Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Olho no olho, longe da mídia

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FHC & BUSH

Arnaldo Dines, de Nova York

A melhor forma de avaliar a repercussão, nos Estados Unidos, dos encontros de Fernando Henrique Cardoso com George W. Bush na semana passada é pela análise do tempo dedicado ao assunto nos programas de entrevistas e debates exibidos pelos principais canais de televisão, aos domingos de manhã. A começar pelo This Week, da rede ABC, passando pelo Meet the Press, da NBC, Face the Nation, da CBS e terminando com o Late Edition, da CNN, o assunto não foi mencionado uma vez sequer.

O fato é que no contexto da programação jornalística das redes de televisão americanas, a manhã de domingo é horário nobre ? é quando os mais importantes membros do governo aparecem para defender suas propostas e representantes do Congresso são convidados para debatê-las. Na falta de uma crise internacional, o enfoque das entrevistas e debates é geralmente concentrado em tópicos nacionais. Ainda assim, um assunto de relevância, como a proposta da administração Bush para a Área de Livre Comércio das Américas e a objeção do presidente brasileiro à aceleração do processo de implementação deste projeto, não foi discutido em nenhum dos programas. Por sua vez, não faltaram perguntas dos jornalistas sobre a política de distanciamento empregada pelo secretario de Estado Colin Powell diante do agravamento do conflito entre palestinos e israelenses.

Isso não quer dizer que a visita do presidente brasileiro foi completamente ignorada. Durante a semana, além de alguns segundos nos canais de notícias da CNN, MSNBC e Fox News, os dois principais jornais americanos, The New York Times e The Washington Post, publicaram igualmente uma matéria no dia da chegada e outra no dia seguinte. O Los Angeles Times por sua vez, adicionou ainda dois comentários editoriais sobre as relações entre os dois países, para um total de quatro matérias em dois dias ? um verdadeiro recorde nacional. Enquanto isso, entre os outros importantes jornais não especializados (o que exclui jornais financeiros), USA Today, Chicago Tribune e The Boston Globe ignoraram o assunto por completo.

Em vez de encarar sozinho o complexo de inferioridade em função do esnobismo da imprensa americana, Fernando Henrique pode se confortar com o fato de que o chanceler da Alemanha Gerhard Schröder também não conseguiu despertar muito interesse no seu encontro com Bush, no dia anterior. Por outro lado, os dois líderes podem juntos se roer de inveja perante a ampla cobertura jornalística obtida pela visita do primeiro ministro israelense Ariel Sharon a Washington, na semana anterior.

Pouco espaço

A questão que se apresenta então é se existe realmente uma falta de interesse específico por parte da imprensa e do público americano em relação ao Brasil, ou mesmo à Alemanha. Em primeiro lugar aparece o fato de que uma visita presidencial é geralmente encarada pela imprensa nos Estados Unidos como uma simples photo opp, uma abreviação da expressão photo opportunity, usada por editores e repórteres para caracterizar eventos preparados para gerar fotografias, imagens e cobertura jornalística. O problema é ampliado pela eficiência da estrutura descentralizada da atual administração republicana, que relega a relevância de um contato direto com o presidente Bush para o plano puramente social e pessoal. Como conseqüência direta, seria melhor deixar as discussões políticas e econômicas para depois, e aproveitar para cobrir o evento apenas como uma visita de Fernando Henrique a Washington para conhecer, bater papo e trocar olhares diretos com o novo inquilino da Casa Branca.

O último e mais importante fator dessa falta de destaque concedida às visitas dos chefes de Estado do Brasil e da Alemanha é o interesse obsessivo ? e quase que religioso ? da imprensa americana com o conflito árabe-israelense, que acaba por literalmente seqüestrar a cobertura internacional dos meios de comunicação no país. Para o editor-chefe do New York Times, por exemplo, é aparentemente mais importante cobrir mais uma manifestação semanal dos palestinos e a reação dos soldados israelenses (ou vice-versa) do que reportar e denunciar o massacre e a escravização da minoria cristã do sul no Sudão pela maioria muçulmana do norte. O caso do Sudão é relevante pois somente agora, depois de 15 anos de guerra civil, é que The New York Times resolveu dar destaque ao assunto, mas na forma de uma matéria sentimental sobre a vida de refugiados sudaneses nos Estados Unidos, publicada na sua revista de domingo.

Essa mesma filosofia editorial negligente é seguida pela maioria absoluta de jornais, agências de notícias e redes de televisão do país, num círculo vicioso que contamina a imprensa internacional. Como prova disto, basta comparar o número ridiculamente pequeno de correspondentes e equipes de televisão estrangeiras com presença permanente em países de dimensões continentais como o Brasil e Índia, ou mesmo na África, com a presença maciça da imprensa internacional em um país de dimensões quase que municipais como Israel.

Portanto, não adianta culpar a falta de carisma pessoal de Fernando Henrique como razão pela qual sua visita aos Estados Unidos não gerou ao menos uma matéria de capa na edição nacional da revista Time, ou por não ter sido entrevistado por Ted Koppel, apresentador do programa Nightline, da ABC, muito prestigiado no circuito jornalístico do pa&iacutiacute;s. A realidade é que para o Brasil ocupar o lugar que lhe seria de direito nas primeiras páginas dos jornais e nos primeiros minutos dos noticiários americanos seria necessário incrementar a ocorrência de rebeliões em presídios em São Paulo ou de afundamentos de plataformas petrolíferas na bacia de Campos. Mas mesmo assim, a cobertura internacional ficaria condicionada à não ocorrência de nenhum incidente em Israel. É só um palestino ou um soldado isreaelense tropeçarem no cardaço do seu sapato e lá se vai o pouco espaço que havia sobrado para o Brasil nos noticiários internacionais.

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