Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

RODA DA VIDA

RODA DA VIDA
Leila Reis
"Às vezes, o clichê não compromete", copyright O Estado de S. Paulo, 21/04/01
"Uma criança testemunha a destruição de sua família por um clã poderoso e toma para si a missão de vingar-se a qualquer custo, usando todos os meios à mão. Esse enredo parece familiar? Claro. Desde que a TV inventou as histórias em capítulos, dramalhões desse tipo pululam no vídeo. E não só nas telenovelas mexicanas.
O mais recente entrou no ar na terça-feira, no horário nobre da Record (20h30), sob o título de Roda da Vida. Escrita por Solange Castro Neves, ex-colaboradora da maga Ivani Ribeiro (que reinou na Tupi e na Globo por muitas décadas), e dirigida por Del Rangel, contratado a peso de ouro depois de terminar seu trabalho na Globo na minissérie Os Maias, Roda da Vida não fez feio na estréia, mantendo o mesmo índice de audiência – oito pontos de média no Ibope (perto de 650 mil telespectadores na Grande São Paulo) – de Vidas Cruzadas. Mas também não satisfez as expectativas da emissora que queria aumentar o público do horário para, assim, cravar mais uma novela em sua programação.
Vamos à trama. A bela Sofia (Helena Fernandes) cresce com o objetivo de tomar tudo da família Almeida Alencar, que expulsou seus pais da fazenda Sonho Dourado. Tem uma filha com Marcelo Almeida Alencar (por que será que os ricos de dramalhões têm sempre sobrenomes compostos?), de quem ganha uma mansão e uma vida luxuosa, mas… mesmo assim não está satisfeita. ‘Quero tudo que mereço’, declama para o fiel empregado Malaquias (Toni Tornado), o único que conhece a saga da bonitona.
O amante morre e ela chega para lutar pelo que é seu. Claro que Sofia vai acabar se envolvendo com um Almeida Alencar (provavelmente o filho que matou acidentalmente Marcelo) e a sede de vingança dará lugar ao amor, mas isso será resolvido lá pelos últimos capítulos.
Por mais primária que seja a trama (nada diferente das anteriores Vidas Cruzadas, Louca Paixão e Marcas da Paixão), é louvável o investimento sistemático da Record em teledramaturgia por alguns motivos. O óbvio é a criação de oportunidades de trabalho para atores, roteiristas, técnicos e diretores, excluídos do cast da Globo ou sem chance de começar. Mais importante do que essa causa ‘social’ é a formação de know how para produzir o gênero mais bem-sucedido e mais exportado da TV brasileira.
A Globo faz tão bem telenovelas porque investe nesse filão há mais de 30 anos. O padrão de exigência do telespectador brasileiro é tão alto porque foi formado pela Globo que se tornou o equivalente a Hollywood na produção de TV.
De vez em quando, as concorrentes se arriscam em fazer novelas, mas por falta de paciência – criar hábito e fidelizar o público prometido aos anunciantes leva algum tempo) -, desistem. Assim fizeram a Bandeirantes (nos anos 80), o SBT e a Manchete (anos 90). A emissora de Silvio Santos tem até uma novela na gaveta, o remake de O Direito de Nascer (que teve duas versões na extinta TV Tupi, em 1965 e 1978), mas prefere exibir Café com Aroma de Mulher. A razão é aritmética. Com o dramalhão mexicano o SBT consegue o segundo lugar no horário: 13 pontos de média no Ibope (Grande São Paulo) contra 39 da Globo (Jornal Nacional) na terça.
Como é fazendo que se aprende, pode-se dizer que um dia a Record vai ter condições de brigar até pelo primeiro lugar. Mesmo porque algumas coisas a emissora já está dominando. A iluminação, o figurino e a maquiagem de Roda da Vida estão menos pesados, tirando a sensação de coisa mexicana. Está certo que tentar formar certos atores – como os modelos Carlos Casagrande e Reinaldo Holzchuh – é uma tarefa um tanto inglória, mas dar chance a talentos pouco valorizados em outras redes – como o de Eliete Cigarini, perfeita como a ricaça infeliz Camila – é um ótimo começo. (A jornalista Leila Reis escreve aos sábados neste espaço. E-mail: leilareis@terra.com.br)

NOVO CRÍTICO
Jornal do Brasil

QUALIDADE NA TV

ASPAS

RODA DA VIDA

"Às vezes, o clichê não compromete", copyright O Estado de S. Paulo, 21/04/01

"Uma criança testemunha a destruição de sua família por um clã poderoso e toma para si a missão de vingar-se a qualquer custo, usando todos os meios à mão. Esse enredo parece familiar? Claro. Desde que a TV inventou as histórias em capítulos, dramalhões desse tipo pululam no vídeo. E não só nas telenovelas mexicanas.

O mais recente entrou no ar na terça-feira, no horário nobre da Record (20h30), sob o título de Roda da Vida. Escrita por Solange Castro Neves, ex-colaboradora da maga Ivani Ribeiro (que reinou na Tupi e na Globo por muitas décadas), e dirigida por Del Rangel, contratado a peso de ouro depois de terminar seu trabalho na Globo na minissérie Os Maias, Roda da Vida não fez feio na estréia, mantendo o mesmo índice de audiência – oito pontos de média no Ibope (perto de 650 mil telespectadores na Grande São Paulo) – de Vidas Cruzadas. Mas também não satisfez as expectativas da emissora que queria aumentar o público do horário para, assim, cravar mais uma novela em sua programação.

Vamos à trama. A bela Sofia (Helena Fernandes) cresce com o objetivo de tomar tudo da família Almeida Alencar, que expulsou seus pais da fazenda Sonho Dourado. Tem uma filha com Marcelo Almeida Alencar (por que será que os ricos de dramalhões têm sempre sobrenomes compostos?), de quem ganha uma mansão e uma vida luxuosa, mas… mesmo assim não está satisfeita. ?Quero tudo que mereço?, declama para o fiel empregado Malaquias (Toni Tornado), o único que conhece a saga da bonitona.

O amante morre e ela chega para lutar pelo que é seu. Claro que Sofia vai acabar se envolvendo com um Almeida Alencar (provavelmente o filho que matou acidentalmente Marcelo) e a sede de vingança dará lugar ao amor, mas isso será resolvido lá pelos últimos capítulos.

Por mais primária que seja a trama (nada diferente das anteriores Vidas Cruzadas, Louca Paixão e Marcas da Paixão), é louvável o investimento sistemático da Record em teledramaturgia por alguns motivos. O óbvio é a criação de oportunidades de trabalho para atores, roteiristas, técnicos e diretores, excluídos do cast da Globo ou sem chance de começar. Mais importante do que essa causa ?social? é a formação de know how para produzir o gênero mais bem-sucedido e mais exportado da TV brasileira.

A Globo faz tão bem telenovelas porque investe nesse filão há mais de 30 anos. O padrão de exigência do telespectador brasileiro é tão alto porque foi formado pela Globo que se tornou o equivalente a Hollywood na produção de TV.

De vez em quando, as concorrentes se arriscam em fazer novelas, mas por falta de paciência – criar hábito e fidelizar o público prometido aos anunciantes leva algum tempo) -, desistem. Assim fizeram a Bandeirantes (nos anos 80), o SBT e a Manchete (anos 90). A emissora de Silvio Santos tem até uma novela na gaveta, o remake de O Direito de Nascer (que teve duas versões na extinta TV Tupi, em 1965 e 1978), mas prefere exibir Café com Aroma de Mulher. A razão é aritmética. Com o dramalhão mexicano o SBT consegue o segundo lugar no horário: 13 pontos de média no Ibope (Grande São Paulo) contra 39 da Globo (Jornal Nacional) na terça.

Como é fazendo que se aprende, pode-se dizer que um dia a Record vai ter condições de brigar até pelo primeiro lugar. Mesmo porque algumas coisas a emissora já está dominando. A iluminação, o figurino e a maquiagem de Roda da Vida estão menos pesados, tirando a sensação de coisa mexicana. Está certo que tentar formar certos atores – como os modelos Carlos Casagrande e Reinaldo Holzchuh – é uma tarefa um tanto inglória, mas dar chance a talentos pouco valorizados em outras redes – como o de Eliete Cigarini, perfeita como a ricaça infeliz Camila – é um ótimo começo. (A jornalista Leila Reis escreve aos sábados neste espaço. E-mail: leilareis@terra.com.br)

NOVO CRÍTICO

"Crítico de TV terá coluna semanal no Caderno B", copyright Jornal do Brasil, 22/04/01

"O jornalista Eugênio Bucci estréia hoje no JORNAL DO BRASIL, escrevendo críticas de TV neste espaço aos domingos. Nascido em Orlândia, em 1958, Eugênio Bucci formou-se em direito e jornalismo pela Universidade de São Paulo (USP). É secretário editorial da Editora Abril. Foi editor da revista Teoria & debate (Editora Fundação Perseu Abramo) e diretor de redação das revistas Set (Editora Azul), Superinteressante e Quatro rodas (Editora Abril).

Entre 1989 e 1994, integrou a equipe de articulistas do jornal Folha de S. Paulo. De 1994 a 1996, assinou a coluna Sintonia fina, no Caderno 2 de O Estado de S. Paulo, com críticas semanais de TV. Entre setembro de 1996 e agosto de 1998, foi titular da coluna Tempo de TV na revista Veja.

Eugênio Bucci é autor dos livros O peixe morre pela boca – oito artigos sobre cultura e pode (Scritta, 1993), Brasil em tempo de TV (Boitempo, 1996) e Sobre ética e imprensa (Companhia das letras, 2000). Também organizou o livro A TV aos 50 (Fundação Perseu Abramo, 2000). Integrou o Comitê Editorial da revista Imagens (Editora Unicamp). Atualmente pertence ao Conselho Editorial da Editora Fundação Perseu Abramo e ao Conselho Consultivo da Fundação Konrad Adenauer no Brasil.

Além dos livros, Eugênio Bucci tem ensaios publicados em coletâneas, entre elas O cinema dos anos 80 (organizado por Amir Labaki, Brasiliense, 1991), Diário de viagens ao Brasil esquecido (Scritta, 1993), Libertinos e libertários (organizado por Adauto Novaes, Companhia da letras, 1996), O preconceito (publicação da Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, 1997) e Os rumos da crítica (Senac/Itaú cultural, 2000)."

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"Quanto valem os seus olhos?", copyright Jornal do Brasil, 22/04/01

"Andam mercadejando com as suas pupilas, prezado leitor. Andam vendendo os seus dois olhos, suas retinas tão fatigadas. Os comerciantes do olhar traficam sua visão e a entregam a uns tipos estranhos, uma gente que você não conhece e que paga caro para lhe mostrar todo tipo de bugiganga. Tudo isso sem consultar você. Ganham fortunas, milhões, bilhões de reais na feira em que a mercadoria é você ou, mais precisamente, a sua capacidade de enxergar aquilo que lhe põem na frente do nariz. É um negócio gigantesco e é também um negócio da China. Eles vendem os seus globos oculares e ficam ricos – e você não ganha nada.

Não falo aqui dos traficantes de órgãos humanos, por certo, mas falo de algo parecido. Simbolicamente parecido. Falo de uma outra prática bastante rotineira entre nós: a de atrair a atenção do público e depois vendê-la a terceiros, sem prestar contas e nem pagar dividendos ao próprio público. Falo, em poucas palavras, da publicidade nos meios audiovisuais. Ou, para ficarmos num pedaço mais específico dessa história imensa e generalizada, falo da publicidade na TV. Aí, nesse mercado, um bom par de olhos anda valendo um dinheiro respeitável. Não é difícil fazer a conta. Vamos lá.

Tomemos o Jornal Nacional como exemplo. Durante os intervalos comerciais do telejornal-chefe da Rede Globo, 30 segundos saem por R$ 159.520,00. Há quem diga que é pouco, quer dizer, o preço é salgado mas a platéia é monstruosa. O custo da veiculação é alto, mas há milhões de pares de olhos assistindo. Como Jornal Nacional é visto por cerca de 26 milhões de telespectadores em todo o Brasil, pagar R$ 159.520,00 por 30 segundos até que compensa. O ?custo por mil? vale a pena, como se diz em marquetês. Mas vale a pena por quê? Quanto custa, afinal, o aluguel das retinas de cada um desses milhões de telespectadores? Prossigamos com a nossa conta.

Se você dividir os R$ 159.520,00 pelo público de 25.919.461 pessoas – o número preciso vem da pesquisa Ibope-PNT (Painel Nacional de Televisão) de outubro de 2000 -, chegará ao preço do olhar de um único indivíduo durante 30 segundos: cerca de 0,6 centavos. Parece desprezível? Calma. Lembre-se de que estamos falando de apenas 30 segundos. Se a nossa unidade de tempo não for um fragmento tão mínimo, mas uma hora inteira, o preço do aluguel de um par de olhos subirá, pela tabela do Jornal nacional, à casa dos R$ 0,73. Mais uma operação elementar e eis um resultado interessante: R$ 5,90 é o que custa uma jornada de oito horas do seu olhar. Antes que você conclua que o montante é irrisório, eu aviso: o preço do olhar, no Brasil, praticamente empata com o preço da força de trabalho mais básica. Se você dividir um salário mínimo, que é de R$ 180, por 30 dias, chegará a exatos R$ 6. Quase elas por elas.

A diferença é que o trabalho é remunerado. Vergonhosamente, mas é. Quanto ao olhar, que a cada dia é mais valioso, vai de graça. Nossa civilização, que já ultrapassou a era do trabalho escravo, ainda está na era do olhar escravo. Com poucas exceções. Aqui ou ali, ensaiam-se maneiras remunerar os donos dos olhos. Na Internet, por exemplo. Alguns sites promovem vários sorteios por dia como forma de ?pagar? pelas pupilas dos internautas. Assim como já se paga, também, pelo aluguel de ouvidos. Desde o ano passado funciona no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras um orelhão chamado de ?fale fácil?, que ?compra? com impulsos telefônicos a paciência do freguês. O esquema é simplíssimo: para ter direito a uma chamada de 1 minuto e 40 segundos, o usuário se submete a uma mensagem publicitária de 20 segundos. É o escambo auricular.

Na TV comercial, contudo, persiste o olhar escravo. Você tem os olhos vendidos e não leva uma reles comissãozinha. Você pode querer ser simpático e dizer que recebe em troca um entretenimento de altíssimo nível, um jornalismo de integridade inquestionável e uma série de passatempos formadores e divertidos. Eu, de minha parte, prefiro o azedume. Prefiro dizer que estão com esperteza para cima da gente. Sempre ouvimos dizer que a publicidade é um serviço para o público. Eu digo o contrário: o público é que presta um serviço à publicidade quando aceita dedicar seu tempo e sua atenção para decifrar e depois memorizar o que é que ela tem a dizer. O valor que a publicidade agrega a um produto (epa, olha eu aqui falando de novo nesse idioma odioso que é o marquetês), bem, esse valor vem justamente da quantidade de tempo, de atenção e de memória que uma peça publicitária consegue fisgar do consumidor. Se não fosse assim, ninguém pagaria nada pelos olhos do público. É o público quem presta serviço, quem empresta valor a publicidade. Nunca o contrário.

Lembro-me de uma frase de O Amigo Americano, romance policial de Patricia Highsmith: ?Tome cuidado. Os olhos não se compram.? Quem diz isso é o pintor Derwatt, rebatendo o protagonista, Ripley, que quer especular com seus quadros. Pois bem, a frase está errada. Os olhos se compram, sim. O único detalhe é que os verdadeiros donos dos olhos saem da brincadeira sem pagamento.

Pensei sobre isso esta semana, enquanto ouvia notícias de um chamamento inédito feito por um grupo de ONGs: um apagão televisivo, marcado para ontem. Das 20h00 às 20h30, hora do Jornal nacional, todos foram convidados a desligar a TV, num gesto contra a programação-lixo, contra o sensacionalismo, a baixaria. Decidi aderir ao protesto por um motivo particular: quis pôr meu olhar em greve na esperança de que, no futuro, nossos olhos sejam mais respeitados. Sei que protestos assim ainda não são campeões de ?desaudiência? no Brasil, mas essas coisas sempre começam devagar. É bom que comecem. Não somos nós, o público, que estamos a mercê da TV. Ela é que depende de nós. Depende dos nossos olhos. Para vendê-los depois."

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