Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

"Desistentes’ da CPI viram alvo de crítica na Internet", copyright O Estado de S. Paulo, 12/05/01


ASPAS

VIOLA??O NO SENADO

"Os 20 deputados que retiraram as assinaturas do pedido de instalação da CPI da Corrupção, arquivada na quinta-feira graças uma operação montada pela base governista no Congresso, já começam a enfrentar a reação da população. Ontem, começaram a circular na Internet diversos manisfestos, enviados por e-mail aos internautas, pedindo que a população faça campanha contra a reeleição de todos os parlamentares que desistiram da CPI na última hora.

Em um dos manifestos, os deputados são acusados de ?constranger a população brasileira?, ao desistirem de apoiar a instalação da CPI. O presidente do Senado, Jader Barbalho (PMDB-PA) também é alvo da ira dos internautas. O senador é acusado de ser protagonista de ?um vexame nacional? ao decidir pelo arquivamento do requerimento.

Nos e-mails de protesto, os remetentes qualificam de ?caras-de-pau? os deputados que recuaram da CPI.

Vários sites abriram espaço para manifestações semelhantes. No endereço www.ig.com.br/paginas/hotsite/furacao podem ser encontrados os nomes dos 20 deputados que retiraram suas assinaturas, com seus respectivos e-mails.

O setor de informática da Câmara não soube informar ontem a quantidade de e-mails já recebidos. Mas se a reação ocorrer na mesma proporção do caso da violação do painel do Senado, o número de correspondências eletrônicas deverá congestionar também a caixa postal dos deputados, avalia um funcionário do setor.

Larga escala – No Senado, o presidente do Conselho de Ética, Ramez Tebet (PMDB-MS), recebe, em média, duzentos e-mails por dia pedindo a cassação dos mandatos dos senadores José Roberto Arruda (sem-partido-DF) e Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), acusados de estarem da violação do painel eletrônico durante a cassação de Luiz Estevão.

O grande número de e-mails enviados aos senadores causou nesta semana congestionamento na rede do Senado e muitas mensagens de eleitores com manifestaçãos sobre a violação do painel eletrônico não chegaram aos destinatários, tendo retornado aos seus remetentes. O problema levou o Prodasen a transferir o recebimento de e-mails das contas dos senadores para um servidor específico que poderá melhorar o fluxo de recebimento. Segundo a assessoria de imprensa do Prodasen, os endereços eletrônicos dos senadores continuam os mesmos, já que a mudança é meramente técnica. Tomada a providência, os técnicos do Prodasem esperam que o o fluxo de e-mails retorne a normalidade.

O congestionamento no recebimento de mensagens eletrônicas agravou-se nesta semana com a criação de dois sites: um de apoio e outro de repúdio a ACM.

Cada senador recebeu uma média de mil e-mails por dia, totalizando 81 mil mensagens. Com isso, o sistema de fluxo da rede bloqueou a entrada de mensagens."

"A revista The Economist publicou esta semana reportagem sobre as dificuldades do presidente Fernando Henrique Cardoso. Sob o título Rachaduras aparecem sob Cardoso, a revista avalia que problemas de abastecimento de energia e os tremores nos mercados financeiros, principalmente na Argentina, ameaçam os planos do presidente. ?O perigo para Cardoso é que as renovadas preocupações econômicas e a crise política comecem a se realimentar entre elas.?

A Economist destaca que o presidente quis impedir a CPI da Corrupção, sob alegação de que ela impediria o Congresso de aprovar reformas importantes. A reportagem explica que a prioridade do governo é manter a estabilidade econômica, mas ?isso será duro? com a eleição presidencial de 2002. ?Mais nervosismo no mercado poderia aumentar a carga da dívida, mesmo se o governo atingir seu superávit primário.?

A Economist comenta que Gustavo Loyola, ?um dos predecessores de Armínio Fraga no Banco Central, sugere que seria uma atitude de segurança estender o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para o fim de 2002?. A medida, avalia, reforçaria para os investidores a idéia de que o País não vai se desviar de suas metas econômicas."

"Terminado o interrogatório, o empresário foi surpreendido pelo microfone e pela pergunta incômoda de um jovem repórter. Refeito, segurou o braço do jornalista, como se fosse ajudá-lo a sustentar o microfone, e respondeu pausadamente enquanto apertava, com força, o pulso do rapaz.

Se a câmera focasse o jornalista, e não o empresário, o telespectador veria, pela expressão de pânico, que o controle sobre a informação havia mudado de mão naquele instante.

Numa minientrevista coletiva, o velho senador respondeu à pergunta embaraçosa de uma repórter colocando a mão sobre a coxa da jovem. Surpresos, os colegas jornalistas não sabiam se era uma cena de intimidade ou de intimidação -o mais provável.

Nos dois casos, houve expedientes velhacos para inibir as perguntas.

As transmissões pela TV de depoimentos e votações no Congresso só às vezes deixam à mostra as pernas curtas da mentira. Mas são úteis para revelar ao vivo o clima dos debates.

Antigamente, o relato mais fiel das discussões no Parlamento dependia do ?Diário Oficial?, depois da assepsia que retirava das transcrições taquigráficas as expressões mais fortes.

A tecnologia não tornou piores nem melhores os nossos representantes. Em episódio histórico, outro tipo de acareação foi resolvido a bala, uma delas sobrando para famoso jornalista.

Hoje, a TV Senado permite-nos reavaliar, de madrugada, a sinceridade dos desempenhos: seja o da senadora alagoana ofendida, girando os olhos, dedo no ar, enquanto roda a baiana, ou o do franciscano gaúcho que já não exorciza tão bem os mentirosos.

No mesmo canal, o senador paraense é fritado em azeite-de-dendê e o baiano engole sapos ao tucupi. Há inutilidades, como os versos do senador paraibano, cuja veia poética oculta a inspiração que o fez interromper, armado, a refeição de um desafeto político, mandando-lhe balas na mandíbula.

A novela do painel eletrônico ainda deve arrastar-se. Mas alguns capítulos relevantes foram ofuscados na ânsia, talvez, de colocar nas cordas aquele senador que virou símbolo da truculência e da astúcia na política.

Quem esperava uma acareação para valer ficou frustrado, embora o Congresso já tenha provado que arbitrariedades em interrogatórios não acontecem apenas nas delegacias de polícia: a CPI do Narcotráfico e os depoimentos no Congresso para apurar escândalos financeiros ofereceram espetáculos semelhantes e deprimentes.

Gastou-se muita saliva atrás de contradições na versão de que o senador José Roberto Arruda agira apenas como menino de recados do senador Antonio Carlos Magalhães para obter a lista da cassação de Luiz Estevão.

Arruda era o líder do governo e, pelo regimento, sempre falava e agia em nome do presidente da República.

Mas até hoje não se sabe o que quis dizer exatamente o senador Arruda ao afirmar, na tribuna, que fora leal ao governo em episódios ?mais graves?.

Nos debates do Congresso e na cobertura da imprensa, as informações, assim como as feijoadas, são apuradas. Mas nem sempre são completas. (Frederico Vasconcelos é repórter especial da Folha. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Boris Fausto, que escreve às segundas-feiras nesta coluna)"

"Na quinta-feira, o Jornal do Brasil noticiou um fato pitoresco. E picaresco: a avalanche de mensagens eletrônicas em defesa de Antonio Carlos Magalhães que vem desabando sobre o Senado tem origem num certo site, www.apoioacm.com.br, que está hospedado em dois computadores – um deles de propriedade da TV do próprio ACM! Eureka! É e-mail de cabresto! É o cybercurral! O clientelismo sai do Brasil feudal para entrar na rede. O episódio é desconcertante; vem atrapalhar o consenso eufórico em torno dos poderes quase mágicos de democratização que se atribuem à Internet. De um lado, já sabemos, a Internet dá voz aos cidadãos; de outro, paradoxalmente, dá vez a forças misteriosas como esse www.apoioacm.com.br, com seu visual indisfarçável de iniciativa chapa-branca. Na retaguarda, dando cobertura ao aliciamento promovido pelo site chapa-branca, esteve durante dias uma campanha publicitária veiculada nacionalmente na TV para enaltecer a figura de ACM como um defensor dos pobres.

Voltemos à Internet. Ninguém nega que a rede mundial de computadores abra novos canais para a cidadania. Nas longas sessões do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado que trataram da violação do painel, transmitidas pela TV, o endereço eletrônico de cada senador que usava a palavra era exibido no vídeo. Milhares de e-mails voaram para os gabinetes em Brasília, quase todos exigindo a cassação dos responsáveis pelo escândalo. A Internet virou um fórum de verdadeiras passeatas virtuais. Um site de protesto apareceu, o www.foraacm.com.br. Nele, o internauta é convidado a subscrever, eletronicamente, um abaixo-assinado pela cassação de ACM. Cerca de vinte mil nomes já estão ali.

Eis então que, de repente, ficamos sabendo que as mensagens pró-ACM são e-mails de cabresto. Ou seja: a Internet tem vocação para ser, sim, a janela pela qual os cidadãos vigiam os políticos, mas também pode servir para ampliar o alcance do coronelismo mais arcaico. A tecnologia, sozinha, não aposenta o atraso político. Ao contrário, numa sociedade injusta e desigual como a brasileira, potencializa as forças brutas do atraso. Com ou sem Internet, a briga é a mesma.

E o deboche também é o mesmo. No programa Casseta & Planeta urgente, que foi ao ar na terça-feira, o humorista Bussunda interpretou exaustivamente o personagem Antônio Carlos Fraudalhães. Pobre figura, o personagem. Difícil imaginar como alguém pode passar mais ridículo. Os humoristas lançaram então uma consulta ao telespectador: quem é que deve ser mandado para o espaço – o senador Antônio Carlos Fraudalhões, o técnico da seleção Mico Leão ou o ministro argentino Domingo Cavallo? Terminado o programa, a votação prosseguiu no site dos comediantes. Até a tarde de sexta-feira, ACF liderava com folga a corrida espacial com 48% das preferências dos internautas.

Até a novela das oito, Porto dos Milagres, entrou no debate. Primeiro, apareceu na história um senador de interesses escusos, Victório Viana (Lima Duarte), que foi chantageado por Félix (Antônio Fagundes). Ou o senador apoiava a candidatura de Félix para o governo do estado da Bahia, ou ele, Félix, revelaria ao público o conteúdo de uma certa fita. Depois, surgiu a Sudeporto, uma Superintendência de desenvolvimento de Porto dos Milagres, afundada em corrupção. Claro que as semelhanças não são apenas coincidências. Claro, também, que tudo isso influi na opinião pública.

A novela transforma tramóias de verdade em ficção e depois devolve essas mesmas tramóias para o mundo real como uma síntese do país. Na trama ficcional, elementos como fitas gravadas, superintendências de desenvolvimento e senadores dissimulados ganham uma carga inequívoca de vilania. Essa carga, porém, não se esgota na ficção. Ela se espraia por toda a TV. Sobretudo pelos telejornais. Fitas suspeitas, superintendências e chantagens tornam-se signos do mal na novela, assim como são signos do mal no noticiário – como se este fosse uma continuação do melodrama e vice-versa.

É natural que seja assim. Foi vendo novela que o público habituou-se a ver TV todo dia. Foi fazendo novela que os profissionais de TV aprenderam seu ofício. A narrativa melodramática, pilar central da programação de TV no Brasil, tinha mesmo de ?contaminar? profundamente a linguagem dos telejornais. A narrativa da telenovela revive no telejornalismo. Tanto que o Jornal Nacional, até hoje, pode ser visto como um melodrama diário feito de fatos verídicos. Quase todo dia, ele termina com uma notícia feliz, um happy end. Reportagens sobre calamidades se intercalam com boas ações comovedoras. Sempre, o choque do bem contra o mal. Ou do bem redimindo o mal. Outro dia, ao anunciar o racionamento de energia, o Jornal Nacional mostrou que o problema já existe na Califórnia. Não falou dos apagões de Cuba, mas da Califórnia. No telejornalismo melodramático, racionamento é coisa de Primeiro Mundo. É chique.

A novela influencia o debate público? Sem dúvida. O Fraudalhães de Bussunda e o Victório Viana de Porto dos Milagres, mais ou menos inspirados no Antônio Carlos Magalhães real, viram carimbos, estigmas, dão ao senador de verdade uma significação de vilania. Em contrapartida, a campanha publicitária pró-ACM, com seus filminhos de 30 segundos, esforça-se para limpar-lhe a imagem. As tensões se refletem na Internet, que fervilha com opiniões de todo tipo, umas espontâneas, outras estimuladas pelos astros da Globo, outras de cabresto. E assim vamos nós, até que venha enfim a punição justa e devida. Ou até que a vigília adormeça, até que o caso vire tédio, até que outros escândalos sepultem o presente, até que os finais felizes do Jornal Nacional nos levem a pensar que a política será salva pelo amor. A Internet, o eleitor, a imprensa e as novelas não guardam raiva por muito tempo."

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