Saturday, 28 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1307

A saúde do espírito

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ARMAZÉM LITERÁRIO

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LITERATURA & TECNOLOGIA
A saúde do espírito

Literatura e comunicação na era da eletrônica, de Fábio Lucas. Cortez Editora, São Paulo, 2001. Telefone (11) 3864-0111, e-mail: <cortez@cortezeditora.com.br>. Preço: R$ 9,00.

Fábio Lucas Gomes, 69 anos, é presidente da União Brasileira de Escritores e autor de 35 livros dedicados à crítica literária, economia, ciências sociais e ficção. Em seu mais recente trabalho ? Literatura e comunicação na era da eletrônica ?, analisa o impacto da velocidade e da instantaneidade promovidas pelas tecnologias digitais de informação vis-à-vis o artesanato e a reflexão necessários à criação literária. No livro, Lucas mostra que esse paradoxo desdobra-se, no mundo real, numa relação íntima entre Comunicação e Literatura ? que, segundo ele, "interagem, assim como, no passado, a literatura conviveu com a imprensa, o telégrafo, o rádio e o cinema, influenciando-se reciprocamente". Sua obra critica o domínio da mídia como um novo aspecto do imperialismo e sugere novas formas e gêneros a partir dos meios eletrônicos.

Nesta entrevista a Luiz Egypto, do Observatório da Imprensa, Fábio Lucas fala sobre alguns dos conceitos que desenvolve em seu novo livro. Na seqüência, clique em Próximo Texto para conhecer o texto de apresentação de Literatura e comunicação na era da eletrônica.

A inserção das tecnologias da informação na vida social criou o paradigma da exclusão digital. A comunicação pela via eletrônica chegou para unir ao para distanciar as pessoas?

Fábio Lucas ? É preciso insistir em que a tecnologia da informação é um instrumento, não uma finalidade. Sendo meio, a sua eficácia dependerá dos fins definidos pelo usuário. Se for utilizada tão-somente para a obtenção de lucro, não terá condição de aproximar as pessoas.

Os conceitos de espaço e de tempo foram subvertidos nessa era de utilização maciça da plataforma multimídia da internet. O artesanato e reflexão necessárias à criação literária estarão comprometidos?

F. L. ? A utilização da internet universaliza o princípio da instantaneidade da comunicação. A informática gerou uma linguagem nova, que tende a ser chamada de intertexto. Este pode ser exploratório e abrir salões inéditos no grande castelo do conhecimento. E pode também ser construtor ? na medida em que o operante, sendo leitor e autor ao mesmo tempo, monta, por assim dizer, uma narrativa visual. Mas o ato de refletir ou o de criar são, por natureza, incompatíveis com a velocidade. Pedem pausas que escapam da instantaneidade.

Os conteúdos distribuídos voraz e velozmente pelos novos meios podem significar que a espetacularização tomou lugar da politização?

F. L. ? A tendência dos veículos de massa consiste em transformar os eventos do cotidiano em episódios de um espetáculo sem fim. O caso da violação do painel eletrônico de votações do Senado, por exemplo, tornou um fato menor da vida política em atração principal para o público brasileiro. Enquanto isso, a reforma política encontra-se hibernada e o problema da integração ou não do Brasil na Alca não merece os refletores da mídia. Por quê? Simplesmente porque a mídia, alinhada com os seus clientes, está programada para a despolitização da sociedade.

A mídia tem o dom de transformar um artista menor ou uma manifestação artística obscura em lucrativo fenômeno de massas. Esta é uma regra inexorável?

F. L. ? Os valores predominantes na mídia são os de mercado. Este é o principal problema da cultura de massa. Assim, torna-se difícil que o princípio da qualidade se sobreponha ao da quantidade. Isso não quer dizer que eventualmente qualidade e quantidade não coincidam. Mas é raro, no sistema capitalista.

As tecnologias digitais permitem o acesso a um mundo até então inimaginável de dados e informações. Isso é bom para a geração do conhecimento?

F. L. ? A sede do conhecimento está na tradição da cultura ocidental. O mito de Prometeu consagra a destinação do homem para o saber. A tecnologia digital permite novos acessos do operador às fontes da sabedoria. Tudo vai depender da intenção do usuário.

Seu livro aborda uma certa "estética da ilusão". Qual o peso dela no desempenho da mídia como legitimadora e reprodutora da economia de mercado?

F. L. ? O principal problema consiste no deslocamento do foco, que abandona o sujeito e se concentra no objeto. Cria-se o princípio da estetização da vida, da ideologia do êxito em si, desprovido de motivação filosófica, política ou artística. Dá-se, portanto, na "estética da ilusão", o embelezamento da desigualdade e da dependência. Portanto, da injustiça.

Qual o espaço da crítica literária na imprensa brasileira?

F. L. ? Os cadernos culturais se tornaram ancilares da indústria do espétaculo. Preferem veicular o press release, barato, pré-moldado e comercializador da obra, a estabelecer um autêntico reduto da crítica. O espaço da crítica na imprensa brasileira tornou-se nulo. Toda vez que, por economia, elimina-se da mídia uma coluna de crítica literária, está-se fazendo para a saúde do espírito o mesmo que fechar postos de atendimento médico, para a saúde pública.

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