OBSERVAT?RIO DA PROPAGANDA
ASPAS
PRECONCEITO
"Sem desrespeito algum à memória de João Cabral, de quem tomo emprestado o título deste artigo, peço licença para falar do analgésico. Não em um monumento, como fez o poeta, mas sobre um anúncio que tem me causado uma constante dor de cabeça.
Trata-se de um filmete de TV. Nele, a moça branquinha, moderninha e cheirosinha está curtindo uma praia, sossegada, quando entram no quadro uns quatro ou cinco adolescentes, típicos atrasados pedagógicos, massacrando, respectivamente, um cavaquinho, um pandeiro, um surdo e parece que um chocalho ou um tamborim. Eles pulam e ululam oligofrenicamente, como se cantassem e dançassem… um samba. A belezoca faz cara de enfado, depois de irritação, franzindo a testa, para dar a entender que aquela ?música? não é a de sua praia. E lhe faz muito mal.
Eis que, então, cai do céu uma enorme pastilha de aspirina, soterrando os babaquaras e devolvendo o bem-estar à musa do anúncio. Seguem-se, como de hábito, a mensagem falada e, no vídeo, a marca e a assinatura do anunciante.
O telespectador desavisado pode ver ali apenas mais um comercial metido a engraçadinho. Mas quem gosta de ler nas entrelinhas pode enxergar no filmete mais um capítulo da guerra surda contra os conteúdos nacionais da cultura brasileira e contra o samba em particular.
Dentro da estratégia de submergir a rica música popular brasileira no grande caldeirão do pop transnacional, a mídia colonizada procura fazer crer que só essa corrente globalizante detém a primazia da modernidade (o que não é pop é velho e ultrapassado), da abastância (os artistas do pop são ricos e seu público, potencialmente, também o é) e da beleza (o que não é pop é feio). Assim, o filmete, pela imagem das figuras envolvidas, procura associar o samba a breguice, retardamento mental, sujeira e (pasmem!) barulho – quando se sabe a que alta decibelagem é um apanágio não do samba, e sim de vários estilos da música rock, tais como heavy metal, drum’n’bass, techno, disco etc.
Observe-se, agora, que existem pelo menos duas maneiras não-violentas de destruir, as quais se traduzem nos verbos ?invisibilizar? e ?desqualificar?. E isso é particularmente aplicado em comunicação. Se você esconde uma pessoa, uma comunidade, uma idéia ou um fato, você faz com que ela ou ele se tornem ?invisíveis? e, logo, não existam, midiaticamente falando. Da mesma forma, se você desqualifica o objeto de sua comunicação, mostrando-o feio, sujo, antiquado, tolo, pobre, retrógrado etc., você está anulando seu potencial de atração e, conseqüentemente, destruindo-o. Nós, negros, e nossa cultura conhecemos muito bem essa estratégia!
Serve, então, este texto para sugerir aos aficionados do samba, que são muitos, uma reação pacífica à propaganda em questão. Na hora da dor de cabeça, ignorem o tal analgésico transnacional (que eu nem lembro se é genérico ou específico) e optem por algo mais nosso. Como um chá de erva-doce, por exemplo. Ou, quem sabe, um Cartola, um Paulinho, um Martinho, um Zeca. (Nei Lopes é compositor de música popular)"
INADEQUAÇÃO?
"?Escrevo a respeito do anúncio que ocupou totalmente quatro páginas da Ilustrada em 3/5. Não era um mero anúncio encartado, já que veio com o logotipo do caderno. Tive a impressão de que a Folha passa por percalços financeiros e resolveu seguir o exemplo dos ônibus urbanos paulistanos, que, como meio de transporte, são excelentes outdoors. Parece adequado citar Caetano Veloso: é a ?força da grana?, mesmo.? Ayrton Mugnaini Júnior (São Paulo, SP)
Nota da Redação – Ao contrário do que pensa o missivista, era, na realidade, como registrado nas quatro páginas, publicidade."