ASPAS
SHOW DO MILHÃO
"Cristãos em piquenique", ABC Domingo (RS), 22/4/01
"Não há como saber se há intenções subliminares na cabeça de Sílvio Santos ou se o resultado prático é muito mais explosivo do que o puramente pretendido, oferecendo entretenimento e alcançando índices altos de audiência. Sabe-se contudo que o programa ?Show do Milhão? exibido várias vezes à semana, é um dos itens mais apreciados na programação de teve aberta no Brasil. Milhões e milhões de telespectadores se dispõem nestas oportunidades a acompanhar candidatos que se desdobram para responder questões fáceis e difíceis, idiotas e inteligentes, complexas e simples, enquanto sobem rapidamente numa tabela de ganhos que pode ir de mil reais até um milhão.
Na verdade não há originalidade no programa, que simplesmente repete a fórmula de sucesso começada na Holanda segundo alguns pesquisadores, na Itália segundo outros. O que é diferente no Brasil é o ?show? de ignorância que desfila diante dos olhos dos telespectadores, talvez propositadamente, e esta é a minha dúvida. Quem sabe Sílvio Santos quer demonstrar que a burrice, para usar um termo mais forte, a incultura, é uma característica nacional e não só apenas de certos apresentadores de televisão?
A falta de informação, a falsa cultura e o analfabetismo funcional tornam-se tão claramente expostos que se passa a duvidar de todo o organismo de ensino do país, eis que não escapam nem os candidatos, nem os convidados, no caso universitários que freqüentemente desmoralizam as instituições onde estudam e muitas vezes os formuladores das perguntas.
Há erros de todo tipo, justamente desde questões que não poderiam ser feitas, por estarem mal apresentadas, até respostas múltiplas que deixam em dúvida, passando naturalmente por vergonhas expostas por pessoas humildes e outras não tanto humildes que não conseguem responder questões absolutamente primárias.
Um dia desses, os universitários fracassaram rotundamente, derrubando um candidato ao não saberem o significado da palavra Retroceder.
Não me consta que o ministro da Educação tenha se pronunciado ou tomado alguma providência, mas tamanho retrocesso alcançou há três dias proporções inimagináveis. É que compareceu um médico que se identificou com nome, sobrenome e cidade onde atua, por sinal Curitiba, tida como exemplo de desenvolvimento no Brasil e que, além de médico, apresentou-se como professor universitário. Pois demonstrou tamanha ignorância que se recomenda sua cassação imediata em todas suas funções. Ele, simplesmente, não sabia qual o plural de cristão, hesitou entre cristãs, cristões, cristãos e sei lá mais o que, e querendo brincar com o que é sério não soube o plural de piquenique, piqueniques, claro, alegando para fazer gracinha que ?não fez muitos piqueniques? em sua vida. Pois deveria tê-los feito, talvez com uma gramática, um dicionário, uma folha de papel e uma caneta nas mãos, para repetir mil vezes o singular e o plural do que não sabe e, muito pior, ensina.
Mesmo não sendo professor de Português, que segurança se poderia ter num médico e professor que não sabe sequer a língua com a qual deve comunicar seus conhecimentos? (Walter Galvani é jornalista e escritor)"
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