ARMAZÉM LITERÁRIO
Autores, idéias e tudo o que cabe num livro
RESENHA
Leneide Duarte
Análise de textos de comunicação, de Dominique Maingueneau. Tradução de Cecília P. de Souza e Silva e Décio Rocha, Cortez Editora, 238 páginas
Talvez o discurso da publicidade e da imprensa ainda não tivessem merecido um estudo tão original e erudito quanto o que Dominique Maingueneau faz em seu novo livro lançado no Brasil este ano. Análise de textos de comunicação é composto de 18 capítulos que tratam, sob diferentes aspectos, do discurso publicitário e do jornalístico, partindo de exemplos de textos da imprensa francesa mas que são absolutamente pertinentes, mesmo para um leitor que não está mergulhado no universo da mídia francesa. E para que os leitores brasileiros não percam nenhum tipo de informação e compreendam todas as nuances do conteúdo do livro, os tradutores realizaram um trabalho extraordinário, com notas explicativas e contextualização dos exemplos.
Deve-se enfatizar também que a análise feita por Maingueneau de diferentes textos da mídia não se dá em detrimento do contínuo esforço de formulação teórica que caracteriza suas obras. O professor de lingüística da Universidade Paris XII, que desenvolve um importante trabalho no âmbito da lingüística da enunciação e da análise do discurso, é respeitado pela profundidade e erudição de seus trabalhos, entre os quais se incluem livros importantes, notadamente sobre o discurso religioso, o filosófico e o literário.
Depois de estudar no capítulo 2 as principais leis que regem o discurso, o autor trata no capítulo 3 das diversas competências para produzir e interpretar um enunciado. Este é, sem dúvida. um dos mais interessantes capítulos do livro, que, apesar de marcado pela erudição do autor e da sua competência específica, em momento algum é hermético ou maçante. Para marcar as especificidades entre o discurso oral, o escrito e o impresso, o autor esclarece que são regimes de enunciação distintos, que supõem civilizações muito diferentes.
No capítulo 13, Maingueneau trata do discurso indireto e da forma híbrida, muito comum na imprensa, em que o texto jornalístico conjuga a narrativa do próprio autor do texto com citações entre aspas do entrevistado. Ele trata também da ausência de aspas no discurso direto livre. No capítulo seguinte intitulado "Modalização, autonímica, aspas, itálico", o autor analisa o uso das aspas ? nos textos da imprensa, para marcar a fala ipsis litteris do personagem citado ou simplesmente dialogar com o leitor ressaltando a ambigüidade de uma palavra ? do discurso direto e do discurso indireto. O fato de pôr ou não aspas em uma palavra é uma decisão do jornalista em função do público com o qual ele dialoga. O jornal conhece o perfil de seus leitores e o jornalista sabe como ele vai ser lido. No caso de uso de aspas, o texto de Maingueneau cita exemplos do jornal Le Monde e do jornal Libération. Vale a pena lê-lo:
"Para que as aspas sejam decifradas adequadamente, é necessário uma conivência mínima entre o enunciador e o leitor. Cada interpretação bem-sucedida reforçará esse sentimento de conivência. O enunciador que faz uso das aspas, conscientemente ou não, deve construir para si uma determinada representação dos seus leitores, para antecipar sua capacidade de interpretação: ele colocará aspas onde presume que é isso o que se espera dele (ou então, onde não se espera, para surpreender, para provocar um choque). Por seu lado, o leitor deve construir uma determinada representação do universo ideológico do enunciador para conseguir ter sucesso na interpretação pretendida."
Para explicar melhor o que diz a respeito das aspas em jornais diários, o autor cita um texto do filósofo Louis Althusser em que o uso das aspas tem diferente objetivo.
Quem se interessa pela construção do texto na imprensa e na publicidade, pelo estudo da lingüística e pela comunicação escrita de uma forma mais ampla tirará grande proveito da leitura da nova obra do professor Maingueneau.