Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Derruba mas não deturpa

SELEÇÃO DE FUTEBOL

Raphael Perret Leal (*)

Em 1993 considerava-se a trajetória para a conquista da vaga para a Copa do Mundo dos Estados Unidos muito complicada. O Brasil empatou de cara com o Equador em 0 a 0 e em seguida perdeu seu primeiro jogo em Eliminatórias para a Bolívia, em La Paz. Parreira ficou com a corda no pescoço, mas depois ganhou tudo, menos a partida contra o Uruguai em Montevidéu (1 a 1). A classificação foi considerada suada, comparada às Eliminatórias anteriores, e só veio no último jogo, com os dois gols de Romário no Maracanã.

O que dizer, então, do torneio classificatório para a Copa de 2002, em que o Brasil perdeu três jogos (nenhum para Argentina!), empatou com os medíocres peruanos em São Paulo, despachou a decadente Colômbia nos descontos no mesmo Morumbi e só não perdeu para o Uruguai no Maracanã graças a um pênalti no finalzinho?

A sofrível campanha atual, inédita, tem deixado os torcedores apreensivos, desesperançosos até. E nesse grupo incluem-se os jornalistas, claro, pois também são torcedores. Embora a maioria dos brasileiros esteja pessimista e crente de que não há, de imediato, muitos caminhos para a melhora, todos torcem. Imaginem uma Copa do Mundo sem o Brasil!

A tendência natural é que a revolta e a ira atinjam a todos. Porém, os jornalistas ainda têm suas obrigações profissionais. Futebol é emoção, é paixão etc., mas também são fatos, e fatos não podem ser deturpados, ao contrário do que O Globo fez na edição de quinta-feira, 26 de abril. Sobre a partida Bolívia 3 x 3 Argentina, realizada em La Paz, o jornal carioca publicou:

"Argentina empata com Bolívia e derruba o mito de La Paz

Só mesmo a melhor seleção sul-americana da atualidade para escapar de uma derrota nos 3.600 metros de La Paz. Fôlego no Estádio Hernando Siles Suazo é artigo de luxo mas a Argentina, com sua valentia, conseguiu manter sua invencibilidade de sete meses, ao empatar em 3 a 3 com Bolívia, ontem à tarde. (…) Em oito jogos em La Paz, a Argentina tem cinco derrotas."

Considerando que o resto da notícia fala da importância que os bolivianos deram ao jogo e da descrição dos lances dos gols, faço a pergunta: que "mito" é esse a que se refere o título? Alternativas:

1. Diz a nota que "só mesmo a melhor seleção sul-americana da atualidade" para não perder em La Paz. Então, qualquer time sempre perdeu para a Bolívia lá? O que significou a final da Copa América de 1997, vencida pelo Brasil por 3 a 1 nos 3.600 metros da capital boliviana? Se há mito, ele já foi derrubado, no mínimo, há quatro anos. E pelo Brasil.

2. Diz a nota que a Argentina perdeu cinco dos oito jogos que disputou em La Paz. Então já havia conseguido pelo menos dois empates antes do jogo de quarta-feira. Que "mito" é esse?

É razoável que um torcedor queira demonstrar que a Argentina é capaz de superar obstáculos que a atual seleção brasileira dificilmente conseguiria suplantar. É paixão. Quando jornalistas tentam fazer isso com argumentos ralos, é deturpação.

Entretanto, não foi aí que a emoção atropelou a razão da mídia. No dia 28, o mesmo Globo informou que Edílson (que nem no banco de reservas do Morumbi sentou) e Romário, após o jogo, foram à inauguração de um bar de Vampeta, e se esbaldaram. O Dia exagerou: na capa de sua edição, misturou o fato com o depoimento de Antonio Carlos Magalhães à Comissão de Ética do Senado, no dia anterior, e julgou que os dois episódios causavam vergonha "a nós" ? no jornal aparecia exatamente a primeira pessoa do plural. A tônica dos diários, em resumo, era: enquanto os brasileiros estão atônitos com a má campanha da Seleção, os jogadores vão se divertir.

É recorrente o erro: a intromissão na vida privada. Faltasse o jogador à partida para ir a um bar, a notícia seria válida. Após o cumprimento da obrigação, isto é, jogar, e caso o atleta não se pronuncie sobre futebol, não é mais notícia, e sim invasão. Será que os torcedores todos saíram do Morumbi direto para suas casas chorar na cama? Os bares ficaram vazios?

As intenções da mídia são óbvias:

a) Criar polêmica. Assim, reúnem assunto para uns dois dias. Perguntam a jogadores, técnicos e torcedores o que acharam do comportamento de Edílson, Romário e Vampeta. Fazem barulho.

b) Aumentar a raiva da torcida. Com isso, pode exercer seu poder e influência com mais intensidade.

Assim, como escrevi na edição de 5 de setembro de 2000 deste Observatório [remissão abaixo], quando se tentava derrubar Wanderley Luxemburgo do comando da Seleção com a publicação de seguidas denúncias até então improvadas da ex-secretária dele, a imprensa agora não precisa exagerar, deturpar ou errar se pretende derrubar Emerson Leão ou promover uma reformulação no futebol brasileiro. Basta informar os fatos: a convocação dos jogadores, a escalação do time, os lances dos jogos, os resultados das partidas, as substituições promovidas, as frases ditas, as atitudes tomadas. Pronto. Isso já basta para mostrar ao leitor que a Seleção Brasileira perdeu o rumo.

(*) Jornalista e analista de sistemas

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