Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Big MEC e defeitos colaterais

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DIRET?RIO ACAD?MICO

PROVÃO

Antonio Fernando Beraldo (*)

[Conclusão de uma série de três artigos; abaixo, remissões para os dois anteriores]

Volto às regras antigas (pela última vez, garanto). Nota-se que o próprio MEC não segue as regras que elaborou: os tais 12% dos cursos com piores médias, categoria E (de "Empurra não!"). Em 1999, considerando-se apenas o conceito "E", registraram-se 3 cursos a menos (do que deveria) neste conceito no área de Administração; 3 a menos na área de Engenharia Mecânica; e 3 a menos na área de Medicina. Já em 2000 no mesmo conceito tivemos 3 cursos a menos na área de Economia; 6 a menos em Direito; 5 a menos em Administração; 6 a menos na área de Biologia; 4 a menos na Engenharia Civil; 3 a menos na Engenharia Mecânica; 6 a menos em Letras; 4 a menos na Medicina; 3 a menos na Odontologia; 3 a menos na Psicologia e, Jesus!, 8 a menos na Matemática. Será que é tudo uma questão de "aproximações"? Ou o ministério da Educação e Desporto ficou com pena? Ou…?

No país do vale-tudo, onde deve haver desvio de verba até no dízimo da igrejinha do bairro, é preciso desconfiar até de si mesmo. Num governo que libera 6 milhões de reais para a mulher de um senador construir um ranário (deve ser constituído apenas de sapos ex-príncipes encantados), não custa nada ter paciência e esperar que aquele cursinho chinfrim, lá no fim do mundo, reabilite-se e se dê ao trabalho de, por exemplo, parar de ensinar natação por correspondência e construir uma piscina (com verba do BNDES, claro).

O que, afinal, quer o MEC com o Provão? O que o Provão causou, até agora, de (d)efeitos colaterais? Além da ira (logo apaziguada) de meia dúzia de reitores, no começo dos exames ao final do século passado, e da revolta de lideranças estudantis que se viram perturbadas pela intromissão do MEC na sua praia, o que fica, até agora?

Imagino que, no começo, a intenção era desmoralizar de vez as esbanjadoras universidades públicas ? que, como todo mundo sabe, só fazem torrar a grana dos impostos pagos pela classe trabalhadora para que ali estudem os filhos dos ricos que não pagam impostos e que freqüentaram cursinhos e que continuarão a perpetuar as desigualdades dessa nossa sociedade tão injusta e que esses filhos dos ricos e da classe média podem muito bem pagar para estudar numa universidade particular e deixar as públicas para os filhos dos pobres que mediante pequenas contribuições ou crédito educativo aí sim poderão se formar e virar doutores (eis um parágrafo para não-fumantes).

Só que o tiro saiu pela culatra do próprio MEC. O engano foi achar que a ostentação comercial das "redes de ensino", com seus lobbies eficientes dentro do governo e sua aparente pujança "educacional", produzisse (em massa) um time de craques bastante superior ao das universidades públicas ? que, como todo mundo sabe… (vide parágrafo anterior).

As provas eram de um nível próximo ao QI dos universitários do Show do Milhão. Lembro-me da prova para a área de Engenharia, no primeiro Provão: "caiu" uma questão que era a integral de seno de "x" ? essa, até minha gatinha angorá resolve. Bom, e não é que mesmo assim, e com todos os boicotes, as universidades públicas saíram na frente, e bem na frente!? É claro que as médias foram, digamos, fraquinhas. E o MEC, baseado nisso, aproveitou para descer o pau nas universidades públicas, que, como todo mundo sabe… (novamente o parágrafo citado). A mídia babava, com rarissimas discordâncias, e a melhor delas foi a do Janio de Freitas, num artigo em que escrevia que o MEC tomou pau no Provão.

Ad nauseam

Vida que segue, e nas edições seguintes, a posição das universidades públicas se consolidava, e as particulares, com bem poucas exceções, viviam em eterno risco de rebaixamento. O governo retinha recursos para as federais ao mesmo tempo que o BNDES liberava um dinheirinho para algumas particulares que tinham "bom trânsito" nos gabinetes. O ministro vociferava que ia fechar, descredenciar, botar fogo e coisa e tal, mas nada. Tudo cineminha e encenação. Afinal, o homem está candidato a qualquer coisa (de preferência, presidente) e não convém perder potenciais fontes de financiamento. Outra coisa: será que o ministro ignora que o sujeito que ingressa numa dessas fábricas de diplomas está à procura disso mesmo: um diploma? Passa num vestibular "moleza", paga uma boa grana durante algum tempo, e, no fim, recebe seu diplominha, com direito a batatas fritas e refrigerante. Conforme a grana, pode ser um BigMac ou algo supermega, com quatro hambúrgueres e um quilo de queijo. Ora, nesse meio todo mundo sabe a fama de cada uma das faculdades brasileiras. Até a Playboy se mete a ranquear (arrgh!) universidades!

Enquanto isso, o FMI "sugere" que as universidades públicas deveriam cobrar algum tipo de mensalidade, e que a grana assim "recolhida" ajudaria os ensinos fundamental e médio (veja jornais de janeiro deste ano). Então, tá. Este papo é velho, vem desde uns documentos do BID/BIRD de muitos anos atrás e volta e meia alguém dá uma "requentada" nessa história.

Mais para frente, o ministro da Educação proíbe a contratação de professores substitutos sob qualquer pretexto. Isto cheira a chantagem, uma vez que já está, há muito, proibida a contratação de professores efetivos. Agora, nada de substitutos, e o ministro acena com um decreto modificando toda a estrutura, digamos, trabalhista, da carreira de magistério superior. O decreto é de lascar: transforma docentes de ensino superior em professores de cursinho, que dão 68 horas-aula por semana, em cinco escolas diferentes, e cinco disciplinas deiferentes: Matemática dos Plânctons, Zoologia Medieval, Astrologia Histórica, Literatura Etrusca e Cálculo Integral Dietético.

É mais combustível para uma greve. Não parece coisa combinada? Se a greve vier, lá vem o ministro ou algum secretário citar, outra vez, as mesmas estatísticas falaciosas comparando nosso ensino superior e nossa produção científica com as das universidades dos EUA e da Europa, concluindo que somos um bando de vagabundos e que as esbanjadoras universidades públicas que, como todo mundo sabe, só fazem torrar a grana dos impostos pagos pela…

Ó tédio!

(*) Professor do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Juiz de Fora

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