou pela discrição no que se refere à campanha sobre a auto-suficiência brasileira em petróleo. Naquilo que dependeu dos comunicadores da mega empresa, as ações de comemoração da auto-suficiência pareceram feitas para algum evento do governo anglo-saxão, do tempo de Margaret Thatcher: muito cerimonial e pouca cuíca e tamborim. Nenhum pingo de óleo preto na toalha branca, nenhum barril de ufanismo.
O tom e o conteúdo do anúncio institucional, publicado nos principais jornais e revistas do país, se prenderam a relatar o acontecimento histórico com um texto quase técnico (‘2006. O Brasil auto-suficiente em petróleo’) e uma foto de lambe-lambe, sem batom e ruge, do navio-plataforma P-50. No pé da página, uma linha do tempo, que contemplou todos os grandes acontecimentos da exploração e refino de petróleo no Brasil, até desembocar na auto-suficiência. Nela, a partir de 1939, quando se descobre o primeiro poço na Bahia, não ficou ninguém de fora da história, sentado na cadeira presidencial, de Getúlio a FHC até Lula e, entre eles, os militares de 1964. E quase fora da página, bem discretinha, a marca multicolorida do Governo Federal, inventada por Duda Mendonça: ‘Brasil, um País de todos’. Vamos ver como a campanha da auto-suficiência, sob a responsabilidade dos comunicadores da empresa, prosseguirá nos próximos dias, pois o custo total das ações publicitárias para as comemorações é de R$ 37 milhões. Um destaque: A revista VEJA ficou sem o anúncio da auto-suficiência, que está presente em todas as outras revistas semanais.
Já a comunicação governamental do evento, de responsabilidade dos marqueteiros de Brasília, usou e abusou dos símbolos da epopéia do petróleo no Brasil. O dia do evento não poderia ser outro, 21 de abril, com toda a carga histórica da homenagem ao alferes de Vila Rica, hoje Ouro Negro (digo, Ouro Preto), Joaquim José da Silva Xavier, enforcado por sua participação na Inconfidência Mineira. Dia 21 de abril, parece ser mais de tristezas do que de alegrias, preferido pelos mineiros de valor para morrer: Tiradentes, Tancredo e, agora, Telê Santana.
Mas o mais simbólico na efeméride petrolífera que contou com a participação governamental do presidente Lula, paramentado com capacete branco e uniforme cor de laranja dos petroleiros, foi mergulhar as mãos no óleo extraído pela P-50, a repetir o gesto de Getúlio Vargas, em 1952, no calor do movimento ‘O Petróleo é Nosso’.
As fotos para a campanha presidencial já estão prontas e muitas já veiculadas. Para desespero da oposição, Lula tem uma coleção de boas fotos. Entre elas, a mais recente, com o primeiro astronauta brasileiro, Marcos Pontes. Agora a torcida deve ser enorme para a possibilidade do clique com a seleção hexa campeã mundial de futebol, com seus Ronaldos, Kaká e Adriano, imagem a ser repetida à exaustão nos telejornais da noite.
Mas nessa história de petróleo alguém não foi lembrado com o destaque merecido: Monteiro Lobato, que sofreu, no couro e no bolso, por ter sonhado e lutado pioneiramente pela auto-suficiência do Brasil em petróleo. Em ano eleitoral, bobeou, os papagaios de pirata gritam ‘o petróleo é meu’.
Varig, Varig, Varig
Enquanto a Petrobrás sobe, a Varig despenca.
Além da questão, seriíssima e tão falada, da péssima gestão da companhia, a situação da Varig é também resultado de como ela se enxergava. Administração e empregados por décadas alimentaram uma auto-imagem de auto-suficiência e auto-referência, como Narciso, que se olha no espelho e se acha bonito.
A Varig sempre se intitulou como imagem do Brasil, só que o mundo e o Brasil mudaram, avião se transformou em transporte de massa, a concorrência aumentou consideravelmente, o serviço de bordo ficou pior, mecanizado e descartável nos talheres, pratos e copos, na comida sem gosto e nos atrasos e descaso com os passageiros.
Quem faturou e ganhou espaço ao transformar avião em um não-lugar feito hospital, lanchonete fast-food e auto-estrada foi gente como o Comandante Rolim Amaro, da TAM, com a sua comunicação empresarial baseada em tapete vermelho, bom-dia de comandante perfilado ao pé da escada da aeronave, além de atitudes empreendedoras como o ‘Fale com o Presidente’ e sua presença constante nos pontos-de-venda e vôos.A Varig pagou o preço.
Ficou sem símbolos, sem heróis, sem rituais, sem ajuda do governo, sem gestores, sem combustível e sem passageiros. O pior é que ficaremos privados da Ícaro, excelente revista de bordo da Varig.
Paulo Nassar é professor da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (ABERJE). Autor de inúmeros livros, entre eles O que é Comunicação Empresarial, A Comunicação da Pequena Empresa, e Tudo é Comunicação.’
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