Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ivan Angelo

QUALIDADE NA TV


JÔ E LUMA

"A bela nua entoa seu canto do cisne no ‘Jô’", copyright Jornal da Tarde, 17/05/01

"Estava muito à vontade no Programa do Jô a mãe de família, madrinha de bateria e ex-modelo Luma de Oliveira, convidada por causa do seu canto do cisne na revista Playboy que está nas bancas. Nada de novo foi dito. Imagens bonitas de pernas, cintura, barriga, costas, bunda, seios esculpidos a silicone e sorrisos foram exibidas à platéia excitada. No principal, Luma voltou a declarar que não sabe explicar por que quis fazer as fotos. Disse que no carnaval estava na frente da bateria, pintou o convite, considerou que estava bem de corpo e decidiu que sim. Nem ela nem Jô quiseram usar as palavras que cabiam: o seu impulso exibicionista falou mais alto. Algum freudiano diria que ainda bem que esse exibicionismo se manifesta com franqueza, e não furtivamente, o que lhe permite mantê-lo sob crítica e controle.

Falei em canto do cisne. É interessante como muitas mulheres de inegável beleza aproveitam seus últimos anos de esplendor para uma derradeira exibição. Buscam uma confirmação do apelo sensual de suas formas: vejam como ainda sou bonita. Há forte conteúdo de vaidade na exibição. No fundo, mais do que buscar excitação, a fotografada convida o olhar para uma apreciação.

Várias balzacas gloriosas fizeram isso. Ioná Magalhães, Cynira Arruda, Vera Fischer, Angela Vieira, Maitê Proença e outras. Até Marilyn Monroe, aos 36 anos, na decadência artística, fez a célebre cena da piscina e do roupão para mostrar que ainda era a atriz mais bonita de Hollywood.

O aparecimento de Luma no Programa do Jô certamente irá animar o leilão do biquíni e da sandália usados por ela em algumas fotos da revista. O leilão está rolando na Internet. Voyeurismo e fetichismo passeiam alegremente pelos meios eletrônicos e impressos. O povo se diverte. A beleza recebe a homenagem dos desejos. O marido faz a última concessão. A diva abastece seu ego. Tudo bem.

O traficante Fernando Beira-Mar sabia que estava atuando para a televisão ao depor na Câmara dos Deputados. Caprichou nos gestos, nas tiradas, na ironia, na expressão. Deu um banho nos deputados. Na Band, Renato Lombardi fez a melhor análise: os deputados não se prepararam, não entendiam do assunto sobre o qual estavam inquirindo o traficante, não souberam encantuar o bandido por falta de conhecimento do assunto. Lembrei-me de outra CPI, a do futebol, quando perguntaram a Ronaldinho por que perdemos a Copa de 98 para a França e ele respondeu com um sorriso: ?Porque eles fizeram três gols e nós fizemos um.? Levantaram a bola, Ronaldinho chutou. Foi o que fizeram com Beira-Mar.

Noticiam todos os telejornais que a Seleção Brasileira de Futebol já não é a primeira do ranking da Fifa. A França está na frente.

Nada mais justo, disseram os vários âncoras. Mas ninguém cuidou de fazer um retrospecto demonstrando o por que da queda do Brasil e da ascensão da França. Para o telespectador comum fica a impressão de que o resultado da Copa de 98 demorou muito a chegar à sede da Fifa.

As emissoras de televisão estão finalmente levando com maior empenho jornalístico o assunto da crise de energia. Matérias de serviço e discussão das propostas são feitas agora com profundidade. Não obstante, foram insatisfatórias as reportagens sobre o apagão que houve no Carandiru na noite de terça-feira.

O Dia Dia News encerrou sua edição de ontem com a história do rapaz que faz greve de fome na Avenida Paulista, por amor, pedindo a volta da amada Sandra, que o abandonou e foi para o Paraná com os filhos.

Entrevistado, disse que não lhe deu o devido valor e se arrepende. Desconfio que os homens estão melhorando.

VIOLÊNCIA E BAIXARIA

"Por que cobrar da tevê o que não se faz em casa?", copyright Jornal da Tarde, 12/05/01

"Dizia eu na quinta-feira que a responsabilidade pela programação ruim das emissoras não pode ser transferida por elas para o público sob o pretexto de que elas seguem o que o Ibope indica e que este reflete o gosto popular. Insistia eu: o público só pode escolher entre o que lhe é oferecido e, nas áreas de entretenimento, filmes e infantil, a oferta é esmagadoramente ruim. Se as emissoras só oferecessem programas bons, o público escolheria entre um bom e outro.

Ao encaminhar a questão da queda de qualidade da tevê, o professor de filosofia Renato Janine Ribeiro argumenta, no artigo ?De quem é a culpa?? (Telejornal, 6 de maio), que no próprio seio da família os pais não cuidam da educação: ?Quantos pais lêem um livro com o filho, em vez de entregá-lo à babá eletrônica? Quantos priorizam a boa educação e cultura, em vez da compra de um artigo de consumo luxuoso? Quantos gastam em teatro mais do que em tênis? O problema é que muitos pensam que educação, cultura e mesmo moral se terceirizam. Passa-se o problema para a escola, ou se culpa o poder público, mas com isso não se faz o que está a seu próprio alcance.?

Então, a questão é essa: se os pais não fazem a sua parte com relação à educação e à cultura, por que cobrar finesse da tevê?

Modestamente, num artiguinho de 20 anos atrás, tocava eu justamente no ponto do desprestígio social do saber e da apreciação estética. Cito-me: ?Não há o impulso inicial de ler porque no meio social da classe média (não falo de analfabetos, do proletariado e de outros atores impossibilitados de ter um papel nessa peça) não é vantagem nenhuma ler um livro, e daí não há resposta de estímulo: os outros participantes do grupo social não têm o que trocar com quem leu um livro, aquilo não o torna melhor nem possuidor de uma coisa que tenha valor aos olhos dos outros. Ficção e poesia são perda de tempo, é gastar dinheiro sem retorno. A troca social de informações é preenchida falando-se sobre a carestia, a vitrina da moda, a última música do Roberto, as cilindradas da moto ou as aventuras da televisão e do cinema.?

Conhecer os produtos comerciais da indústria cultural, principalmente a música popular, o cinema e a televisão, rendiam, e rendem, muito mais bate-papo, integração social e até prestígio do que a literatura e as artes maiores.

Os jornais tratam melhor o tema da falta de energia elétrica e suas consqüências sociais e econômicas do que a tevê. Falta profundidade nas matérias da tevê, falta o visual que elas poderiam dar melhor do que os jornais, percorrendo os caminhos desde as hidrelétricas até as casas ou fábricas. Na quarta-feira, William Waack fez uma boa e ampla matéria sobre o assunto. Mas, no geral, falta espaço para tratar o problema, que seria caso para um Globo Repórter. Este, entretanto, de uns tempos para cá, só dá matérias frias; às vezes boas, mas não traz mais atualidades.

Todas as emissoras falam do Dia das Mães, de presentes, da venda nos shoppings etc. Uma telespectadora sugere o ?kit-apagón? como presente oportuno: lanterna, pilhas, velas, dois castiçais e uma caixa de fósforos.

Não é raro termos boas biografias na série Vidas, do canal People+Arts. Nesta quarta-feira, a vida do escritor Dashiell Hammett foi especialmente bem analisada e documentada. O criador do célebre detetive Sam Spade, que Humphrey Bogart viveu melhor do que ninguém no cinema, teve uma história tão movimentada quanto a de seus personagens. Foi, inclusive, detetive da célebre agência Pinkerton. Hammett queria fazer literatura, mas acabou escrevendo apenas histórias de detetives, para ganhar a vida. Nos anos 20, disse que ?algum dia alguém ainda vai fazer literatura com histórias policiais?. Foi ele quem esteve mais perto disso. A célebre Dorothy Parker escreveu: ?Estou dando gritinhos cada vez mais altos toda vez que leio uma história dele.? Hammet ficou famoso, ganhou muito dinheiro, com livros e roteiros para o cinema, mas morreu endividado. O documentário faz uma boa análise do sentido da sua obra: a sociedade americana era um caos e não havia possibilidade de restabelecer a ordem. O durão Sam Spade era um herói perplexo."

BARRIGA

"Fantástico? traz denúncia com ano de atraso", copyright O Estado de S. Paulo, 16/05/01

"O Fantástico de domingo deu uma bola fora. Exibiu uma reportagem, sobre o tráfico de órgãos humanos no México, com o atraso de um ano. A investigação foi feita por dois jornalistas espanhóis – um da emissora Antena 3 e outro do jornal El Mundo – em maio do ano passado. A dupla fingiu estar em busca de um rim para desmascarar o esquema de um falso padre, Martin Rubio Murillo, e um médico, Arturo Gomez Muñoz, na Cidade do México.

A reportagem teve 16 minutos e foi narrada por Cid Moreira, que apresenta o quadro Isso É um Espanto, e Francisco Milanni. Além da edição em ritmo de folhetim, o programa usou trilha de suspense.Em nenhum momento, o espectador foi informado de que o fato ocorreu há um ano. Não diz o paradeiro dos acusados nem os desdobramentos da história.

Segundo a Central Globo de Comunicação, o material foi comprado da Antena 3 e ?veio sem data?. A produção do programa avaliou a reportagem e considerou o tema ?atemporal?, sem necessidade de complemento. A assessoria chega a dizer que a reportagem poderia ir ao ar até 2003, quando terminam os direitos de uso das imagens."

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