Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Trechos selecionados e notas de I.L., autora de Insultos Impressos

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ESPECIAL 3+5

OBSERVADORES DE CARTEIRINHA
Isabel Lustosa

Trechos selecionados e notas de I.L., autora de Insultos Impressos, Companhia das Letras, 2000.

(…) cabia ao jornalista o importante papel de suprir as deficiências que a carência de livros e de informações especializadas acarretava. Quase todo jornal começava com uma carta de intenções. Os redatores estavam conscientes da importância de seu papel naquele momento. Um dos três primeiros jornais que se publicarem no Brasil, em 1821, o Bem da Ordem, inicia suas atividades com esta advertência:

Os leitores menos instruídos e os que não têm meio de o serem de outro modo, suposta a falta dos livros e a penúria de estabelecimentos tipográficos, aqui acharão todas as idéias que lhes são indispensáveis para desempenhar com utilidade da Nação os deveres de Representantes ou Empregados; e todos os homens de bem, todos os literatos que melhor conhecem a necessidade destas instruções são convidados a concorrer para esta importante obra com o preciso cabedal das suas luzes.

No ano seguinte, o jornal publicado por José Joaquim da Rocha, ativíssimo personagem do Fico e membro do grupo andradista, também define como seu objetivo a missão de educar as pessoas, preparando-as para o processo constitucional e procurando igualmente suprir-lhes as deficiências culturais e educacionais. O Constitucional ressalta a necessidade de que o debate sobre temas políticos se torne corriqueiro e ocupe um espaço significativo na vida dos brasileiros:

Uma tão oportuna conjuntura de falar sobre um objeto que deve tornar-se conversação familiar dos habitantes do Brasil, também excitou a curiosidade do redator para se ocupar dele; na idéia que poderá servir de alguma utilidade e proveito às pessoas que, pela penúria de livros que tratem alguma parte destas matérias em linguagem nacional, as não podem encontrar facilmente. Os doutos ou literatos não carecem das minhas instruções. Não é para eles que escrevo, nem tampouco para aprovar ou contradizer as suas opiniões; estabeleço a minha, dou as razões em que me fundo, e deixo a cada um a liberdade de seguir ou rejeitar o que lhe parecer digno disto (Constitucional, 1822, n? 3)

Uma advertência fazia, no entanto, o redator do Bem da Ordem, no mesmo espaço onde declarava os seus propósitos: não incluiria em seu jornal matéria estranha àqueles mesmos propósitos. Ou seja, não admitiria injúrias ou ataques pessoais.

Neste periódico não se admitirá discussão ou trabalho literário que não se encaminhe a este objeto em particular ou ainda ao da pública instrução em geral. Se alguma idéia, que nele se transmitiu, ou seja do Redator ou de algum correspondente seu, se apartar da dos demais Literatos, no mesmo periódico se transcreverão as observações que estes queiram fazer, contanto que sejam ditadas por um espírito de imparcialidade e só dirigidos ao Bem da Ordem, concebidas nos termos da mais polida urbanidade.

Entre as melhores intenções, declaradas logo no primeiro número, estava a promessa de que não seriam acolhidos nas folhas os chamados libelos difamatórios. Apesar das boas intenções dos redatores, no entanto, em virtude da diversidade das idéias e dos interesses em disputa, aos poucos emergiam as diferenças de opinião. O clima tenso e apaixonado que caracterizava a vida política se transferia rapidamente para os textos. Ao mesmo tempo, o direito ao anonimato, que será uma das características da radical liberdade de imprensa do tempo, funcionará como um estimulante para a maior ousadia dos redatores. Sob pseudônimo, D. Pedro escreveria os agressivos artigos que publicou contra Soares Lisboa e Luís Augusto May, no Espelho. Seria também sob pseudônimo que os Andrada atacariam o imperador no Tamoyo.

Era esse o clima do final do período estudado aqui. Nem por isso a influência da imprensa seria menor. Ao contrário. Descrevendo a imprensa que sucederia a reabertura dos trabalhos legislativos em 1826, John Armitage diz que muitos dos periódicos daquele período eram exagerados no estilo e mesmo faltos de sentido. Mas reconhece que sua influência era prodigiosa e que:

Se na Europa, onde há tantos e tão variados meios de se adquirir instrução, a ascendência da imprensa periódica é em toda a parte sentida e reconhecida, com maior razão sua influência no Brasil é mais preponderante, visto que nele os periódicos são os únicos veículos de instrução que existem (p.235 ? Armitage, João. História do Brasil, 3? edição, Rio de Janeiro, Zelio Valverde, 1943.

O Tamoyo

O que é opinião pública? Respondo: qualquer calúnia, asneira, ou inépcia má que sai à luz em letra de forma, contanto que apareça à face do mundo em certos periódicos, por certos indivíduos de certa súcia. Assim para ter esta opinião pública basta beijar certos traseiros altanados e saber gastar alguns cobrinhos para imprimir os desaforos e frioleiras, que te vieram à cabaça, contanto que digas mal de muita gente boa, por exemplo dos Andradas, e que fales muito em despotismo, liberdade, soberania do povo, direitos do homem, veto absoluto, duas câmaras, etc. [O Tamoyo, 4/10/1823. Hoje sabe-se ter pertencido o jornal à família de José Bonifácio de Andrada e Silva, mas à época ainda havia fortes dúvidas quanto a esse vínculo de propriedade. Insultos Impressos, pág. 430/431]

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