Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Das festas, fogos, pára-raios

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NÚMERO-NOTÍCIA

Ficou molhada a fantasia de papel. / Um passarinho vem cantando lá do céu / No contraponto deste canto alucinado / Para o povo deste reino encantado / São João cruzou o deserto feito papagaio / Anunciando aos quatro-cantos um relicário / Das festas, fogos, pára-raios, / E o carnaval começa, não pára mais. [Arauto, de Galvão Frade e Marco Rio Branco, grupo Paranga, disco "Chora Viola, Canta Coração"]

É, ficou molhada a fantasia de papel, todas as fantasias, todos os papéis deste engano chamado governo FHC, e o contraponto da mídia se afogou na mentirada do Príncipe da Moeda (licença, colega Gilberto Vasconcelos).

Olha só o "Erramos" da Folha de S.Paulo (23/5/01): "A reportagem ?Veja como calcular seu consumo e evitar multa?, publicada no Guia do Racionamento (Especial, pág.3, 19/5) afirmou, erroneamente, que, para não pagar tarifa extra, será preciso reduzir o consumo para chegar à média registrada no ano passado. Mesmo quem cumprir essa meta estará sujeito a tarifa extra se o consumo for maior que 200 kWh/mês. No mesmo caderno, no quadro "Como reduzir o consumo de energia"(pág.5), e no caderno Dinheiro (pág. B6, 22/5). foi omitida a informação de que…" ? e toma lá mais 16 (dezesseis!) linhas de errata. E mesmo o "Erramos" estava errado: não é a média do ano passado, e sim dos três meses centrais, ou de quaisquer outros, em situações especiais. E não são 200 kWh/mês, são 200 kWh no mês. Fora umas duas dúzias de errinhos que encontrei ao folhear o dito Especial, até perder a paciência. Nos demais jornalões não foi nem um pouco diferente, embora a Folha goste de uma correria, de passar na frente de todo mundo, só para quebrar a cara primeiro. Mesmo as revistas semanais, das quais se imagina um pouco mais de tempo para caprichar na edição, neca…

À primeira leitura, parece que um surto de incompetência baixou nas equipe dos jornais e queimou o fusível da boa informação. No caso da Folha, era melhor ter feito um "Acertamos", tantas as mancadas, erros grosseiros e erros técnicos. É muito difícil formar um repórter-engenheiro-eletricista em 15 dias (embora algumas faculdades privadas demorem pouco mais que isso). Na verdade, o que acontece é que os desinfelizes (hoje estou baiano) estão pulando prá lá e prá cá no festival de marchas e contramarchas dos pronunciamentos dos luminares do Ministério do Apagão, mais enrolados que fio de bobina. Eles, os da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (GCE), simplesmente não sabem mais o que fazer, e desligam hoje de manhã o que ficou combinado ontem à tarde.

O encarregado-mor da bagunça, Sua Excia. o ministro geral de desabastecimento de energia, Pedro Parente, deve entender tanto de hidrelétricas, termelétricas e linhas de transmissão quanto eu de aramaico. E nem precisa: o assunto há muito deixou de ser técnico para ser "político" (leia-se não deixar a popularidade de Fernando II, o Limpo, cair mais baixo do que o nível de água nos reservatórios). Era técnico quando os engenheiros da Coppe (e muitos outros) alertaram para a crise.

Agora, é correr atrás do trio elétrico Parente [pronuncia-se Pá-ren-ti]?Zylberstajn [pronuncia-se Tc?llch?b?rs?tarr?n]?FHC [não se pronuncia], de variadas voltagens (com trocadilho) e semelhantes prepotências (sem trocadilho). A mídia impressa quase sempre funciona à base de press releases ou do entrevistas "exclusivas", deixando para depois que alguém melhor informado tecnicamente esclareça as complexidades de algum assunto. Isto até que funciona, em alguns setores como o jurídico, o do entretenimento em geral ou, digamos, o econômico-financeiro. Mas quando a crise é braba, e as resoluções e mudanças de rumo ocorrem em pleno vôo, a coisa complica.

E parece que há uma certa timidez, ou receio de ser chamado de burro (ou de levar um choque elétrico), pois ainda não li em nenhum lugar alguém fazer as seguintes perguntinhas:

1. Se todo mundo que consome mais de 200 kWh conseguir a proeza de baixar 20% no consumo, qual será a economia máxima a que chegaremos? Esta economia é suficiente para afastar o perigo da falência do sistema?

2. Qual o destino da grana arrecadada com o tarifaço e com as multas?

3. Qual é a base legal de cortar a energia elétrica de alguém que paga pelo que consome, ou que precisa de consumir mais para produzir mais?

4. Por que o governo não decreta logo o estado de calamidade pública, em vez de ficar brigando com juízes marcianos ou a OAB ou a associações de donas de casa?

E tem mais, mas deixa para as próximas chuvas. Finalmente:

5. O governo, agora, admite que Itamar Franco tinha razão? Nosso governador corrente-alternada (às vezes alterada) botou para fora das decisões da Cemig os queridinhos estrangeiros, ia defender Furnas à bala, desviar os rios e, pecado dos pecados, investiu em geração de energia!

"Infelizmente, entrar na Justiça virou esporte nacional", disse Pedro Parente. Algum repórter perguntou se é proibido alguém entrar na Justiça para garantir um direito, mesmo que depois isso lhe seja negado?

"Quem recorrer à Justiça e ganhar, vai ganhar de presente o apagão", afirmou David Zylberstajn [pronuncia-se Tchizbérlstáaiijni], também parente (genro é parente, sim ? mais do que por destino, é por decisão ou por precisão), diretor-geral da ANP (Agência Nacional de Petróleo) e doutor em economia de energia (e grossura); mas, ao que parece, inculto em cidadania. Algum repórter perguntou se este tipo de terrorismo besta (como todo terrorismo, aliás) serve apenas para intimidar quem não é "do governo", ou se o papão-Executivo (perdão, crianças) está acima de tudo?

"No meu tempo de adolescente, quando tinha blecaute por causa da guerra, foi a época que São Paulo e Rio de Janeiro estiveram mais seguros", informou José Gregori, ministro da Justiça (contenham o riso, senhores!). Ééééé campiiiããão!!! Descobriu a pórva! Quem sabe o perspicaz ministro (por favor, senhores!) deduziu que assaltantes, traficantes, seqüestradores, violadores de painéis e demais meliantes se borram todos de medo do escuro e preferem conduzir suas atividades em locais bem iluminados? Algum repórter impertinente conseguiu se recuperar e balbuciar alguma reticência?

No começo era o verbo, uma verborragia fácil, afinada, de progresso e mudernidade. A bateria (em todos os sentidos) era de arrasar; os jornais, em uníssonos clarins, proclamavam urbi et orbi a vinda do messias que, montado no cavalo branco do Plano Real, espetava o dragão da inflação até o extermínio e, de quebra, nos levava, donzéis do novo tempo, até a terra da promissão (fica ali em cima, perto de Miami).

Um tempo de festas de roldão, e, como não há banquete grátis, pegamos emprestada uma grana arretada por conta dos ovos da galinha. Esta (a penosa), no começo, até que colaborou: havia frango e dentadura para todo mundo; a mídia, só no coro dos contentes. Teve até "especiais", do tipo "um ano de real", "dois anos de real", etc. etc., que era um luxo só.

Depois, os fogos: rojões, buscapés, cabeça-de-negro: um grande "abafa" pirotécnico e efêmero de luzes, mas duradoro nos efeitos especiais que reelegeram o monarca. Daí por diante, foi só problema: crise do real, quebradeiras diversas, de bancos e de países, vexames de todos os tipos nas festas dos 500 anos, alguma mídia levanta a crista (mas logo abaixa). O foguetório começa a perder o som e a fúria, os jornalões começam a bater ? quando lhes é conveniente.

E tome pancada de todo lado, é o céu encoberto, chovendo denúncia e raios a torto e a direito no lombo de uns e outros ? água, que é bom, muito pouca.

O formoso psitacídeo, como todo mundo sabe, odeia água. E fala (repete) besteiras o tempo todo. Como a água não vem, e a poeira começa a baixar, temos (domingo, 27 de maio):

Jornal do Brasil ? manchete: "?A crise é indesculpável?,diz FH" [pronuncia-se Éfe-agá; o JB anda inovando, cortou o C do FHC; além disso, volta a ser um excelente jornal]. A entrevista é um delírio só, mas pelo menos contribui para a literatura surrealista, em grandes momentos, como, por exemplo, quando liga a economia de energia, por parte dos consumidores, à implantação do GCE. As fotos das pág. 14 e 15 são um convite irresistível a colocar touca e linhada de tricô. Pronto! Grande papagaio.

Folha de S.Paulo: a manchete é "Governo reteve verba contra a seca". Puxa, é mesmo? Não acredito! E a da educação, a da saúde, a da segurança, a do "Avança Brasil"? Imagino que esteja tudo garantido. Mas tem uma coisa que não entendi: um reportagem exclusiva, que acompanha "expedição da Funai que achou novas aldeias isoladas". Ainda não li (um domingo é pouco para 700 páginas de jornais), mas gostaria de saber como é que é "índios tsohom djapá", na foto de capa olhando homens brancos "pela primeira vez", vistam short e camisa, e mini-saia e sutiã. A conferir.

O Globo ? manchete: "Rio pode perder US$ 1 bi com a crise de energia", sem perguntar quem é o responsável por isso tudo. Parte do princípio que tudo é uma espécie de "sacanagem divina", e seja o que Deus quiser, livrando mais ou menos a cara de FHC. Tem também um caderno especial, com poquísssimos erros, satisfazendo minha curiosidade sobre consumo elétrico de torradeiras. E tem Caetano "A estrela baiana sou eu" Veloso, dizendo-se de "saco cheio!", e repudiando qualquer associação com ACM. O maior poeta brasileiro, atualmente (e nos últimos 10 anos, pelo menos, na minha humilde opinião) tira o corpo fora de algumas "associações" que lhe fizeram. Outro papagaio, mas sensato, ou quase, quae sera tamem.

O Estado de S.Paulo ? "nos conformes", mancheteia que "População culpa governo, mas vai economizar". E nos apresenta o bom exemplo de uma família, a Patressi, de classe média alta, que baixou seu consumo de 850 kWh/mês para 680 kWh/mês, desligando desde duas geladeiras, um bebedouro elétrico e rádio-relógio até o motor da piscina. Bravo!

(*) Professor do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Juiz de Fora

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