TIMOTHY McVEIGH
O adiamento da morte anunciada
Arnaldo Dines, de Nova York
Mais do que um mero empecilho judicial na imposição da pena de morte a um terrorista confesso, o adiamento da execução de Timothy J. McVeigh funcionou também como um jato de água fria na fogueira jornalística criada pela imprensa americana para cobrir um evento que, pela sua natureza trágica, deveria ser reportado com discrição e sobriedade. Em vez disso, o circo montado pela mídia em Terre Haute e Oklahoma City (locais da execução e da explosão, respectivamente), se preparava para encenar em 16 de maio uma celebração da vingança coletiva em picadeiro nacional, em detrimento do debate em torno da funcionalidade e moralidade da morte como arma punitiva do Estado.
O fato é que apesar do aspecto punitivo pela morte de 168 pessoas na explosão de um prédio do governo americano na cidade de Oklahoma, em 1995, a execução de McVeigh corria o risco de ter o efeito oposto, tornando-se, ao contrário, no complemento perfeito aos seus ideais terroristas. A recusa inicial do próprio McVeigh em estender o processo de apelos legais contra a execução por uma série de injeções letais, era uma clara demonstração de sua predisposição à autopromoção. Era a sua corrida olímpica para a conquista do título de mártir supremo dos movimentos paramilitares, racistas e anti-governamentais nos Estados Unidos.
Se este status for eventualmente alcançado, o terá sido em grande parte com a cumplicidade involuntária da imprensa americana na sensacionalização do evento. Um exemplo ilustrador da questão é que enquanto mais de 1.600 jornalistas haviam requisitado credenciais para cobrir a execução na penitenciária federal em Terre Haute, no estado de Indiana, nenhum órgão da imprensa se deu ao trabalho de dispensar muita atenção ao destino ou à ideologia de Terry L. Nichols, o parceiro de McVeigh na construção da bomba, e que hoje cumpre uma pena de prisão e esquecimento perpétuo em penitenciária federal em Oklahoma. A popularidade de Nichols na mídia ainda tem uma chance de aumentar, em função de um possível julgamento adicional ? desta vez em tribunal estadual ? com possibilidade de condenação à pena de morte.
Circuito fechado
A realidade é que, em termos de terrorismo, nada como uma morte gloriosa e devidamente reportada pela imprensa para fazer de um fanático qualquer um líder revolucionário. O exemplo supremo dessa filosofia é o suicídio incendiário de David Koresh e seus seguidores, membros do chamado Branch Davidian, após um longo e infrutífero sítio pelo FBI, em Waco, no Texas. Foi justamente este trágico evento, em 28 de fevereiro de 1993, transmitido ao vivo pelas redes de televisão, a principal motivação de Timothy McVeigh no seu ódio ao governo americano.
Na mesma linha estão os terroristas suicidas árabes, que em função de uma vida miserável sequer pestanejam em se deixarem detonar com quilos de explosivos junto às suas próprias vítimas, sob a única certeza da conquista do paraíso no além celeste. Mas esse tipo de terrorismo, banalizado pela monotonia da repetição, vem sofrendo queda de audiência nos noticiários de televisão e perdendo espaço nos jornais e revistas.
De outra parte, nada pior para a popularidade de um terrorista que apodrecer atrás das grades. Além de Terry Nichols, um outro sofredor estigmatizado é Theodore Kaczynski. Conhecido como Unabomber, Kaczynski foi condenado em 1998 à prisão perpétua após admitir culpa pelo envio, entre 1978 e 1995, de 16 pacotes e cartas-bombas pelo correio, resultando na morte de 3 pessoas, além de ferimentos graves em várias outras. Embora tenha protagonizado o fato inédito de ter seu "Manifesto" (um documento contendo suas idéias revolucionárias) publicado em alguns dos maiores jornais americanos, Kaczynski hoje está totalmente negligenciado pela imprensa, esquecido no isolamento de uma prisão de segurança máxima no estado do Colorado.
Recentemente, quem levantou a questão da martirização de terroristas condenados à morte foi John Ashcroft, chefe do Departamento de Justiça (equivalente no Brasil ao cargo de ministro), em apelo feito aos meios de comunicação para que evitem transformarem-se em instrumentos da disseminação do fanatismo ideológico. Mas se por um lado Ashcroft havia limitado o acesso da imprensa à Timothy McVeigh antes da execução, havia também concedido aos familiares das vítimas o direito de assistir ao vivo aos procedimentos da sentença, através de um sistema de circuito fechado de TV. E foi nesta brecha de ética falida ? sinônimo de vingança ?que se baseou a imprensa americana para tentar vestir a cobertura do evento com uma falsa aura de respeitabilidade aos sentimentos dos que perderam parentes e amigos na explosão.
Medidas de segurança
Como a execução estava marcada para as 8 horas (na costa Leste) de um dia útil (quarta, 16 de maio), as grandes redes de televisão haviam sido premiadas com a conveniência de poder encaixar o evento dentro de um horário já reservado a programas produzidos por seus departamentos jornalísticos ? Good Morning America na ABC, Today na NBC e Early Show na CBS. A CBS, assim como CNN e Fox, planejavam sua cobertura a partir do posicionamento dos âncoras de seus programas matinais no local da execução, com a participação acessória de correspondentes especiais junto às famílias das vítimas, em Oklahoma.
No local da execução, apenas dois lugares estavam reservados para repórteres das redes de televisão (obviamente sem câmeras) do total de 10 jornalistas autorizados a testemunhar a morte de McVeigh. Como conseqüência, a maior parte da cobertura televisiva das redes nacionais estava sumariamente condenada a uma espécie de exílio jornalístico ? com a geração de meros comentários de dentro dos muros da penitenciária, mas de fora do prédio da execução.
Os planos da NBC e ABC, por outro lado, posicionavam seus âncoras em Oklahoma City para enfatizar as reações dos parentes das vítimas. Mas enquanto a NBC justificava sua cobertura em função da maior relevância jornalística do local da explosão sobre o da execução, a ABC abdicou de qualquer pretensão jornalística e partiu abertamente para a sentimentalização, sob o pretexto de uma cobertura baseada no drama dos reais heróis da tragédia, e não no vilão. Esta filosofia em especial estava sendo criticada nos meios de comunicação, sob a alegação de que a ABC deveria estar mais preocupada em reportar os fatos e não em enviar uma mensagem.
O problema é que indiferente ao formato da cobertura, o resultado maior do frenesi jornalístico seria justamente o envio de uma clara e simples mensagem: a celebração da morte de McVeigh como fator catalisador da criação de um novo feriado no calendário terrorista mundial. Tanto assim que o governo americano já havia preparado medidas extraordinárias de segurança para a proteção de todos os prédios federais no dia 16 de maio, um procedimento que infelizmente tenderá a se repetir anualmente ? seja em 11 de junho, a nova data prevista para a execução de McVeigh, ou em qualquer outra em que seja inevitável a sua morte.
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