Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Marthe

QUALIDADE NA TV

ASPAS

TV PAGA

"Hora da verdade na TV paga", copyright Veja, 11/04/01

"Desde que o Ibope começou a medir a audiência da televisão brasileira, na década de 50, seus índices tornaram-se uma arma vital para emissoras e anunciantes. Com base neles, decidem-se estratégias de publicidade e promovem-se mudanças na programação. Em mais de dez anos de existência no Brasil, a TV por assinatura nunca dispôs de um termômetro semelhante. Por isso, aguarda-se com interesse o anúncio dos resultados do novo serviço do Ibope para a TV paga, no próximo dia 16. VEJA obteve com exclusividade os números consolidados de março, o primeiro mês da medição oficial. Eles revelam muito sobre os hábitos do espectador e já causam rebuliço entre os profissionais que trabalham nesse meio.

Para aferir a audiência de setenta canais transmitidos por cabo ou antena parabólica no Brasil, o Ibope se concentrou nas classes A e B, que respondem por 81% dos 3,4 milhões de lares com TV por assinatura. Dos 400 domicílios que compõem o universo pesquisado, 250 encontram-se na cidade de São Paulo e 150 no Rio de Janeiro, já que os respectivos Estados detêm cerca de 40% dos assinantes de canais a cabo do país. Assim como na televisão tradicional, a audiência é medida em pontos. Só que, enquanto na TV aberta 1 ponto significa 74.000 domicílios, na paga ele equivale a 10.300 lares. A escala é completamente diferente, dadas as amplitudes dos dois universos. Um campeão de audiência da Rede Globo pode chegar a 50 pontos. Já o canal mais visto da TV por assinatura, o infantil Cartoon Network, reina do alto de mero 1,27 ponto. Mas, como o poder de compra dos assinantes é, na média, muito mais alto que o da massa de espectadores da TV aberta, qualquer fração reveste-se de importância comercial. ?O mercado publicitário terá de aprender a pensar em públicos restritos, mas qualificados?, diz Flávio Ferrari, diretor do Ibope.

A pesquisa revela que a maioria das pessoas que possuem cabo ou parabólica ainda prefere assistir aos canais abertos (veja quadro). ?Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, onde a TV por assinatura tem tanta força quanto as grandes redes, no Brasil ela tem sido uma opção complementar?, constata o publicitário Daniel Barbará, que participou dos estudos para a criação do novo serviço. O país ainda engatinha no setor. Hoje, a TV paga está em cerca de 8% dos lares, contra uma média de 19% nos vizinhos da América Latina e 84% nos Estados Unidos. Mas o potencial de crescimento é imenso, e já se começa a notar mudanças de hábito causadas por ela. Nas residências onde há TV paga, o horário nobre se estende. Enquanto na televisão aberta o maior volume de espectadores se concentra entre as 8 e as 10 da noite – hora do Jornal Nacional e das novelas – , a curva de audiência da TV por assinatura atinge seu pico mais tarde, entre 21h30 e meia-noite. Nos finais de semana, quando cresce a procura pelas transmissões esportivas e por filmes, a média geral de audiência tem um aumento de 30%.

Um dado significativo é a força dos canais infantis. O segmento responde por um quarto da audiência da TV paga (veja quadro) e, na semana passada, foi ampliado com a estréia do Disney Channel Brasil, transmitido com exclusividade pela TVA e pela DirecTV. A maior parte da programação do Disney Channel é de desenhos e educativos, mas ela também contemplará os adolescentes, no fim da tarde, e os adultos, à noite. Uma curiosidade: os atuais campeões no segmento infantil, o Cartoon e a Fox Kids, devem seus índices às mesmas animações japonesas que duelam pela atenção da garotada na TV aberta. O primeiro tem os monstrengos do Pokémon como carro-chefe; o segundo, os Digimon. A disputa pelo público adulto se espraia por vários gêneros, com destaque para os canais de filmes e esportes, que lideram um item importante na pesquisa do Ibope: o ranking de fidelidade entre as pessoas acima de 18 anos. Esse índice mostra quais canais têm maior capacidade de prender o espectador com seus programas. ?Como as pessoas zapeiam mais do que nunca, esse é um diferencial estratégico na luta pela audiência?, diz Ferrari. Em março, a campeã nesse quesito foi a HBO, seguida pela Sportv. Os canais cuja programação se baseia em seriados, por sua vez, ostentam outro trunfo – eles são fortíssimos entre o público na faixa dos 18 aos 34 anos, no horário das 7 à meia-noite.

A TV paga – uma vitrine de primeira para produtos como carrões e outros itens de luxo – vem brigando por mais publicidade. No ano passado, ela ficou com 170 milhões de reais, cerca de 3% do bolo publicitário total da televisão, de 5,7 bilhões de reais. Segundo estimativas do mercado, cinco canais concentram praticamente a metade desse total. O principal deles é a Sportv, que, especula-se, teria angariado mais de 20 milhões em anúncios no ano passado. ?Quando os dados do Ibope vierem a público, esse dinheiro será redistribuído?, alfineta um concorrente. Ao acirrar a competição e incrementar a publicidade, a medição de audiência pode acabar resultando, a longo prazo, em pacotes mais em conta para o consumidor. Isso porque os altos custos serão compensados por mais receita proveniente de propaganda, possibilitando que o preço das assinaturas caia."

BOICOTE

"Pastores de SC e PR criam dia de boicote à TV", copyright O Estado de S. Paulo, 3/04/01

"Pastores da Igreja Metodista no Paraná e em Santa Catarina querem forçar a televisão a mudar sua programação, por considerá-la escandalosa. Eles estão organizando um dia de silêncio, ou de abstinência, durante o qual os fiéis deverão manter os televisores desligados. A data prevista é 1.? de maio.

?Todas as pessoas, mesmo de outras denominações religiosas, que acreditam, como nós, que o nível dos programas está muito baixo, estão convidadas a participar?, diz o autor da proposta de boicote, pastor João Victor Nery. Ele dirige a igreja de Guarapuava, cidade localizada na região centro-oeste do Paraná, a 250 quilômetros de Curitiba.

De acordo com informações de Nery, vários grupos católicos já mostraram interesse pelo boicote e devem unir-se aos protestantes. Ainda segundo o pastor, também já se discute a possibilidade realizar outro boicote, em outubro.

A decisão dos pastores paranaenses e catarinenses foi motivada por um alerta do Colégio dos Bispos, o órgão dirigente da Igreja Metodista no Brasil. Reunidos no dia 16 de março, os bispos, que representam as oito províncias eclesiásticas brasileiras, divulgaram um pronunciamento, no qual falam sobre excessos que estariam sendo cometidos na programação normal e na publicidade. ?Na maioria das vezes, há uma ênfase demasiada no sexo barato, na desvalorização do ser humano como criatura de Deus, no incentivo à violência, na quebra dos valores familiares, na desvalorização da mulher como pessoa, na ridicularização do casamento?, afirmam.

O texto também critica enfaticamente o destaque dado pela televisão a opções religiosas que não são cristãs. ?Uma novela exalta o candomblé e o culto a Iemanjá?, afirmam os bispos, referindo-se, sem citar o nome, à novela Porto dos Milagres, da Globo. ?Outra, promove o esoterismo?, assinalam, numa referência a Estrela Guia, da mesma emissora, que conta com a participação da cantora Sandy.

Não é só a Globo, porém, que é criticada. Os bispos falam de ?programas de baixo nível, com ratinhos e leões?, de ?tiazinhas? e ?feiticeiras?. Também atacam a divulgação de músicas com expressões como ?tapa na cara? e ?tapinha não dói?.

Reformar – No texto que está sendo divulgado para conclamar os fiéis a um dia de abstinência, os pastores citam John Wesley (1703-1790), fundador da Igreja. Ele dizia que um das principais missões da instituição seria ?reformar a nação, particularmente a igreja, espalhando a santidade bíblica sobre a terra.?

O metodismo surgiu na Inglaterra, no século 18, a partir da Igreja Anglicana, da qual Wesley fazia parte. De lá expandiu-se para os Estados Unidos, que hoje é seu principal reduto. Os primeiros missionários metodistas que vieram para o Brasil, no século 19, eram americanos.

No conjunto das igrejas protestantes, a Metodista faz parte do grupo chamado histórico. É uma das mais abertas ao diálogo ecumênico. Estima-se que tenha 100 mil fiéis no País. Nos Estados do Paraná e Santa Catarina seriam 16 mil."

REGIONALISMO

"Pérolas da prosa regional", copyright O Estado de S. Paulo, 8/04/01

"Os mineiros são bons de prosa. Tão bons que sabem o que significam o silêncio, a omissão, o segundo sentido do que dizemos. Não espanta que tenham bons programas de entrevistas. Hoje, comentarei alguns, que mostram duas coisas positivas: o papel das entrevistas e a importância de programas que, sendo regionais, têm maior liberdade na TV.

Em Vereda Literária, Helton Gonçalves entrevista escritores. É retransmitido em São Paulo pela Cultura, aos sábados pela manhã. Palavra Cruzada – que tem um título brilhante – é uma conversa que flui bem, por uma hora, com o jornalista Luiz Carlos Bernardes, que deixa o convidado se expressar.

Já Leila Ferreira tem o Leila Entrevista, na TV Minas. Recentemente, entrevistou dois escritores que passaram pela prisão. Foi ao presídio de Taubaté conversar com Hosmany Ramos, o cirurgião plástico carioca que passou das colunas sociais para as policiais e, preso há mais de vinte anos, aguardava ser solto em breve.

A deixa para a entrevista foi a edição em francês, pela importante editora Gallimard, de seu livro Marginália. O cirurgião presidiário entrou para a literatura. É tocante o seu combate para preservar a sanidade numa prisão de segurança máxima. Lembremos o que fizeram na mesma cadeia com o bandido da Luz Vermelha, que – via-se pelas imagens na Cultura, ao longo de seus trinta anos de reclusão – foi destruído pela máquina penitenciária, até sair um trapo, pronto para ser morto. É preciso força para agüentar o mundo trancafiado.

O pior da prisão – diz outro entrevistado de Leila, o escritor paulista João Batista Gelpi, que esteve preso em Praga – é não ver crianças. Seis anos sem crianças! Gelpi, autor de Pankrac II, fez um pacto de morte com a namorada tcheca. Ela morreu, ele não. Foi condenado. São duas entrevistas bem diferentes: Hosmany montou uma couraça de defesa, Gelpi faz um relato intimista. Um ergue a voz, o outro a abranda. Mas a soma das duas funciona bem, como um discreto libelo contra a prisão. Não está em debate se os dois mereceram ser punidos: a questão é que, se gente acima da média é devastada desse modo pela cadeia, o que será da multidão de pessoas sem recursos financeiros, culturais ou sociais?

Esses programas mineiros mostram que cabem iniciativas que não precisam ser as mesmas para o País. Leila fez uma ótima série sobre os fundões de Minas Gerais, com poetas, gente simples, os tipos de um Estado rico em gente. Foi uma resposta adequada ao artigo da Constituição – ainda letra morta – que manda regionalizar parte da programação, evitando que o resto do País macaqueie o Rio ou, em menor medida, São Paulo.

Mas, o principal: esses programas são bons. São programas de conversa – e na TV a conversa é uma arte mais exigente do que ao vivo ou no rádio – e se sustentam bem na prosa, mesmo sem muitos recursos áudiovisuais. E termino me contradizendo: elogiei o caráter regional dos programas, mas fecho dizendo que o bom deles deve ir para a telinha nacional. Por que não ter, no novo canal do Ministério da Cultura, um espaço para os melhores programas regionais?"

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