VIOLA??O NO SENADO
Hugo R. C. Souza (*)
A TV Senado é perspicaz como ninguém. Durante o discurso de Pedro Simon, escalado para fechar com chave de ouro o simulacro de acareação, a câmera oficial flagrou num ângulo indiscreto a imagem-síntese de uma relação sacramentada: ao fundo, entre os braços esvoaçantes e as rugas de indignação do senador, uma jovem repórter olha atentamente no fundo de seus próprios olhos; de frente para um pequeno espelho, retoca a maquiagem, e só então volta sua atenção para o laptop e a ética alardeada.
O cristianismo foi o precursor da estetização ética quando arianizou a figura de Cristo para dar credibilidade ao homem que afirmou ser preciso amar ao próximo como a si mesmo. A estética fez do consumo a bomba que implodiu o socialismo real. O procurador Luiz Francisco não é estético, portanto não é ético ? ao contrário, subverte a "ética profissional".
A ética não é produtiva se não estiver apresentável. Nela não há sentido se não render dividendos imagéticos e, portanto, políticos. Mas no Conselho de Ética é preciso estetizá- la, acima de tudo, para relegar ao esquecimento seu traço constrangedor. Precisa de muito pó-de-arroz para esconder suas feições grotescas, e sublinhar com luz, câmera e ação uma falsa identidade libertadora.
Impurezas sob o pó, as caras não brilham ante os flashes, as faces não se revelam ao acender dos refletores. O senador Ramez Tebet pede a proteção de Deus para o início dos trabalhos, mas todos deveriam pedir o Seu perdão por estarem ali como arautos da atitude moral, quando, salvo relativas exceções, não passam de meras extensões corporativas dos acusados, mas prontos para abrir seus estojos de maquiagem de acordo com as necessidades do espetáculo. São patrimonialistas porque submetem seu voto às idas e vindas de sua própria ética estetizada.
Igualam-se todos, ou quase todos, ao tentarem enfatizar diferenças marcantes que não existem.
A imprensa, ao tempo que cumpre o papel que lhe é inescapável se quiser sobreviver, contribui também para estabelecer esta fictícia dissensão entre os extravagantes e os contidos. Sobra indignação editorial, urge uma crítica estrutural. É ilustradora a perspectiva de que o senador Arruda, não fosse ele o encarregado de encomendar a lista secreta à diretora do Prodasen, estaria hoje fazendo uso de sua vaga no Conselho de Ética para dirigir sua desconfiança e fúria demagógica a outro senador qualquer que assumisse seu lugar na função de pau-mandado do presidente do Senado.
A própria crise não é ética; é estética. Os privilégios já não vestem bem nos velhos e ignorantes caciques, coronéis e capitães-do-mato. Seus cabelos estão brancos e seus dentes, podres. As vantagens do Estado e pelo Estado precisam adequar-se aos figurinos da modernidade econômica e sua vanguarda tecnocrata baseada na cultura da eficiência e polidez.
Não é preciso falar de hipocrisia para falar de hipocrisia. A jornalista devidamente maquiada não preparava uma reportagem; escrevia uma resenha.
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