Uma das questões que emergem constantemente nos meios de comunicação é a representação fragmentada da violência existente no país. A mídia nos oferece um banquete de informações que, na maioria dos casos, conscientes ou não, guardamos e, a depender do assunto, incluímos em nossas preocupações diárias.
Sofremos uma verdadeira avalanche informacional que nos leva a formar opiniões sobre determinados fatos. Essas informações são carregadas de discursos ideológicos, capazes de forjar a realidade social na medida em que definem o modo de pensar e agir de um determinado grupo da sociedade.
Ultimamente, vêm aparecendo com freqüência na mídia crimes cometidos por policiais militares e civis que, ao invés de trabalharem para garantir segurança, têm causado medo e receio nas comunidades carentes. A forma de atuação das polícias, especificamente a da PM, só se mantém firme devido ao ‘apoio’ surdo da sociedade, que só se manifesta quando um playboyzinho é vítima da truculência policial.
Tortura e assassinatos
Lucas Hungria Trindade Santos, 16 anos, Djair Santana de Jesus, 16 anos, Alexandre Macedo Fraga, 17 anos, Ricardo Mattos, 23 anos e João Roberto, 3 anos, apresentaram algo em comum: todos foram assassinados por polícias militares e civis este ano. Os três primeiros são residentes de bairros periféricos de Salvador; o último, do bairro da Tijuca (zona norte do Rio). Estes são apenas alguns dos vários exemplos que corroboram a afirmativa.
Esse fluxo contínuo de informação gera o que Maxwell McCombs denomina efeito de enciclopédia, que pode ser, inclusive, concretamente provocado pela mídia e, se não bem trabalhada pelo receptor, perde-se ou gera situações inusitadas (HOHLFELDT, 2002).
O fato é que, nos últimos 20 anos, o Brasil registrou mais de 2 milhões de mortes por causas externas e 82% delas foram de homens. Enquanto nos anos de 1980 os acidentes de trânsitos eram a principal causa externa dos óbitos masculinos, na década de 1990 os homicídios assumiram a liderança (MIR, 2005).
Nos últimos tempos, jovens negros, com idades variando entre 15 e 29 anos, aparecem freqüentemente nos meios de comunicação de massa como alvos de torturas em delegacias, assassinatos perpetrados por grupos de extermínio, prisões arbitrárias e exposição ao ridículo em programas televisivos popularescos.
Ordem desigual e hierárquica
Os abusos recaem principalmente sobre os indivíduos negro-mestiços dos bairros periféricos, os quais, vistos como mais perigosos, são freqüentemente abordados, revistados e espancados. O fato de os rapazes não poderem reagir à atuação policial, facilita a punição antecipada, o bater antes de indagar e o traumatizar os corpos para neles inscrever o medo. Para Michel Foucault (1987), essa disfunção do poder provém de um excesso central: o que se poderia chamar o ‘superpoder’ monárquico, que identifica o direito de punir com o poder pessoal do soberano.
Para isso, o Estado se utiliza de instrumentos de repressão para preservar a ordem pública. Esses aparelhos se compõem de poderes transversais que se mascaram através das instituições modernas, que reprime abusiva e inconstitucionalmente por meios dos órgãos administrativos.
O aumento estrondoso dos índices de violência no Brasil atinge os indivíduos, provocando determinados efeitos, dependendo dos assuntos e da forma, como a ser de interesse dos mass media. Quando os meios de comunicação representam a violência existente nos bairros periféricos de Salvador ou nas favelas do Rio de Janeiro ao resto do país como lugares cotidianamente permeados por atos violentos, acabam alimentando a violência latente dos seres humanos.
De acordo com Edgar Morin (1967), a exposição da violência promovida pelo jornalismo ao mesmo tempo incita e apazigua um fundo de violência existente no ser humano, operando uma espécie de catarse cotidiana. É como se o leitor absorvesse, ao ler as histórias escabrosas publicadas pelos jornais. É uma ordem social desigual e hierárquica, concentrando a repressão nos escalões inferiores da sociedade.
Postura passiva
Notícias de crimes e tragédias tendem a estigmatizar certas áreas das cidades, quando associadas sistematicamente a eventos que se repetem, aparentemente sem solução, como se fossem a confirmação infinita de uma violência ‘natural’ destes locais, sem que os jornais acompanhem seus desdobramentos de forma séria e eficiente.
A exposição contínua dos afro-descendentes nas editorias de polícia causa efeitos poderosos que atuam no âmbito cognitivo, sustentando efeitos cumulativos de longo prazo, reforçando o estereotipo do ‘negro-malandro’. E com isso, exercem impactos não apenas nas atitudes dos indivíduos, mas também no seu inconsciente, através de mensagens subliminares.
Aqueles que se encontram marginalizados perdem seus vínculos com a sociedade em decorrência da falência das instituições ou laços primários que forjam a sociedade e sociabilizam os indivíduos. Logo, esses indivíduos isolados e desprendidos entram em cena através dos meios de comunicação, que os vão reinserir de uma forma estereotipada e estigmatizada na sociedade.
De acordo com Dietram Scheufele (apud GUTMANN 2006), os veículos de comunicação influenciam na construção da realidade social, modelando representações desta realidade de um modo particular. Por outro lado, os efeitos da mídia são canalizados por uma interação entre os meios e a audiência.
Para Iyengar (apud GUTMANN 2006), através da seleção e ênfase dadas a certas informações (e da conseqüente exclusão de outras), o enquadramento pode moldar a opinião pública e as interpretações da audiência sobre eventos agendados pela mídia.
Desta forma, percebe-se a crueza dos danosos efeitos midiáticos sobre os indivíduos marginalizados. Os meios de comunicação atuam como um canal da representação da ‘visão da sociedade’, que assume uma postura passiva diante das atrocidades do poder administrativo, que não tem o afro-descendentes e moradores oriundos dos bairros periféricos (majoritariamente formada por afro-descendente) como integrantes da sociedade. E por isso, há uma atenção especial das forças policiais.
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Estudante de Jornalismo, Salvador, BA