Nesses tempos do politicamente correto, não fica bem, nos meios de comunicação, chamar as mulheres de histéricas. Mas nem assim estamos livres dos preconceitos. Já que não se pode dizer que uma mulher é histérica – doença que até Freud era considerada exclusivamente feminina – a sociedade descobriu (e a imprensa adotou) outra forma de chamar as mulheres de descontroladas: dizer que elas estão com TPM, ou Tensão Pré-Menstrual. Deu na Veja:
‘Ao contrário do que ocorre com as mulheres, não há nenhuma evidência científica de que os humores masculinos sejam influenciados por hormônios. Mas a TPM delas influi – e muito – na vida deles. E não é só dentro de casa. Um estudo americano recente, com 1000 homens e mulheres, mostrou que metade deles já foi vítima de hostilidade e enfrentou dificuldades ao trabalhar com mulheres na TPM. O relações-públicas paulista Rodrigo Santos, de 34 anos, viveu o drama com uma antiga chefe: `Seu mau humor mudava completamente a dinâmica da equipe e interferia no comportamento de todos no escritório. Era um tormento´. E pode continuar a sê-lo por muito tempo, já que ainda se está longe de uma solução definitiva para o mal. Mas, atenção, senhores: nem toda irritação feminina é sinônimo de tensão pré-menstrual. Portanto, tenha sempre um calendário em mãos antes de lançar a irritante pergunta: `Você está com TPM?´’ (Veja nº 2071, de 30/7/2008).
Doença e período menstrual
Que as pessoas comuns usem esse recurso para inferiorizar as mulheres é irritante, mas compreensível. Imperdoável é que a imprensa se preste a endossar mais esse preconceito contra as mulheres. Ainda mais uma revista de circulação nacional que, além de ter um grande número de mulheres entre seus funcionários, tem milhares entre seus leitores e assinantes. A matéria de Veja sobre a TPM deve ter deixado as leitoras – especialmente as mulheres que trabalham – chocadas e irritadas com o texto desta semana. Especialmente com a conclusão sobre os efeitos da TPM no trabalho feminino: ‘30% dos homens dizem pisar em ovos quando a colega de trabalho está naqueles dias; 50% relatam hostilidade por parte delas no ambiente profissional; 20% dizem que elas são incapazes de tomar uma decisão profissional racional na TPM’.
Pobres das mulheres que estão disputando o mercado de trabalho: além do medo que os chefes têm de que elas engravidem – e façam uso do seu direito a uma longa licença do trabalho, agora vão ter que provar que não sofrem de Tensão Pré-Menstrual, que a revista chama de ‘aqueles dias’, confundindo a doença com o período menstrual, quando a TPM deixa de se manifestar.
Chefes indecisos ou temperamentais
Além desse erro e de criar um rótulo negativo sobre a capacidade de trabalho feminina, a revista erra ao tratar uma doença com a leviandade com que fala de modismos ou comportamentos exóticos. Em respeito às leitoras, bem que Veja poderia ter discutido o assunto com um pouco mais de seriedade, mostrando que TPM não atinge todas as mulheres e que tipo de soluções são indicadas para tratar a doença.
É claro que mulheres podem também ser arrogantes e prepotentes – como muitos dos homens em cargos de chefia – sem precisar da TPM para isso. Enfim, o perfil de homens e mulheres não depende de hormônios. Dizer que os hormônios determinam tudo é uma forma sutil de dizer que as mulheres estão menos qualificadas para exercer cargos de comando, já que – pelo menos alguns dias por mês – não estarão no seu ‘normal’.
Para fazer justiça com as mulheres, a revista deveria ter entrevistado pessoas que trabalham sob a chefia de mulheres que não mudam de comportamento devido aos hormônios, além das mulheres que são obrigadas a conviver com chefes indecisos ou temperamentais que nem têm a justificativa de ‘estar naqueles dias’.
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Jornalista