A VOZ DOS OUVIDORES
DIÁRIO DE NOTÍCIAS
"Os factos e os comentários", copyright Diário de Notícias, de Lisboa (Portugal), 23/4/01.
"A separação entre a informação (os factos) e os comentários (as ideias) pertence à cultura jornalística anglo-saxónica. Jornais de referência como o New York Times e o Washington Post, apesar de não vedarem aos jornalistas a possibilidade de comentar os factos, estabelecem que esses comentários devem limitar-se às análises e explicações que visem a sua melhor compreensão, não lhes cabendo, assim, emitir julgamentos.
Na Imprensa européia essa separação é menos rígida, sendo frequente encontrar nas notícias aprecia&cccedil;ões que relevam da mera opinião. Contudo, a maioria dos jornais de referência assume a diferenciação dos géneros através de páginas exclusivamente dedicadas à opinião.
O que incomoda os leitores não é os jornalistas emitirem opiniões ou comentários sobre os factos que relatam, desde que surjam em espaços devidamente identificados. O que os leva a protestar é que a opinião se insinue no texto noticioso, muitas vezes através da escolha de uma metáfora, de um adjectivo, ou de um cliché aparentemente, sem preconceito, mas que possui um efeito orientador da leitura.
O leitor João Luís Lopes dos Reis queixou-se à provedora de que com o título ?Bastonário corrige tiro?, o DN publicou (1), ?sob a forma de notícia assinada, um artigo de opinião que começa por uma falsidade?. Segundo o leitor, ?não é verdade que o bastonário tenha corrigido o tiro. Apenas concretizou, a pedido de uma estação de televisão, a acusação de compra de deputados que tinha feito ao governo?.
?Salvo o devido respeito, o leitor leu mal. Ao contrário do que afirma, as declarações não foram feitas a pedido de uma televisão: foram feitas a pedido do DN. Também não se trata de um artigo de opinião?, contrapõem os jornalistas Graça Henriques e Pedro Correia, autores da notícia.
Vejamos o que disse o bastonário: ?O Governo veio dizer que não compra deputados. Tem toda a razão: quando me referia a deputados, queria referir-me exclusivamente ao engenheiro Daniel Campelo, que não chegou a ser comprado pelo Governo. Foi ele próprio quem tomou a iniciativa de vender a sua consciência de deputado (…).?
A provedora comparou estas declarações do bastonário com as primeiras, publicadas nos jornais no dia 31 de Março, que estiveram na origem da polémica. Disse, nessa altura, o bastonário: ?O Governo compra os deputados e as soluções na Assembleia da República e faz aquilo que lhe apetece (…).?
A questão está, pois, em saber se dizer que ?o Governo compra os deputados? é, ou não, diferente de afirmar que o Governo ?tem toda a razão? quando diz que ?não compra deputados?.
Parece à provedora que, ao esclarecer que queria referir-se ?exclusivamente ao engenheiro Daniel Campelo?, o bastonário corrige, efectivamente, a sua primeira declaração.
A segunda acusação do leitor ? ?artigo de opinião sob a forma de notícia assinada? – coloca questões interessantes do ponto de vista da análise.
A fronteira que separa o enunciado dos factos das observações que relevam do comentário e da crítica é difícil de definir. Os especialistas em géneros jornalísticos admitem a existência de ?um nível interpretativo? intermédio entre a informação e a opinião. Vejamos o que dizem alguns deles: Patrick Charaudeau (2), professor de Ciências da Linguagem, afirma que a oposição ?descrição dos factos/comentários dos factos? resolve-se numa complementaridade que encontra a sua razão de ser numa das finalidades do ?contrato? entre o jornal e o leitor: o objectivo de ?fazer saber? precisa de ?credibilidade? para ser realizado. Não se pode informar se não se estiver em condições de dar, simultaneamente, garantias de veracidade da informação que se transmite (…).
Carlos Chaparro (3), professor e investigador, interroga-se: ?Como noticiar ou deixar de noticiar algum facto sem a componente opinativa? Por outro lado, o comentário – explicativo ou crítico – será ineficaz se não partir de factos e dados confiáveis rigorosamente apurados. (…) Qualquer leitura de jornal ou revista de grande circulação deixa evidente que as fronteiras entre opinião e informação são destruídas pela inevitabilidade da valoração jornalística (…).?
Michel Mathien (4), jornalista e professor, afirma, por seu turno, que se o jornalista pretende dar um tom pessoal à apresentação da notícia não pode, contudo, desvirtuá-la ou fornecer versões erradas. Os comentários, se os houver, devem reflectir, de preferência, uma apreciação dos factos ou o esclarecimento de um detalhe.
Também o Código Deontológico do Jornalista, ao preconizar o dever de relatar os factos com rigor e exactidão, não retira ao jornalista a capacidade de os ?interpretar com honestidade?.
Pode discutir-se a acepção precisa dos conceitos de opinião, interpretação e comentário, mas a dificuldade da tarefa não justifica que eles sejam ignorados ou que se negue a sua importância nos comportamentos profissionais dos jornalistas.
A crítica do leitor João Reis não tem razão no caso concreto do texto dos jornalistas do DN. Com efeito, o texto limita-se a relatar as declarações do deputado Daniel Campelo, enquadrando-as com as do bastonário e todas as citações estão identificadas. Mas a questão de fundo não deixa de ser pertinente, na medida em que reclama uma distinção entre o enunciado dos factos e as observações que relevam do comentário e da crítica.
(1) DN 4 de Abril p. p.
(2) Charaudeau, Patrick, Les Discours d’Information Médiatique, Nathan, Institut National de l’Audivisuel, 1997.
(3) Chaparro, Manuel Carlos, “Sotaques d’Aquém e d’Além-Mar – Percursos e Géneros do Jornalismo Português e Brasileiro”, Jortejo, Santarém, 1998.
(4) Mathien, Michel, Les Journalistes et le Système Médiatique, Hachette, 1992.
BLOCO DE NOTAS
Alguns leitores dirigiram-se à provedora a propósito da edição online do DN.
Paulo Silva Gomes lamenta que ?uma queixa de um leitor da edição electrónica não valha definitivamente muito, nem mereça sequer uma resposta, quer do webmaster quer do provedor do leitor (…) do leitor da edição em papel, seguramente?, acrescenta.
Paulo Gomes afirma que se verificam ?indisponibilidades parciais ou totais da edição electrónica do jornal?, e acrescenta que ?findos os três dias de histórico standard desta versão, mesmo quando as edições nunca chegaram a ser disponibilizadas, não podem definitivamente ser consultadas?. Paulo Gomes refere que, muitas vezes, os leitores da edição electrónica tomam a decisão de comprar a versão em papel motivados pelo conteúdo online.
Também Rodrigo Costa se queixa de algumas edições do DN online não terem sido disponibilizadas. Ambos se dirigiram ao jornal e ambos ficaram sem resposta.
As queixas destes leitores não incidem sobre conteúdos jornalísticos, pelo que não se enquadram no âmbito da análise da provedora, que lamenta o facto de as mensagens não terem tido resposta, tanto mais que seria tão fácil e rápido fazer um reply, ao menos para dizer ?vamos estudar o assunto?. Afinal, se os leitores respondem às sondagens das edições online,não poderia o jornal responder também aos seus leitores?
Outros leitores manifestam interesse em ter acesso ao endereço electrónico dos colaboradores do DN, como acontece noutros jornais.
Isso permitiria uma maior interactividade com o jornal, o que constitui um motivo mais que justificado para que lhes seja dado o devido acolhimento. Fica, pois, aqui o registo do desejo desses leitores.
Cibernautas
Que tipo de notícias procuram os cibernautas nos jornais online? Segundo o Pew Research Center for People and Press, o público americano que frequenta a Net gostaria que houvesse mais notícias sobre assuntos locais e não apenas sobre os grandes temas nacionais.
Segundo esse estudo, durante a recente campanha eleitoral cerca de 20 % dos americanos procuraram informação na Internet, contra 4 % na campanha de 1996. Os sites da CNN e da MSNBC foram os mais procurados. Lee Rainie, director do Pew Internet and American Life Project, afirma que a tendência é para uma crescente interactividade entre as edições electrónicas de jornais, rádios e televisões nacionais e as suas congéneres locais.
Apesar de algum pessimismo sobre o futuro e dos receios que as novas tecnologias conduzam a uma ?cultura da irresponsabilidade? e ao surgimento de um ?poder técnico? com tendência para dominar o ?poder mediático? e para substituir-se ao ?poder político?, é um bom sinal que, em vez de imporem a sua lógica a cidadãos passivos, elas possam ser um instrumento de diálogo e contribuir, juntamente com outros media, para o desenvolvimento da democracia."
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