QUALIDADE NA TV
ASPAS
BOICOTE E BAIXARIA
"Canais mostram sexo e violência à vontade", copyright Folha de S. Paulo, 22/04/01
"Edward Norton espanca (e é espancado) às 7h e depois é estuprado no chuveiro de um presídio às 11h. Michael Douglas e Sharon Stone protagonizam cenas tórridas de sexo às 11h10. A cabeça de Andy Garcia é separada do corpo e rola pelo chão às 15h30.
Essas e outras cenas são corriqueiras nos canais pagos, comumente nos horários matutino e vespertino. A reportagem encontrou nas revistas de programação de abril das operadoras 22 filmes com esse conteúdo fora do horário noturno (veja exemplos ao lado). Sem mecanismos legais para adequar classificação etária e grades horárias (leia texto à pág 9), a escolha fica com os canais.
Os argumentos para a seleção de horário são variados. Em linhas gerais, utiliza-se o ?conceito? da TV paga, uma maior instrução do público e até a temática da atual produção cinematográfica. Mas os próprios programadores acusam os canais concorrentes de levar ao ar conteúdo inadequado.
?O conceito do nosso negócio é oferecer o que a TV aberta não oferece, ter uma programação sem censura e filmes com temas e situações fortes em horários alternativos. Você encontrará no canal pago coisas que não estão na ?Sessão da Tarde?, afirma o gerente de programação da rede Telecine, Sérgio Leemann.
Além disso, segundo ele, seria inviável manter uma programação só de filmes novos, como é o caso do Telecine Premiun, sem utilizar o horário vespertino.
Para a gerente de marketing do USA, Daniela Mignani, o ?conceito? também é fundamental. ?A diferença entre a TV fechada e a aberta é que uma é paga, a outra, para quem quiser.?
Ela ainda vê diferença entre o público das duas modalidades de televisão. Para Daniela, canais como USA e GNT são direcionados para o público adulto e não atrairiam crianças, mais afeitas ao Cartoon Network. ?O público da TV paga é o único capaz de discernir, pertence às classes A e B?, diz.
Ainda assim, Daniela conta que o canal já recebeu reclamações em relação à exibição de filmes de conteúdo considerado adulto no horário vespertino.
Quem engrossa o coro da segmentação é a gerente de programação dos canais HBO e Cinemax, Mônica Sufar. ?São canais por assinatura. Quem paga parte da premissa de que vai ter esse tipo de coisa. Além disso, somos programadores e não censores?, afirma.
A gerente do HBO/Cinemax e o gerente do Telecine ainda usam outro argumento semelhante: o conteúdo dos filmes está diretamente ligado ao momento que vive a atual produção cinematográfica mundial.
?Um levantamento mostrou que 60% dos filmes novos têm violência ou sexo. Infelizmente, é a safra de produções do cinema de hoje?, diz Mônica.
Entretanto, para ela, isso não representaria um problema, pois as revistas de programação que os assinantes recebem informam o conteúdo e a classificação etária das produções (não é o caso da revista da TVA, programadora dos canais HBO e Cinemax).
?A pessoa que é preocupada com isso vai procurar se informar antes de ver o filme. Não há produções que o assinante vai assistir sem ter a menor idéia de qual é o conteúdo?, afirma.
Peso e medida
Apesar desses argumentos, os responsáveis pelos canais admitem que nem todo tipo de conteúdo pode ser veiculado em todos os horário.
?Nós nunca exibimos o filme ?Geração Maldita? fora do horário da madrugada?, afirma Leemann, da rede Telecine. A produção em questão tem como uma de suas cenas mais fortes a de uma cabeça decepada, que continua balbuciando palavras desconexas.
Outros exemplo de filmes merecedores de horários avançados são ?Boogie Nights? e ?Studio 54?, no HBO, e ?Romance?, de Catherine Breillat, no Eurochannel. Neste último canal, entretanto, ?Os Idiotas?, que contém sexo explícito como ?Romance?, já foi ao ar às 22h.
?A cena é na segunda parte do filme, só foi ao ar depois das 23h. Não iria deixar de exibir esse filme para um público enorme para levá-lo ao ar à 0h, para cem pessoas?, afirma a gerente do Eurochannel no Brasil, Carolina Nabuco.
Batata quente
A concórdia entre os canais não é completa. Na hora de defender argumentos pela exibição dos filmes adultos, alguns dos responsáveis pelas programações não poupam seus colegas de operadora.
?Em um domingo, vi um desenho passando no HBO2. Canais que têm programação infantil deveriam ter uma preocupação maior com conteúdo. Já o ?Euro? não exibe infantis?, afirma Carolina, do Eurochannel.
Mônica Sufar, gerente do HBO e do Cinemax, defende o canal afirmando que desenhos animados são precedidos e seguidos por produções com classificação livre. ?Somos um canal de filmes. Nosso público assiste a uma, duas produções, não fica ligado o dia todo.?
O Telecine também não escapou: foi classificado como ?familiar? pela gerente do USA e, segundo ela, deveria escolher melhor a programação. O representante do canal citado, Sérgio Leemann, admite que o Telecine Happy tem esse perfil e diz que, no caso desse canal, cenas fortes ficam relegadas ao horário noturno.
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"Emissoras abertas dizem cumprir a lei", copyright Folha de S. Paulo, 22/04/01
"A reportagem procurou Globo e SBT, as maiores compradoras de pacotes de filmes entre os canais abertos (conforme mostrou reportagem do TV Folha de 11 de março), para saber como as emissoras lidam com a questão da classificação etária nas sessões de cinema de suas programações.
O diretor da Central Globo de Comunicações, Luís Erlanger, afirma que a emissora segue o que está determinado no texto da portaria 796, do Ministério da Justiça. ?Já nos manifestamos publicamente contra a portaria, mas cumprimos?, afirma.
A redação da portaria define que programas e filmes com classificação livre podem ser exibidos em qualquer horário, classificados para maiores de 12 anos devem ir ao ar depois das 20h, para maiores de 14 anos, após 21h, para maiores de 16, após 22h, e para maiores de 18, após 23h.
A classificação etária das produções é de responsabilidade do Ministério da Justiça.
O SBT informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que ?cumpre a lei?. A assessoria ainda declarou que não indicaria ninguém para falar sobre o assunto pois ?não vê motivos? para qualquer tipo de paralelo entre TV aberta e paga.
Segundo a assessoria, o argumento do canal para tanto é que ?são campos de trabalho muito diferentes?."
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"Para Ministro da Justiça, não há como controlar abusos", copyright Folha de S. Paulo, 22/04/01
"Nas palavras do ministro da Justiça, José Gregori, não há ?como punir nenhuma emissora caso a classificação [etária? seja desrespeitada?. A tentativa mais recente de legislar especificamente sobre o tema, a portaria 796, de setembro do ano passado, não está em vigor.
?Parte dela [da portaria? está suspensa por decisão liminar do Superior Tribunal de Justiça. Falta ainda decisão sobre o mérito da questão. O Ministério da Justiça continua cumprindo sua atribuição de indicar a classificação dos programas de televisão, mas não tem mecanismos para exigir que as emissoras respeitem o horário considerado apropriado para a exibição?, afirmou Gregori, em entrevista por e-mail à Folha.
Mesmo sem fiscalização, emissoras abertas afirmam seguir a portaria (leia texto nesta página). Em caso de denúncia, o Ministério da Justiça e o Ministério Público aplicam o Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o ministro.
O estatuto determina, em seu artigo 76, que ?as emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas?. Tanto o estatuto quanto a portaria não diferenciam as TVs abertas das pagas.
Nos casos de infração do estatuto (que é na verdade a lei n? 8.069, de 13 de julho de 1990), Gregori afirma ser a conversa a forma mais frequente de resolver o problema. ?O que procuramos é tentar, em primeiro lugar, um acordo com a emissora de televisão. Se quiser manter o programa naquele horário, ela se compromete a torná-lo apropriado. Isso tem sido comum e tem funcionado. Caso contrário, o Poder Judiciário tem poder até para tirar o programa do ar.?
Para prevenir o espectador sobre o conteúdo da programação que irá assistir, vale o artigo 254 do estatuto. ?A lei determina que seja feita a classificação dos programas. Pais e responsáveis têm de ser informados sobre o que será exibido para decidir se deixam seus filhos assistirem ou não?, diz o ministro."
"E agora, Ratinho em alta definição?", copyright O Estado de S. Paulo, 22/04/01
"?De que vale ao país investir na melhor imagem digital se a televisão continuar mostrando a mesma carga de violência de shows de telejornalismo policial popularesco, como o do Ratinho, as mesmas telenovelas aéticas, o mesmo consumerismo a mesma banalização do sexo, ou aquela contida no lixo enlatado da maioria dos filmes e desenhos importados?? Eis aí uma das opiniões dominantes entre os telespectadores sobre a televisão aberta às vésperas da escolha do padrão de TV digital. Essa maioria está, sim, muito mais preocupada com a excessiva carga de violência dos programas, conforme demonstra a pesquisa realizada pela Fundação CPqD, a pedido da Anatel. Seus resultados podem ser conferidos no site da Anatel (www.anatel.gov.br), no relatório sobre a televisão digital divulgado para consulta pública sobre o novo padrão de TV digital. Como em outras pesquisas, as conclusões desse relatório de 600 páginas mostram claramente a rejeição da população – em especial, de pais, mães, professores, jornalistas, executivos, empesários, psicólogos e estudantes – à irresponsabilidade que domina muitos programas. Aliás, se os dirigentes da televisão aberta brasileira soubessem como é forte a repulsa que esses maus programas causam na população, certamente não insistiriam na busca de audiência a qualquer custo, como fazem hoje."
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