Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo

QUALIDADE NA TV

ASPAS

ENTREVISTA / REGINA CASÉ

"Regina Casé", copyright Folha de S. Paulo, 29/04/01

"Na última década, Regina Casé, 47, destacou-se mais como apresentadora do que como atriz. Até que o diretor Andrucha Waddington a convidou para ser a protagonista do filme ?Eu, Tu, Eles?. Foi um retorno às origens. Agora, ela volta a atuar na TV -o que não fazia há 15 anos. Estará na próxima novela das sete da Globo. Enquanto isso, se dedica à apresentação do programa sobre árvores que estreou na última terça no Futura.

Depois de 15 anos, você voltará a atuar como atriz de TV. Como foi a decisão?

Havia uma vontade tanto da Globo quanto dos meus amigos e dos fãs em geral, principalmente depois do filme ?Eu, Tu, Eles? e dos prêmios de atriz que recebi em festivais de cinema. Eu não atuava há muitos anos e estava com saudade. Senti uma pressão grande.

Como será a personagem?

É uma nordestina que mora em São Paulo. Não tem profissão, quebra mil galhos, fica viúva e tem um monte de filhos para criar. A Fernandona (Fernanda Montenegro), pessoa que mais me estimulou a voltar, provavelmente será minha inimiga mortal na novela.

Como foi esse incentivo da Fernanda Montenegro para a sua volta?

Ela me ligou logo depois de ter visto ?Eu, Tu, Eles?, dizendo: ?Você é atriz, tem que voltar a atuar, pelo menos um pouquinho?. Aí, o Sílvio de Abreu me mandou um fax profético, porque era igualzinho à crítica que sairia meses depois em ?The New York Times?. Ele dizia: ?Acabei de ver o filme e você é igual à Anna Magnani [1908-1973], no início do cinema neo-realista italiano. Eu quero ver você fazendo rir mas também fazendo chorar. Vou escrever um papel, você topa??. Eu não gosto muito de fazer novela, mas eu tinha uma experiência muito boa com ?Cambalacho? (1986), minha última novela, que o Sílvio escreveu e Jorge Fernando dirigiu. É a mesma dupla de ?As Filhas da Mãe?.

Existe chance de ?Muvuca? voltar?

Repetir o mesmo programa eu não tenho vontade. Já entrevistei anônimos durante 10 anos. O que eu tinha vontade era de contracenar, fazer ficção com anônimos. Pode estar encaixado tanto num especial quanto numa série.

Quando a Globo anunciou que o ?Muvuca? sairia do ar se falou apenas em suspensão. O que houve depois?

E estava suspenso. Nesse ínterim, o Sílvio [de Abreu] me chamou para fazer a novela e a gente discutiu muito isso. Eu não conseguiria fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Quando acabasse a novela, eu voltaria. Que eu vou voltar a fazer um programa não tenha dúvida. Que programa vai ser a gente vai resolver.

Na época, você deu uma declaração polêmica de que o ibope de ?Muvuca? não ia bem por causa dos paulistas, já que o peso da audiência é maior em São Paulo. Você ainda pensa o mesmo?

Foram acomodações, coisas que foram acontecendo na TV, não tem nada a ver comigo ou com o ?Muvuca?.

Que tipo de acomodações fizeram com que o programa fosse extinto?

Ia entrar o horário eleitoral e, depois, todos os programas do segundo horário foram extintos, como o ?Você Decide?. Mas isso é uma coisa da Globo.

Como você recebeu a notícia do fim do programa?

Conversamos muito. Eles até tinham a maior dúvida, queriam que o programa voltasse em seguida. Não foi de repente. Foi uma decisão em conjunto.

Você tem saudades do ?Muvuca??

É como se eu fosse passar seis meses em Nova York. Daqui a pouco eu volto para fazer programas regularmente.

Com anônimos?

É difícil que eu não trabalhe com anônimos ou com alguma coisa relativa ao Brasil. Não acho que vá ser o ?Programa Legal?, nem o ?Muvuca?. Vai ser um programa que todos esses quiseram ser, pensando o que há de mais legal, de mais novo para se fazer.

Como surgiu o programa ?Um Pé de Quê??, que você está apresentando no canal Futura?

Sempre gostei de árvore mas não entendia muito. Durante os 10 anos em que fiz o ?Brasil Legal?, viajava quase sempre com a minha filha. A gente ficava quase um terço do dia no carro -o que enchia o saco. Aí eu perguntava para ela: ?Quantas mangueiras, quantos coqueiros há no caminho??. Mas meu repertório era pequeno. E ela começava a perguntar: ?E essa qual é? E aquela??. Comecei a consultar em casa, fui estudando e gostando.

O programa vai viajar pelo país?

Além do Rio, São Paulo e Parati, vamos a Juazeiro e Salvador. Mais para frente, nossa idéia é fazer uma série com árvores amazônicas. Mas é um programa que, se eu não avisasse que era sobre árvore, você poderia pensar que é sobre culinária e cultura africana no Brasil (quando falamos sobre o dendê), sobre música e Dorival Caymmi (no caso dos coqueiros) ou sobre literatura e Guimarães Rosa (sobre os buritis)."

MENTIRAS

"O sabonete da Regina Borges", copyright no. (www.no.com.br), 26/04/01

"É a síndrome do Arruda, o José Roberto. Não dá para acreditar em mais nenhum depoimento na televisão. Você acredita que eu acredito que a Nicete Bruno e o Paulo Goulart compraram um casa pelo Consórcio Fácil Sopave e, de lambuja, ainda ganharam dois carros? Mentira, claro. Mas a propaganda aparece o tempo todo na Record. Os atores dão depoimentos não como se fossem personagens, mas citam-se pelos nomes reais e fingem acreditar que eu e você vamos acreditar também naquele lero-lero. Como disse o Tutty, só o assassino do grãfino de Búzios e a funcionária que violentou o painel estão falando a verdade. O crime não compensa, mas pelo menos tem sido bem sincero. Ainda não sei os nomes que o Fernandinho Beira-Mar sussurrou para o Secretário de Segurança Josias Quintal, mas já los creio. Já o anão de jardim que diz ter abandonado dona Leonor em busca de novos horizontes com o Renault, faça-me o favor! É mais provável encontrar alguém que tenha visto um enterro de anão do que acreditar na história deste trêfego que anda pela televisão em busca de sensações inéditas.

O João Kleber jura pela saúde dos filhos que a pegadinha é de verdade? Mentira. A Giselle Bündchen evidentemente também não usa quaisquer daquelas roupas da C&A que ela está anunciando como o suprasumo da moda básica. Vive em outro mundo fashion, é natural que Giselle não use – mas por que, com tanta ênfase, ela vem batê patu, patu batê patua patota que usa? A propaganda testemunhal é um filé. É mais fácil alguém acreditar nas maravilhas de um produto quando uma personalidade se dispõe a testemunhar sobre ele. Mas, misturada aos intervalos de senadores que são pegos na mentira, essa forma de publicidade está provocando mal estar no salão. O Lima Duarte anda com uma dentadura tão novinha em folha que não seria reconhecido nem pelo Zeca Diabo, mas dá para perceber que é ele mesmo se esforçando para convencer os distintos otários aqui do outro lado que aquele Fiat popular é dez. Não são mentiras sinceras, como as que seduziam o poeta – estas não interessam a ninguém. Nelson Rubens, do TV Fama, diz que aumenta mas não inventa, e na terça-feira colocava Vera Fischer dançando numa boate gay no Rio, o que tinha sido verdade, mas aí Nelson salpicava a nuca de Vera com perfume Donna Karan e adornava-lhe o corpo com vestido Versacce, o que era, e só quem sabe das coisas pegava, pura invenção. Se a publicidade mente, se o jornalismo mente, se a Miss Brasil mente ao ser reconstruída de plástico – que país é esse?

A televisão brasileira às vezes parece o F for Fake, do Orson Welles, um filme de linguagem documental com basicamente duas reportagens, uma sobre o falsificador Emir Leroy e outra sobre uma modelo que seduziu Picasso e cobrou-lhe o sexo ardente com quadros pós-cubistas – mas, sem querer estragar o prazer de quem ainda não viu o filme, e mesmo de quem viu e não entendeu, só a primeira reportagem é verdadeira. O mais trash, principalmente pela dublagem, ao estilo Sucker and Fucker, de todos os testemunhais no ar é o do método de ginástica Tae-Bo, que passa até em horário nobre do CNT. Pessoas horríveis dizem como ficaram daquele jeito tenebroso, como queimaram tantas gorduras e recuperaram a auto-estima pavorante. É assustador porque, além dos depoimentos serem bem artificiais, ninguém gostaria de ficar assim nunca, muito menos depois de meses praticando uma ginástica ridícula. São mulheres americanas, o cúmulo da sem-gracice querendo vender aquele padrão estético para as popozudas brasileiras. Alguém topa? Os publicitários, no entanto, acham que enquadrar o personagem como no jornalismo e abrir o verbo confessional imprime veracidade a tudo. É preciso mais, senhores, é preciso fazer nexo.

Maitê Proença também fatura a onda. Alardeia nas manhã da CNT que ficou linda daquele jeito com a eletro-estimulação do Facial Toner, mas qualquer um percebe que ela não sucumbiria a um detector de mentiras comprado no canal Shoptime. Esses depoimentos são uma tradição na publicidade. Não é de hoje: 80% de confusão na cabeça do espectador que recebe os bordões e 20% de comissão na mão do artista que se declara. Pelé creditava seus gols, no campo e na cama, ao Vitasay. O povo encarava tudo como uma síndrome de Tim Maia: os artistas não fumavam, não bebiam, nem cheiravam – mentiam só um pouquinho na hora de fazer propaganda. Coisa de artista. Agora, no entanto, com a mentira saindo por tudo que é ladrão, chegou a hora de exigir que todos imitem a fraudadora do painel e deponham com sinceridade. Por que os atores de televisão podem mentir na publicidade? Por que o falso depoimento é um privilégio de classe? Eu não acredito que a Maitê acredita que eu acredito na força embelezadora da eletro-estimulação – mas tem gente que acredita. E gasta os tubos, e fica infeliz, e passa a acreditar que o que embeleza é a eletro-mentira. Espremido entre as falsas-maravilhas das facas Gino no Shoptime e as lágrimas de crocodilo do Arruda na TV Senado, o país precisa urgente de um banho de Verdade, o sabonete da Regina Borges e da Heloísa Helena. Eu recomendo."

CRÍTICA / SOCIEDADE ANÔNIMA

"O famoso de ‘Sociedade Anônima’", copyright Jornal da Tarde, 26/04/01

"Aos poucos, Cazé Peçanha está se distanciando daquela numerosa parcela de simples mortais que formam a matéria-prima de seu programa, o Sociedade Anônima. Não que as mazelas e as pequenas conquistas do cidadão comum tenham deixado de despertar o interesse do apresentador de 33 anos. É que, em apenas um mês no ar na tela da Globo, Cazé começou a rumar à condição de celebridade nacional, status até então impensável na época em que sacudia o corpo esguio para as câmeras da MTV.

De motoristas de táxi a garçons, de cobradores a estagiários, todos parecem fazer questão de se aproximar de Cazé cada vez que ele põe os pés para fora dos estúdios da Globo. Mas não se trata daquele tipo de abordagem encabulada, reservada a outros tipos de ídolo. As pessoas se aproximam de Cazé como se ele fosse aquele velho conhecido que apareceu por acaso no vídeo. A verdade é que, dentro e fora da televisão, Cazé faz a festa dos anônimos.

O Sociedade Anônima, exibido aos domingos após o Sai de Baixo, num horário em que grande parte dos telespectadores já disse boa-noite ao controle remoto, tem sofrido alguns reveses no Ibope. O segundo programa atingiu a marca já respeitável de 16 pontos. Na semana passada, derrapou nos 10, perdendo feio para o Topa Tudo por Dinheiro, de Silvio Santos, que cravou 25 pontos.

No dia seguinte, algumas colunas de televisão já previam um futuro sombrio para os anônimos de Cazé. Uma revista semanal chegou a publicar que, alarmada com os baixos índices do programa de Cazé, a Rede Globo estaria pensando em dar largada imediatamente à produção de No Limite 3. ?Estou em contato direto com a diretoria da Globo e posso afirmar que a emissora está muito feliz com o Sociedade Anônima?, diz o apresentador. ?Por enquanto, eles estão andando ao meu lado.?

Ex-professor de inglês, poeta, redator de publicidade e camelô, Cazé Peçanha chegou à Globo depois de ter se tornado o mais popular dos VJs da MTV na era pré-Marcos Mion, onde comandava os programas Teleguiado e Na Chapa. Entre os nomes estelares que a Globo arrancou das outras emissoras, caso de Serginho Groisman, Ana Maria Braga e Luciano Huck, Cazé foi o que levou mais tempo hibernando: 16 meses. Neste período, ele e sua equipe, hoje composta de 25 pessoas, criaram uma série de pilotos, em que o objetivo sempre foi o de valorizar os ilustres desconhecidos.

No início da semana, o apresentador conversou com o JT em um bar a algumas quadras da produtora em que seu programa é criado, no bairro do Bexiga. O burburinho que sua presença causou na região comprova que Cazé pode sentir um prazer imenso ao focalizar os anônimos. Mas tem de se conformar com a idéia de que, definitivamente, já não é mais um deles.

Jornal da Tarde: O ‘Sociedade Anônima’ muda um pouco a cada domingo. O programa nunca terá uma fórmula fixa?

Cazé Peçanha: O projeto original aprovado pela Globo prevê que o programa terá 16 quadros. Até agora, somente alguns foram levados ao ar. A idéia é não ter um formato fixo. Apenas os quadros com os calouros serão constantes, mas vamos mudar o recheio a cada semana. Nós ainda temos muitas cartas na manga. Domingo que vem, por exemplo, dentro do quadro Profissões Diferentes, nós vamos mostrar um maquiador de cavalos.

Você não acha que o seu programa é exibido em um horário muito ingrato para a maior parte das pessoas?

Concordo que grande parte do público que eu poderia atingir já está dormindo quando o programa começa. Acho que o horário ideal para o Sociedade Anônima não é esse, mas ainda não sei qual é. Garanto que vamos achar este horário.

Por outro lado, um programa apresentado à meia-noite permite algumas ousadias. É como se estivéssemos ganhando um tempo para adquirir musculatura, compreende? Para mim, ainda é vantajoso permanecer neste horário, é um tempo em que estou me adaptando à emissora.

Como você encara a queda no Ibope que seu programa apresentou nas últimas duas semanas?

A derrota no Ibope é uma questão interessante. Não sei detalhes sobre as implicações comerciais deste assunto. O que eu sei é que existe uma grande distorção quando a imprensa fala só dos números e não se preocupa em discutir o conteúdo. Perder do Topa Tudo Por Dinheiro não quer dizer que meu programa não seja bom. Enquanto muitos programas ficam mostrando peito e bunda, eu mostro brasileiros fazendo coisas interessantes para a sociedade.

Claro que eu gostaria de ser o primeiro no Ibope, mas não a qualquer preço.

No caso do Topa Tudo, eu não estou competindo com um outro programa, estou competindo com 30 anos de televisão, estou competindo com a maior grife da televisão brasileira, que é o Silvio Santos. E eu estou há apenas um mês no ar.

A Rede Globo concorda com este ponto de vista?

O retorno que eu tenho da emissora é o seguinte: o programa é bom, gostamos dele e queremos que continue assim. A emissora tem um carinho especial pelo Sociedade Anônima, que é o primeiro programa da casa que finalmente conseguiu fazer a convergência de mídias. A interatividade do programa é muito grande, temos o primeiro auditório virtual do mundo. O retorno é bom e eles estão apostando.

Existe algum projeto em curso para aquecer os índices do Ibope?

Se você quer saber se temos alguma estratégia para derrubar o Silvio Santos, digo que não. Vamos continuar a valorizar o anônimo. Acho que é possível informar de uma maneira lúdica, criativa, sem apelações.

E sobre as notícias de que a emissora pretende criar a toque de caixa uma nova versão de ‘No Limite’ para entrar logo após o ‘Sai de Baixo’?

O No Limite 3 vai existir de qualquer maneira. Não vejo problema algum se, eventualmente, o Sociedade Anônima vier a ocupar um outro horário. Isso não me preocupa.

O que mudou da época em que o Cazé era VJ da MTV e agora na Globo?

A cobrança agora aumentou. Na MTV eu dava dois pontos no Ibope e ninguém me perguntava como era perder para as outras emissoras. O trabalho agora é muito maior. Lá eu criava praticamente sozinho, agora eu respondo por uma equipe de 25 pessoas.

Os famosos jamais terão espaço em seu programa?

Não. Nós estamos mais interessados na identidade e na riqueza dos anônimos.

O anônimo é mais autêntico, não tem comprometimento com imagem e marketing.

A figura do anônimo provoca uma identificação com o público. E há milhares de pessoas desconhecidas fazendo um trabalho que precisa ser revelado.

Você sempre foi avesso à badalação que normalmente acompanha a fama. Vai ser possível continuar adotando este comportamento agora que você faz parte da maior emissora do País?

Eu apareço na mídia só para falar da minha profissão. Preservo minha vida privada, minha mulher e meus três filhos. Não vou abrir minha casa para que uma revista a fotografe, não gosto do culto à celebridade.

Embora você tenha uma postura muito expansiva no ar, você se apresenta sempre de ternos bem-cortados e ainda comanda um programa que utiliza recursos da Internet. Não tem medo de ser rotulado de um apresentador cult?

Tenho uma grande preocupação com a linguagem, quero ser acessível, quero que as pessoas vejam meu programa e entendam meu recado. Não comando uma atração elitista e não quero que as pessoas se afastem do Sociedade Anônima porque elas não entendem. Podem se afastar por outros motivos, não por este."

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