MONITOR DA IMPRENSA
QUÊNIA
Cláudio Weber Abramo, de Nairobi, Quênia
"Wezi wateketeza baba na watoto", informa a manchete do Taifa Jumapili em corpo 72. E o texto-legenda adiciona: "Majirani washangazwa na ukatili wa binadamu".
Com a ajuda da atendente do "Business Centre" do hotel em que me encontro, obtenho a tradução: "Ladrões põem fogo em pai e filhos" e "Vizinhos chocados com a brutalidade do crime". Taifa significa "A Nação" e Jumapili quer dizer "Domingo". Tudo isso em swahili, o mais falado entre os 44 idiomas que coexistem no Quênia. Felizmente para quem chega de fora, a língua oficial do pais é o inglês, de modo que o melhor mesmo é ler os jornais escritos no idioma do bardo.
O Sunday Nation (lema um tanto redundante: "O jornal que serve à nação") traz apenas em texto-legenda a matéria sobre o incêndio que matou pai e filhos. A manchete é dedicada às reações a uma determinação do presidente Daniel Arap Moi à polícia no sentido de gravar discursos de políticos da oposição.
O mesmo assunto é tratado em The People on Sunday ("Justo, franco e destemido") numa materiola em três colunetas no pé da primeira página, destaque idêntico ao conferido pelo Sunday Standard ("O jornal que se importa com voce"). Como manchetes, esses jornais escolheram, o primeiro, o cronograma de liberação de fundos provenientes de uma agência européia para o financiamento de culturas de café e chá (principais exportações do país); o segundo a morte de um advogado acusado de fraude que teria saltado do quinto andar de um edificio no exato momento em que seria preso.
Informações científicas colhidas entre funcionários do hotel em que me encontro dão conta de que o jornal de maior circulação é o Nation. Seja como for, a política é coberta intensivamente por todos os jornais. Há superabundância de comentaristas, em média um por página dupla.
Aprende-se nos jornais que a vida institucional desta importante ex-colônia britânica gira em torno de uma multiplicidade de interesses e representações tribais, religiosas (entre estas uma incrível quantidade de bispos anglicanos) e étnicas. Já compreender direitinho quem significa o quê são outros quinhentos.
Ao andar pelas ruas de Nairobi, porém, não restam quaisquer dúvidas. Eis aqui um país pobre, com uma enorme população vivendo abaixo do nível da miséria. Nairobi é muito parecida com certas cidades de regiões brasileiras pobres, ou com determinados pedaços de São Paulo. Enxerga-se o mesmo tipo de deterioração urbana em que o bem público lentamente reverte ao caos: calçadas que se desfazem, parques sem nenhum cuidado, lixo por todo lado, prédios arruinados. E mendigos, aleijados, uma multidão de crianças com ar de abandono.
Perguntam-me como é o Brasil. Respondo que é igualzinho ao Quênia. Ninguém me acredita.
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