Dizem as colunas noticiosas que o ministro da Justiça, Tarso Genro, comentou
que a próxima operação da Polícia Federal fará tremer a República. Ótimo: é
preciso reprimir a ilegalidade (e sem cair na tentação de, ao fazê-lo, cometer
outras ilegalidades).
Este é o papel da Polícia Federal (e, em seguida, da Justiça). O papel do
jornalista é, além de cobrir o último escândalo, cuidar para que os escândalos
mais antigos não sejam esquecidos. Uma nova operação que fará tremer a República
não pode fazer com que a Operação Satiagraha seja esquecida; da mesma forma que
a Operação Satiagraha não deve nos levar a esquecer a Hurricane, as duas Kaspar,
a Farol da Colina, a Dilúvio e tantas outras.
A procuradora da República Ana Lúcia Amaral, em comentário à coluna
anterior, que criticava a imprensa por ter esquecido o processo em que
figuravam uma socialite e um empresário do setor de roupas, diz que o caso está
em curso, na 2ª Vara de Guarulhos, aguardando sentença. E completa: ‘Não é
porque a imprensa não dá conta de acompanhar que deixou de existir’.
A procuradora tem toda a razão – ou melhor, quase toda: acha que uma nota em
que a imprensa é cobrada por esquecer do caso é uma justificativa à omissão da
imprensa. Não é: basta reler o texto.
‘Há quatro possibilidades: a) eles foram absolvidos (e, nesse caso, a
imprensa falhou lamentavelmente, ao não noticiar a absolvição); b) a acusação
não se sustentava (e o erro foi dos que anunciaram com toda a pompa a operação e
as pessoas nela atingidas); c) o inquérito está em alguma gaveta (erro da
imprensa, que não cobra, e permite que o caso seja esquecido); d) apesar do
tempo que já se passou, o inquérito está tramitando normalmente, sem que ninguém
o atrase ou apresse (mais uma vez, falta a cobertura da imprensa)’.
Aliás, a nota não se refere ao caso da Daslu, como achou a procuradora (o
erro certamente é deste colunista, que não foi claro), e sim à Operação Dilúvio.
Mas poderia se referir à Operação Chacal, ou à Operação Sanguessuga. Sepultadas
por novos escândalos, a imprensa simplesmente parou de
noticiá-las.
Carimbo no papel
Desde 1994, quando o Plano Real tornou mais clara a importância da taxa
básica de juros, o noticiário é igualzinho: subiu o juro, vêm declarações
absolutamente iguais às da alta anterior, recolhidas das mesmas fontes. Será
impossível buscar fontes novas? Será mais impossível ainda buscar fontes novas
capazes de analisar a alta dos juros com outras palavras? Juros pornográficos,
obscenos, siderais, planetários, gigantescos, extravagantes, sesquipedais, os
mais altos do mundo (serão mesmo?), absurdos, vergonhosos, escandalosos,
nefastos, corrosivos – tudo bem, isso a gente já sabe. Que tal fazer uma
forcinha e descobrir como é que a elevação da taxa de juros funciona, na opinião
de tantos outros especialistas, para conter a inflação?
Queda para cima
A maior novidade em noticiário sobre juros veio no título de um grande
jornal:
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‘Apostas de corte de 0,5 e 0,75 ponto’O texto esclarecia que o corte nos juros, na verdade, era uma
elevação.
Adeus, Mingão
Jornalista que passa a vida na Redação não ganha notoriedade. Mas, sem ele, o
veículo seria ainda mais bagunçado do que já é.
Na semana passada, morreu um grande jornalista de Redação: Domingos Ferreira
Alves, Mingão, 75 anos, um dos melhores editores de primeira página do
país. Domingos foi editor de madrugada da Folha de S.Paulo (acompanhava
as notícias e decidia quando o jornal teria a edição modificada), depois editor
de primeira página da Folha de S.Paulo, da Folha da Tarde e do
Agora. Ficou no mesmo emprego, o único de sua vida, por 54 anos. E, na
‘cozinha’ do jornal, contribuiu poderosamente para o sucesso dos jornais do
grupo.
Mingão chegou, com seu próprio nome, a ser personagem de Maurício de
Souza – outro ‘foca’ que passou por suas mãos. Fez sucesso, um personagem cheio
de dúvidas (afinal de contas, qual seria a manchete? Quais as outras notícias de
primeira página?), mas pediu a Maurício que o tirasse dos quadrinhos: Domingos
não gostava de nada que o levasse à fama.
Fará falta. Mais falta do que os que buscam a notoriedade a todo
custo.
Cautela no texto
Tanto se falou que os meios de comunicação aceitavam as acusações como
verdade, sem comprová-las, que novas normas acabaram entrando em vigor. Por
exemplo, ninguém é acusado de fazer alguma coisa: é acusado de ‘supostamente’
fazer alguma coisa. Pode ficar engraçado: ‘Cunhado de menina morta em suposto
tiroteio diz que policiais tiveram intenção de matar’. Tiroteio é tiroteio. Que
significa ‘suposto tiroteio’? Será que a intenção era outra, dizer que
possivelmente o tiroteio foi simulado para encobrir um assassínio sem troca de
tiros? No caso, por que não escrever claramente as
alternativas?
Como…
Frase de uma empresária sobre o novo imposto do cheque, que está no
Congresso: ‘Um imposto que nunca recebemos e que somos taxados de receber, a
sociedade está se unindo para lutar contra um imposto que nunca foi usado para
nada’. Pelo menos a autora deve saber o que quis dizer com esta
frase.
…é…
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‘Cedae encontra gato em restaurante no centro do Rio’E que tem a Companhia de Águas e Esgotos do Rio a ver com animais em
restaurantes? Nada: o ‘gato’ é um desvio de água por fora do
hidrômetro.
…mesmo?
Do noticiário on line de um grande jornal:
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‘Cervo de seis pernas tem um dos rabos amputado após ataque decães’
OK, o cervo tinha seis pernas. E quantos rabos?
E eu com isso?
Faz tempo, faz tempo. Quem dirigia o Jornal do Brasil era Alberto
Dines. Este colunista era redator da sucursal de São Paulo e aguardava o sinal
verde do Rio para desligar o telex e ir embora para casa.
Houve um pequeno incêndio no centro de São Paulo, mas os bombeiros chegaram
rápido e já estavam apagando o fogo. A notícia foi imediatamente enviada ao
JB. Faltou água, o incêndio cresceu, o depósito de plásticos de uma
grande loja pegou fogo, foi um inferno. E as microondas, único sistema de
comunicação rápida da época, pifaram. Às duas da manhã, sem alternativa,
passamos um telegrama via Western para o jornal. Claro, não chegou a tempo. O
JB publicou uma notícia curtinha, escondida, sobre um pequeno incêndio
rapidamente dominado.
Ah, se fosse hoje! Com todos os recursos de tecnologia, sabemos no mesmo
instante que, ‘após irmão, pagodeiro termina namoro que começou na TV’ (deve ter
sentido, deve ter sentido); que ‘Nívea Stelmann compra móveis com o filho no
Leblon’; e que ‘gêmeos de Jolie e Pitt já têm certidão de nascimento’ – como se
os nossos filhos, caro colega, também não a tivessem.
Há muita coisa finíssima:
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‘Edu Guedes descobre sexo do primeiro filho’**
‘À beira da estrada, pavão consegue carona em picape’**
‘Gwyneth Paltrow aparece com novo corte de cabelo’**
‘Lucília Diniz arremata cueca de Edson Celulari em leilão’Aliás, esta notícia já está superada. Lucília quer devolver a cueca a
Celulari, já que só a arrematou para contribuir com a causa.
O grande título
Esta é a semana dos títulos incompletos
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‘Moradores participam de missa homem morto em tiroteio’**
‘Telefônica atende vítimas apagão; veja locais’Ou completos até demais:
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‘Rio: tiroteio faz mata um e fere dois na Rocinha’Ou inadvertidamente engraçados:
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‘Artista revela nave russa para viagem tripulada à Lula’Mas há um absolutamente invencível:
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‘Greenpeace fala sobre transgênicos no habbo’Realmente, o pessoal anda escrevendo coisas que antigamente seriam
vetadas.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados