Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Aloysio Nunes Ferreira Filho

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PRESIDENTE PERSEGUIDO

"Cuidado com essa regeneração", copyright Jornal do Brasil, 28/05/01

"Pode-se começar concordando com o presidente Fernando Henrique: existe um neo-udenismo. Mas existe também um velho udenismo, que de vez em quando reaparece na história do país, contando agora se adequar aos tempos mais modernos do século 21.

Mudam os personagens, muda a configuração das forças políticas, mas a bandeira desfraldada é sempre a mesma. Vamos salvar o Brasil por meio de uma cruzada redentora, desta vez denominada de revolução ética. Em que resultaram as cruzadas anteriormente empreendidas e que a isso se propuseram? Em nada, simplesmente porque a corrupção não termina, seja por meio de movimentos redentores, seja pela mobilização da opinião pública nacional no terreno da ética. O combate à corrupção é tarefa permanente das instituições que integram o Estado brasileiro. E ele se dá por meio de regras que são legalmente estabelecidas, nas diferentes instâncias do Estado.

Mais, bem mais do que a adesão a um partido ou a concordância frente a um programa, o udenismo consistiu em um modo particular de optar dentro da vida política. Particular e perverso, na medida em que lançando o descrédito sobre um governo, acabava atingindo o conjunto das instituições. Os exemplos, no último meio século da nossa história, são bastante conhecidos: não cabe repeti-los aqui. Mas cabe, isso sim, apresentar o modo pelo qual esse tipo de operação política é engendrado e posto em prática.

Em primeiro lugar, lança-se um manto de suspeitas sobre a totalidade do sistema institucional. Quanto mais tempo esse manto pairar sobre o país, melhor. Depois, no segundo momento, que é quase concomitante, a suspeição tem êxito mobilizador de opinião pública. Quanto mais ele pairar, mais a opinião se exacerba. Governo e instituições se confundem: está tudo podre. Os efeitos geram um círculo vicioso no qual o governo cai na defensiva, torna-se paralisado – e será atacado por paralisar-se -, o ceticismo e o pessimismo caminham ao lado da exacerbação popular até que se chegue ao desenlace. Ou bem o manto de suspeita vai perdendo a espessura e tornando-se cada vez mais diáfano, até diluir-se por completo, ou bem a operação terá sido coroada de êxito. O governo debilitou-se, a institucionalidade também, mas isso é o menos grave. Os que lançaram a suspeita estão aí mesmo para salvar a nação.

O procedimento não poderia ser mais esdrúxulo, além de perigoso. Ele corresponde ao seguinte raciocínio: eu acredito na existência das bruxas, não sei muito bem onde elas estão, mas vou descobrir. Nos termos da atual conjuntura, a frase muda, mas o sentido é o mesmo: eu sei que existe corrupção, e se me derem os instrumentos adequados eu vou desvendá-la por completo. Pois trata-se de definir um objetivo global e passar tudo a limpo, o que mobiliza as boas intenções e, ao mesmo tempo, a ingenuidade.

Passar tudo a limpo é uma figura de retórica que não tem correspondência no mundo real da política. Ninguém, até hoje, conseguiu passar um país a limpo, até porque as linhas de clivagem do campo da política não são tingidas pelas cores da religião. Não há um campo do bem e outro do mal. Ninguém se torna justo e piedoso por pertencer à oposição; ninguém é infame ou corrupto por estar com o governo ou no governo. Colocar as coisas dessa forma é introduzir um elemento de fanatismo e de profunda intolerância na vida política. É transformar adversários em inimigos, confusão sempre desastrosa nas relações entre oposição e governo.

É, portanto, ilusório supor que o discurso em torno da corrupção é simplesmente um palanque eleitoreiro. Ele é, na realidade, uma operação de desgaste que poderá ir até o ponto que o seu combustível permitir. Ele representa um deslocamento no terreno em que as oposições vinham se situando. Das políticas públicas, alvo preferencial do ataque, passa-se para o terreno da regeneração moral. Houve uma mudança de estratégia e, frente a essa mudança é preciso dizer cuidado. Conflitos em torno de políticas públicas são resolvidas pelo voto. Mas quando o que está em jogo é a recuperação da ética, manchada pela corrupção que é geral e irrestrita, o que se cria, na realidade, é uma exacerbação de opinião pública, caindo na suspeita leviana, na denúncia que não tem amparo legal.

Isso já não é mais uma luta pela ética na política. Isso corresponde a aumentar ao máximo uma onda de moralismo oco, que tantos males causou ao Brasil. Criticar o governo é dever da oposição. Fixar a estratégia dentro da qual a crítica será feita é seu direito. Mas quando um partido torna-se prisioneiro de sua própria estratégia, os efeitos dela já não podem mais ser controlados. E o desenlace é, quase sempre e no mínimo, prejudicial aos interesses do país. (Aloysio Nunes Ferreira Filho é ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República)"

"Itamar manda FHC pegar o boné", copyright Agência Carta Maior ( www.agenciacartamaior.com.br), 25/05/01

"Essa deveria ser a manchete de hoje de todos os jornais. Foi a resposta de Itamar Franco, que participava ontem da convenção nacional dos auditores fiscais, em Brasília, à desastrada entrevista de FHC a Tereza Cruvinel, de O Globo. Nela, o presidente acusa a oposição de ?golpismo sem armas? e a imprensa de ?leviandade?. Se ele acha que as denúncias da oposição põem em risco a democracia, ?que pegue o boné e vá embora? disse Itamar.

A frase foi destacada (mas não muito) pelo Estadão e por Valor. A Folha escondeu-a num finalzinho de reportagem. Lula, que será recebido este sábado de retorno da sua viagem à China, já como candidato, disse em entrevista à CBN, direto de Xangai, que FHC está ?procurando alguém em quem jogar a culpa por tudo o que não está dando certo?.

E editorial do Estadão de hoje reflete o mal-estar causado pelas expressões de FHC que, segundo o jornal, ?denunciam o desgaste emocional do presidente?. É um editorial devastador de um jornal que sempre apoiou FHC. O medo com o que vai acontecer nos últimos 20 meses do governo FHC já havia sido expresso pela colunista Maria Clara R. M. do Prado, na Gazeta Mercantil de ontem: ?Que política econômica apresentará o presidente Fernando Henrique Cardoso à nação, para o período de mandato que lhe resta??, pergunta ela.

Maria Clara diz que a crise energética colocou a nu a fragilidade do ajuste fiscal, monitorado pelo FMI desde fins de 1998. E endossa a avaliação de outra economista, Lídia Goldenstein: ?prevaleceu uma visão puramente de caixa e um discurso monotemático do governo em que tudo era secundário frente ao ajuste fiscal, e isso é falso; fica provado, com essa crise, que a conta acaba ficando mais alta para o próprio quadro fiscal?.

Duas manchetes dos jornais de hoje mostram toda a falácia do ajuste fiscal: ?Governo tem o maior superávit mensal desde 1998?, diz a manchetinha otimista na primeira página do Estadão. ?O superávit primário do governo em um único mês (abril) chegou a R$ 6,6 bilhões. De janeiro a abril esse superávit somou R$ 13,3 bilhões, R$ 2 bilhões além da meta?.

Notícia boa? Não, notícia ruim. Não por coincidência, esse dinheiro que o governo economizou em apenas três meses e que vai ser usado para pagar juros exorbitantes de uma dívida pública que ele mesmo inflou, é o custo aproximado de um plano de emergência para a crise energética, conforme a manchete principal de Valor de hoje: ?Eletrobrás propõe plano de emergência de R$ 7 bi?.

Dois importantes colunistas retomam hoje a expressão ?insensatez?, que dessa forma se incorpora definitivamente no jargão jornalístico da crise terminal do governo FHC. Clovis Rossi diz em sua coluna de hoje que ?só falta o governo mandar marcar com uma estrela amarela a roupa de todos aqueles que não conseguirem cumprir as cotas determinadas pelo ministério do apagão?. E Luís Nassif, que vem defendendo a tese de que a sociedade entrou em estado de catarse, ou seja, de comportamento anti-racional, afirma em sua coluna de hoje que as raízes da irracionalidade foram plantadas pelo próprio FHC em 1988 e 1999, quando não fez a mea culpa dos erros da política cambial e, ao contrário, passou a ironizar seus críticos. Sua coluna é intitulada ?A marcha da insensatez? título já usado por Celso Pinto na semana passada.

A palavra de ordem de abandonar o barco ainda não foi transmitida pelos alto-falantes do sistema, mas claramente já passa de boca em boca. Maria Clara R. M. do Prado até ontem rezava pela cartilha neoliberal. Luiz Nassif e Celso Pinto também. Lídia Golsdenstein foi assessora do governo FHC. No painel da Folha de hoje, está anotado que ?Ciro, Itamar e até Lula têm recebido sinais expressivos de senadores, deputados e outras liderança aliadas a FHC que querem abandonar o barco?. É o ?apagão político de FHC?.

As notícias de hoje indicam que o governo ainda está em pânico e que, portanto, as perspectivas da crise são péssimas. A decisão, desastrada, de não abastecer com energia os projetos novos e pedidos provisórios deve ser revogada. O Estadão adianta-se aos outros jornais e anuncia que o governo pode recuar também da medida provisória que jogou no lixo o Código de Defesa do Consumidor. E Valor conta em detalhes que ainda permanece o impasse na determinação das tarifas do gás. Ou seja, duas semanas depois de instalada oficialmente a maior crise energética da história do país, ainda não se resolveu um dos impasses que a causou. E as poucas medidas já decididas estão sendo canceladas, porque se mostraram insensatas.

A reportagem de página inteira em Valor de ontem ?A Bahia derruba o muro do carlismo?, de Maria Inês Nassif, em que é defendida a tese de que a exposição de ACM ao público baiano em posição de acusado, pela TV Senado e outras emissoras, contribuiu decisivamente para destruir o ?Mito ACM?. Ele ainda pode ser um político poderoso, mas já deixou de ser um mito. A reportagem também descreve os métodos truculentos de ACM na Bahia e mostra que a erosão do carlismo já havia se acelerado nas eleições do ano passado, em que houve um grande avanço das esquerdas entre os baianos."

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