A VOZ DOS OUVIDORES
FOLHA DE S.PAULO
"Um debate delicado", copyright Folha de São Paulo, 8/4/01
"Um dos trunfos que os órgãos de imprensa possuem são seus colunistas. No caso da Folha, em particular, isso é claramente um diferencial de peso. Eles são dezenas, portadores das visões as mais diferenciadas. Ocupam grande parte do espaço. Não seria exagero dizer que o jornal é um dos diários de grande circulação que mais colunistas abrigam em suas páginas no mundo todo. E não por acaso, pois os leitores apreciam esse ingrediente essencial do jornalismo. Por mais que discordem ou se batam, às vezes, contra a opinião de um ou outro, reconhecem o seu papel.
A norma, na Folha, é preservar a liberdade de expressão de seus colunistas. Faz parte do jornal. Sem isso, o investimento que representam, como profissionais de alta qualificação, não faria o menor sentido. Daí, inclusive, a carga que sobre eles recai.
Três dias atrás, aliás, um deles dissertou sobre isso. Foi o economista Paulo Nogueira Batista Jr., no caderno Dinheiro. Afirma o seu texto: ?É uma grave responsabilidade, leitor, escrever toda semana para o jornal de maior circulação do país. Às vezes, essa responsabilidade pesa?.
Pois tomo essa ?confissão? como um ?gancho? para tratar de um assunto que vira e mexe volta à tona e tem a ver com toda essa introdução: o uso, pelo colunista, de fatos ou acontecimentos da vida pessoal no texto por ele publicado. Não me refiro às crônicas, misto de ficção e realidade por natureza, mas a eventos reais expostos de forma real.
Cinco exemplos
A seguir, cinco exemplos, o primeiro vindo do próprio economista Paulo Nogueira Batista Jr.
No dia 9 de novembro passado, ao comentar o livro que ele lançaria dali a alguns dias, o colunista relatou as agruras pelas quais passou com a primeira editora para a qual entregara seus textos. Descreveu problemas de revisão, acusou-a de incompetência e desleixo. Depois, traçou elogios a uma segunda editora, a que estava, então, publicando o seu trabalho.
Pouco depois, no dia 24, a jornalista Barbara Gancia registrou suas peripécias ao participar de uma promoção de prêmios de uma drogaria. Teria direito a uma balança eletrônica por ter acumulado ?x? pontos, mas a loja não concordava. A coisa, a partir da coluna, foi para os tribunais, e a drogaria ganhou direito de resposta.
Mais recentemente, em 2 de março, Clóvis Rossi descreveu a aventura ?kafkiana? realizada para pagar o IPTU, revelando, inclusive, detalhes sobre a visita que fez a uma Administração Regional próxima de sua casa.
?Clube fechado?. Foi esta a coluna assinada por Gilberto Dimenstein no dia 7 de março. Nela, o colunista contava com indignação o modo como ele e sua família viram rejeitado o pedido para ingressar como sócios num clube em bairro de classe média-alta paulistano.
Por fim, na semana passada, dois dias antes da “confissão” de Batista Jr., foi a vez de Marilene Felinto espinafrar serviços e produtos. O texto, de 3 de abril, bombardeava o atendimento do qual foi vítima por parte dos serviços de consumidor de uma operadora de TV a cabo e de uma de telefonia celular. De roldão, atacava uma marca de palitos de fósforos por estes quebrarem fácil demais.
A lista, embora exaustiva, é útil para mostrar que não se trata de algo incomum, com que se despreocupar.
Discussão de fundo
Não pretendo, aqui, defender editoras, drogarias, prefeituras, departamentos de atendimento a clientes, o que quer que seja. Muito menos questionar as opiniões, a qualidade e o histórico dos colunistas mencionados. Nada disso. O problema é outro. Resvala para uma discussão a ser feita. Uma discussão de fundo: até que ponto tem propriedade, para um colunista -ademais de um jornal de grande porte-, tomar de empréstimo um espaço sabidamente privilegiado e de ampla repercussão para tratar de enfrentamentos de ordem pessoal?
Claro, a primeira objeção a essa indagação crítica é que só se usaram eventos pessoais na medida em que tinham interesse amplo, público, como exemplos. Isso justificaria o método.
Ocorre que há uma seção tradicional, no jornal, para o consumidor. Chama-se ?A Cidade é Sua?. Nela, os leitores reclamam, cobram satisfação de empresas. Também aqui os casos pessoais ganham universalidade. E são iguaizinhos aos levantados nas colunas a que me referi.
Cabe a pergunta: em termos objetivos, esse procedimento não significa, ainda que involuntariamente, uma forma direta de pressão sobre as empresas ou serviços em questão, ou sobre outros, potenciais, com os quais os jornalistas inevitavelmente se defrontarão ao longo do tempo?
E outra: por que um colunista deveria gastar seu valioso espaço -merecidamente conquistado, diga-se- como palanque privilegiado para acertar contas pessoais? Diante desse recurso, seria de estranhar que as empresas ou pessoas ?acusadas? passassem a desconfiar de que o jornal, por trás de boas intenções, poderia servir a fins de interesse privado, individual, e não público?
Eis um debate à mesa, tão necessário quanto delicado."
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"Atos falhos", copyright Folha de São Paulo, 8/4/01.
"Leia as duas perguntas e as duas respostas ao lado. Trata-se do final de uma entrevista com o diretor de teatro Gerald Thomas publicada na capa da Ilustrada na última quarta-feira.
O mote da reportagem é a peça ?O Príncipe de Copacabana?, que o encenador prepara para estrear em maio.
O que é interessante aqui? É a maneira como o jornalista e o artista expõem, talvez sem se dar conta, o mecanismo que muitas vezes rege as agendas do jornalismo cultural – não apenas da Folha, evidentemente.
Parece uma conversa de compadres. O próprio encenador entrega o jogo (?a gente precisa um do outro?). E o jornal, ao publicar o ?papo?, dá a esses trechos um sabor de ato falho.
Thomas tem razão quando, ao responder à frase ?mas você está sempre na mídia?, diz: ?Vocês são culpados disso. Vocês me colocam na mídia, não sou eu?.
De modo irônico e falsamente ingênuo, ele ataca: ?O maquiavelismo é de vocês, não é meu?.
Essa é a questão. Porque a mídia, e a Folha junto, sempre tem, de fato, espaço farto para abrigar determinadas celebridades do chamado ?mundo cultural?. Figurinhas carimbadas. Dia sim dia não as mesmas.
Ora, será que tudo aquilo que elas produzem é verdadeiramente relevante?
Um dos impasses do tratamento jornalístico da produção artística reside no funil que isso representa.Vale para o teatro, mas também para a literatura, para a música e as artes plásticas. Para o ensaísmo.
Existe alguma coisa pouco saudável no mecanismo que essa entrevista revela. E talvez um segundo ato falho cometido pelo jornal, neste caso, tenha sido o próprio título da reportagem, que faz lembrar o velho cenário hamletiano: ?Há algo de podre em Copacabana?.
Semana passada, nesta coluna, referi-me ao fato de haver somente dois jornais no Brasil com a função de ombudsman institucionalizada: a Folha e ?O Povo?, de Fortaleza (CE). Pois há -até segunda ordem- um terceiro: a ?Folha do Povo?, nascida há dois anos em Campo Grande (MS). O cargo de ombudsman, criado em outubro de 2000, é ocupado pelo jornalista Fabiano Maisonnave."
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