Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Deu no JB", copyright Jornal do Brasil, 12/5/01, colaborou Ruy Sampaio "Racionamento, senadores e papa

A VOZ DOS OUVIDORES



JORNAL DO BRASIL

A verdade de cada um ? título aliás de um dos editoriais aqui criticados ? é o tema da seção de hoje, que obriga opiniões de leitores sobre a posição do JB em face das questões mais polêmicas do momento: o racionamento de energia elétrica e o escândalo da quebra de sigilo do painel de votação do Senado. O tratamento dado por este jornal à visita do papa João Paulo II à Grécia e à Síria é também discutido.

Energia

O editorial "Apagão Nacional", de 7/5, mais uma vez confirma a célebre afirmação do ex-ministro Hélio Beltrão: ?Os dois maiores inimigos da Petrobras são a desinformação e o preconceito?. Vamos aos fatos. Ainda como Ministro da Fazenda, o Sr. Fernando Henrique Cardoso tentou convencer o presidente Itamar Franco a assinar o acordo sobre a importação de gás da Bolívia. A razão que muitos desconhecem é que existem imensas reservas de gás natural na Bolívia, em Camisea, no Peru (descobertas pela Shell em 1983 e até hoje inexploradas por falta de mercado) e na Argentina. Todas hoje pertencentes a empresas multinacionais e com um único mercado consumidor possível: o Brasil. Em vez de o Brasil tirar partido dessa circunstância, deu-se o contrário. A Petrobras foi obrigada pelo atual governo a desviar recursos dos seus investimentos na Bacia de Campos, onde a taxa de retorno média é de 80% ao ano, para aplicar num gasoduto onde a taxa mal chega aos 10% ao ano. Além disso, a Petrobras teve de assumir todos os riscos do mercado, a cláusula take or pay, os riscos cambiais e todos os demais. O projeto do gasoduto é estrategicamente ruim. Vamos deixar de aproveitar 85% do nosso potencial hidrelétrico para ficarmos pendurados num monopólio natural, comprando um energético cujos preços estão atrelados ao preço do petróleo, em moeda forte e controlado por multinacionais. Em contrapartida, as multinacionais que prometeram construir 49 termelétricas nada investiram até agora. As 14 que estão sendo construídas o estão graças a investimentos da Petrobras. Agora aparece a Agência Nacional do Petróleo obrigando ilegalmente a Petrobras a ceder o uso do duto à British Gas, arbitrando uma tarifa muito inferior à que a própria Petrobras vai pagar (US$ 1,14/MMBtu contra US$ 0,60/MMBtu para a British Gas). Para viabilizar as termelétricas o governo de FH, baseado num estudo encomendado à consultoria Coopers & Librand, ordenou que fossem sustados todos os projetos de hidrelétricas em andamento para tornar o programa de termelétricas irreversível. Agora, na iminência do racionamento, o governo quer punir a Petrobras e os consumidores. Quanto aos compradores das empresas privatizadas que prometeram muito e não investiram nada, silêncio total. Dizer que o programa das termelétricas não avançou por culpa da Petrobras é uma falácia que denota, ao mesmo tempo, desinformação e preconceito. .

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Quando o assunto é privatização do setor responsável pela geração de energia elétrica no Brasil, nós, pobres leitores, sentimos uma sensação esquisita: os editoriais do JB falam dessa possível privatização como a oitava maravilha do mundo; sem ela estaremos fadados ao pior possível. Por sua vez, o colunista Fritz Utzeri, com um raciocínio preciso, critica esse mesmo processo, alegando que nos Estados Unidos esse setor é cuidado pela administração pública, que sua possível privatização vai encarecer a eletricidade para o consumidor, que significará evasão de divisas (mais uma!)e outras críticas pertinentes. Resta a nós uma indagação; como pode o mesmo órgão de imprensa exprimir posições tão diferentes sobre o mesmo assunto? Posições essas que, analisando-as friamente, não parecem permitir um consenso e são tão diferentes que comparando-as entre si uma delas sempre vai parecer uma grande idiotice diante de outra. Então, quem será que está falando idiotices: o colunista, que sempre se expressa muito clara e brilhantemente sobre diversos assuntos em sua coluna, ou os editorialistas do JB, que nos têm brindado como algumas das maiores pérolas do moderno pensamento reacionário brasileiro? Sinceramente, me inclino a aceitar a segunda opção. .

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JB ? O que caracteriza um jornal independente e ecumênico, além de procurar não agredir os fatos, é abrir suas páginas a opiniões divergentes de sua ?linha?, que é definida, apenas, em seus editoriais. Tanto o editorialista (que é anônimo) quanto o colunista (que escreve o que quer em seu espaço, e assina embaixo) podem falar ?idiotices?, dependendo , é claro, do ponto de vista do leitor.

Senado

Concordando com o editorial "Futuro à Porta", assim como o artigo "Mentira de Estado?", ambos de 6/5, quanto ao funcionamento dos mecanismos democráticos para a superação de crises, observo que, no caso da violação do painel do Senado, a opinião pública e a mídia que pressiona pela punição na medida da culpabilidade dos investigados agem imbuídas de sentimentos patriótico que em nada se assemelha à perseguição cega conhecida como ?caça às bruxas?, que o relator do caso referiu. Nesse aspecto, diante da evidência produzida até agora, negar a legitimidade da cassação de referidas autoridades significaria agredir os fatos e, pior ainda, manchar toda a nobre instituição política com uma dúvida. .

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Não fosse a gravidade do momento seria risível o editorial "Verdade de cada um", de 5/5. Mesmo reconhecendo a responsabilidade do senador ACM no caso da violação dos votos no Senado, o editorialista, ao final, não se contém, derramando-se em elogios de mau gosto a um senador que faltou aos imperativos do seu cargo. Atribui ao senador um ?constrangimento? que o próprio não reconhece. Mesmo porque não se sente responsável pela violação. Pior ainda, o editorial iguala o pretenso ?constrangimento? do senador ao constrangimento da opinião pública, esquecendo-se de que este, legítimo, deriva não de piedade pelos réus, mas da convicção da gravidade do crime cometido. A opinião pública não se sente, ao contrário do que pensa o autor do editorial, tocada pelo destino desse político e muito menos compartilha de sua experiência de réu. Esse, sem dúvida, é o sentimento do autor do editorial ( que desconheço qual seja), mas não o sentimento da maioria do povo brasileiro que vive, a duras penas e com salários aviltantes, de seu próprio trabalho, sem precisar de bajular um violador da Constituição. .

Santo Padre

Sábado, dia 5/5, o JB abriu grande espaço, inclusive com grandes fotos coloridas, para noticiar a recepção fria e agressiva por parte da população e do clero local, ao Santo Padre da Grécia. Domingo, por que o JB não abriu o mesmo espaço para a recepção calorosa ao Santo Padre em Damasco, e inclusive nem sequer publicou uma nota? Por que essa parcialidade? No dia 7/5, o JB noticiou a missa do dia anterior com uma foto em preto e branco. .

JB ? Na edição do dia 5/5, o JB abriu uma abriu uma foto colorida do papa João Paulo II, ao lado do primaz grego, com legenda dando conta de que ?pediu perdão pelos crimes católicos contra os ortodoxos?. Na ampla reportagem da página 9, com fotos em preto e branco, depois da informação de que existem, na Grécia, apenas 200 mil católicos romanos numa população de 11 milhões, destacou-se a declaração do papa: ?Pedimos perdão a Deus para os filhos da Igreja Católica (que) pecaram com atos e omissões contra seus irmãos ortodoxos?. A ausência de notícias sobre a viagem do papa na edição de domingo deve-se ao fato de que o jornal roda muito cedo, e que há quatro fusos horários entre o Brasil e a Grécia. Na edição de segunda-feira (7/5), a visita de João Paulo II a Síria mereceu chamada na capa ("Papa reza em templo muçulmano"), contendo a informação de que o papa também celebrou missa para 100 mil pessoas, num estádio de Damasco. Na página 7, ampla reportagem com duas fotos ( fotos coloridas só são impressas, no noticiário, na primeira página)."


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