QUALIDADE NA TV
NEGROS NA TV
Clovis Luz da Silva (*)
Em programa popular de televisão, a atriz Neuza Borges reclamou do abandono a que está submetida há quatro anos, durante os quais vem amargando um nível miserável de existência material e nos demais que dele decorrem, pelo fato de que, sem emprego, não poder dar a si mesma e a suas duas filhas o conforto e a segurança que um trabalho regular bem remunerado propicia. Hipertensa, reclamou sequer ter dinheiro para comprar seus remédios.
O drama pessoal da atriz, que atuou pela última vez na novela A indomada, recentemente reprisada pela Rede Globo, não é diferente do vivido por milhões de pessoas no Brasil. Contudo, analisado sob a perspectiva do mundo artístico e daquilo que o sustenta, revela um detalhe que a muitos escapa: ela não é a única representante do meio artístico a ser desprezada como objeto descartável que não mais satisfaz às expectativas, mas é negra.
Esse foi o eixo em torno do qual os comentários surgiram. O apresentador do programa, Carlos Massa, perguntava aos telespectadores se eles viam nas novelas brasileiras negros atuando em papéis de destaque, que não o de empregados domésticos, motoristas etc. Questionava ainda a contradição entre o fato de haver 60% de negros na formação da população brasileira e a participação de, no máximo, 10% deles na televisão. Neuza Borges respondeu que o racismo na televisão reflete apenas o vigente na sociedade brasileira.
Quem acompanha os programas realmente pode constatar a pouquíssima presença de negros, seja nas novelas, nos telejornais, como repórteres e muito menos apresentadores, e nos comerciais. Nesse particular, os negros têm aparecido com certa freqüência em comerciais cujos produtos são destinados exclusivamente a eles ? basicamente, produtos de beleza. Mas é interessante que nos outros comerciais a presença de negros seja raríssima ou nula, como se eles não tivessem o menor interesse ou condição de adquirir os produtos anunciados.
A lógica da televisão brasileira, desde sempre e muito mais nesses tempos de globalização (sem trocadilho), é o lucro acima de tudo, mesmo que para tanto profissionais competentes sejam largados ao léu à medida que possam ser substituídos por outros artistas (não necessariamente bons profissionais, que o digam os Gianechinis da vida), para alavancar a audiência e garantir os lucros desejados.
A cada dia surgem novos rostos nas telas, produtos de uma ação conjunto de pessoas que põem o dinheiro acima de todos os demais valores, da qualidade à ética profissional: donos de agências de promoção pessoal, que "trabalham" a imagem e a performance de seus contratados, donos de empresas de propaganda, que absorvem esses "profissionais", e a televisão, que lança mão da bola da vez desde que ela seja garantia de boa audiência e lucro.
Um exemplo perfeito dessa realidade são os "galãs" que pipocam nas telas, pessoas que ontem eram totalmente desconhecidas do público e hoje são idolatrados devido à superexposição de seus rostos em novelas, revistas e programas de auditório. Ao mesmo tempo em que artistas consagrados por seu talento e profissionalismo aparecem em pequenas "participações especiais".
Nessa lógica do lucro acima de todas as coisas, o racismo na televisão é uma das faces mais cruéis e perversas. Além dos outros fatores citados faz o negro se sentir mero objeto, colocado na condição de última opção, inevitável apenas na medida em que seja impossível colocar artistas brancos nas telas, no papel de empregadas domésticas e bandidos, ou nos comerciais de produtos para negros. Afinal, não é possível resgatar o tempo em que se pintava de negro o rosto dos brancos. Se fosse…
(*) Universitário negro, Letras/UFP? <clovisluzdasilva@bol.com.br>
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