CORREIO BRAZILIENSE
Vera Silva (*)
Em outubro de 2000 fui convidada para participar de uma aventura. Uma aventura dentro de um jornal.
O Correio Braziliense estava iniciando a experiência de implantar um Conselho de Leitores nas editorias do jornal. Fui convidada com cinco outros leitores para compor o conselho da editoria de Saúde, Educação e Ciência.
A experiência duraria 7 meses, durante os quais não poderíamos receber quaisquer vantagens do jornal. Participaríamos de uma reunião quinzenal de 1 hora com o editor e alguns repórteres que se revezariam a cada reunião. O objetivo era aproximar o jornal dos leitores, torná-lo mais atento ao que o leitor deseja, melhorar sua qualidade e, é claro, completei eu, vender mais jornal e consolidar a liderança do Correio no DF.
Para quem, como eu, cresceu lendo jornal e lê o Correio desde que chegou a Brasília foi um convite do tipo juntar a fome com a vontade de comer. Sempre fui fascinada por jornal, e dar palpite na feitura de um me pareceu "imperdível".
Todos nós, ao longo de todo o tempo, pedimos insistentemente pela continuidade das matérias. Era voz unânime que o jornal não continuava os assuntos. Fazia uma bela reportagem e depois se esquecia do tema como se nada mais houvesse a discutir sobre ele. Justiça seja feita, a nossa editoria melhorou muito neste quesito nesses 7 meses.
As discussões se centraram em pedir que as matérias explicassem os assuntos pelos vários ângulos, ouvindo especialistas e tornando a leitura eficaz do ponto de vista de serviço ao leitor, com termos técnicos bem explicados e orientações precisas. Também se cobrou muito a participação do jornal com matérias paralelas às campanhas de saúde e reportagens que alertassem os jovens contra o uso de substâncias para "crescer musculatura", contra os exageros na malhação etc.
Alertamos contra uma certa tendência a glamourizar a gravidez na adolescência pelo uso de fotos muito lindas de lindas adolescentes grávidas que "deram certo". Solicitamos que o jornal usasse os profissionais do DF no consultório médico. Pedimos por discussão da questão da saúde no DF. De maneira geral, quisemos que o conteúdo, embora resumido, fosse completo e que a distribuição dos assuntos se concentrasse no que era de fato relevante para a saúde.
Contudo ainda sentimos um pouco a ausência de informações sobre o desenvolvimento pessoal e emocional, uma área pouco coberta por este ângulo. Em geral, fala-se mais sobre a doença do que sobre o desenvolvimento da saúde.
A área da saúde foi a que mais evoluiu no período, em minha opinião. O jornal tem feito excelentes reportagens e textos de prestação de serviço que estão até sendo colecionados pelos leitores. Estes textos são muito bons em conteúdo, tratam de assuntos relevantes e têm um trabalho infográfico primoroso.
Educação e Ciência são duas áreas muito fracas, e tiveram pouca evolução no período. Como não há especialistas nestes campos na editoria, a educação acabou se restringindo ao relato de experiências criativas de professores do DF, que são muito interessantes e servem de modelo para outros professores e escolas, ou a fatos ocorridos no DF que envolvem a educação, mas registrados pela editoria Cidades.
Foi uma briga de foice incluir discussões sobre a educação no DF e devo admitir que perdemos a luta.
Quanto à Ciência, em geral, e com exceção da cobertura sobre o Projeto Genoma Humano e os transgênicos, a área está pouco coberta no Correio e nos demais jornais. O leitor, em geral, lê "vinhetas", como na TV, que dão notícias gerais sobre descobertas científicas que mais desinformam que informam. Discutimos muito sobre a validade de tais notícias. Alguns de nós, entre os quais me incluo, achávamos ser melhor não publicar este tipo de notícias vindas das agências sem que antes fossem "dissecadas" por algum repórter do jornal que deveria ouvir especialistas que traduzissem o seu significado para o leitor.
Foi uma convivência excelente. Tanto o editor quanto os repórteres receberam nossas avaliações e críticas com total abertura. Espantou-me perceber, em muitas de nossas reuniões, um espírito de equipe. Eles realmente aceitaram a nossa presença, pediram e acataram as nossas opiniões, trataram-nos como companheiros de trabalho. Ponto para os jornalistas. Eles aceitam sugestões. Verificar isso foi o maior prazer da minha participação no Conselho de Leitores. Gostaria que todos os profissionais tivessem essa abertura para os não-profissionais.
Foi uma experiência notável para mim. Mas sou suspeita para opinar quanto aos efeitos no jornal. Talvez se pudesse avaliar isso numa pesquisa. Espero sinceramente que esta experiência continue e frutifique na imprensa brasileira.
Quanto ao Correio Braziliense, somente seus editores poderão dizer o que acharam da experiência. Seria excelente se o jornal fizesse um relato para o Observatório da Imprensa.
(*) Psicóloga
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