Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Oposição: SOS Fenaj

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ELEIÇÕES NA FENAJ

Diante do monumental processo de esfacelamento do País via privatizações, doações de patrimônio público, desnacionalização da economia, que contou com o aplauso editorial da grande mídia, a Federação Nacional dos Jornalistas exibiu, no mesmo período, um conivente silêncio, uma emblemática apatia e uma completa alienação diante das grandes questões nacionais.

Munidos de justa indignação e de uma vontade política de colocar a Fenaj ao lado das forças em luta contra a internacionalização do Brasil e contra o seu sucateamento pela ditadura vídeo-financeira, um grupo de jornalistas organizou uma chapa de oposição SOS FENAJ para participar das eleições para a diretoria da entidade, fixadas para julho próximo.

Diante da escassa divulgação do pleito, como de resto do conjunto das atividades da Fenaj, – o próprio Jornal dos Jornalistas que anunciava o encerramento do prazo de inscrição de chapas para 11 de maio só foi distribuído em 15 de maio – a SOS FENAJ encontrou dificuldades para reunir toda a documentação exigida para registro de sua candidatura. Por isso mesmo fez uma solicitação trivial, corriqueira e absolutamente democrática: a prorrogação do prazo de inscrições de chapas para que pela primeira vez em 4 gestões seguidas houvesse uma chapa de oposição. Vale lembrar que prorrogação de prazo é pleito que se registra com freqüência em eleições sindicais, e ocorreu quando da eleição da atual diretoria da Fenaj, em 1998. Aliás, coaduna-se com a tradição democrática da entidade, não raro registrando-se consenso entre as chapas concorrentes para que possa haver o salutar debate democrático de projetos. Diante da drástica redução da participação de jornalistas nas eleições da Fenaj, a participação da oposição deveria ser vista como fortalecimento democrático da entidade. E desejada.

Surpreendentemente, a Comissão Eleitoral, julgou-se sem poderes para analisar o trivial requerimento da SOS FENAJ, que pedia tão somente um prazo para completar a documentação de seus candidatos, mantendo-se intacto o restante do calendário eleitoral. A partir daí foi possível registrar uma curiosa linha de ações coordenadas entre membros da Comissão Eleitoral e a atual presidente da Fenaj, Beth Costa, há doze anos na direção da entidade, candidata à reeleição, sem qualquer intenção de licenciar-se do cargo para tal.

Um bilhete do jornalista Washington Mello, que preside os trabalhos da Comissão Eleitoral, dirigido à candidata à reeleição, ajuda a esclarecer que realmente há muito mais que uma questão de prazos no episódio. O texto manuscrito que revela conluio entre ambos e cabal parcialidade de membros da Comissão Eleitoral diz: "Diga à Beth para preparar o Jacob porque ele pode ser o voto de desempate". A Comissão dividiu-se quanto ao requerimento da oposição para registrar sua chapa. Armando Rollemberg e José D"Arrochella Lobo, defendiam que a participação da oposição engrandeceria o pleito e a entidade. Washington Mello, diretor da TV Bandeirantes-DF e ex-presidente da Fenaj, e Murilo Ramos, diretor da Faculdade de Comunicação da UnB e uma espécie de assessor informal da atual diretoria da Fenaj, votavam contra o pedido da oposição. É aí que surge o bilhetinho, talvez indicando que os lamentáveis exemplos da política brasileira estão fazendo escola. Alberto Elias Jacob, quinto membro da Comissão Eleitoral, e que até então não havia participado de nenhuma reunião, foi deslocado do Rio de Janeiro para Brasília, apenas para o voto do desempate, com gasto desnecessário de uma passagem aérea para os cofres da entidade dos jornalistas. Isto porque o primeiro suplente da Comissão Eleitoral, o jornalista Edgard Tavares, residente em Brasília, a pouca distância da sede da Fenaj, jamais foi convocado diante das ausências do fotojornalista carioca Jacób, da mesma base sindical da presidente da Fenaj. Agravado, Tavares renunciou à Comissão Eleitoral acusando-a de parcialidade. O bilhete de Washington Mello para Beth Costa é uma das peças da ação judicial que a Chapa SOS FENAJ impetra hoje pedindo a nulidade do pleito face evidências de conluio da Comissão Eleitoral com a candidata Beth Costa com prejuízos nítidos para a oposição e para os jornalistas, que correm o risco e conhecer a diversidade de projetos para a sua entidade maior.

As irregularidades não param aí. Mesmo com o bilhete e o voto do Jacob, a Comissão não conseguiu resolver o impasse. Remeteu então o pleito da oposição para ser julgado pelo Conselho de Representantes da Fenaj, quando novamente se verifica que lamentáveis práticas da política brasileira reproduzem-se no meio sindical por ação daqueles que clamam ética na política?mas para os outros.

Da consulta aos conselheiros da Fenaj participaram sindicatos inadimplentes. Descumpriu-se o Estatuto que prevê a constituição de um presidente e de um secretário para qualquer assembléia ou reunião do Conselho de Representantes. A consulta foi presidida pela própria presidente da Fenaj e candidata à reeleição, interessada direta no resultado.

O jornalista Carlos Sperança, não é conselheiro da Fenaj, mas votou. Ele é presidente do Sindicato dos Jornalistas de Rondônia, diretor da Fenaj para a região norte, além de membro da executiva do PFL estadual. Ao invés de alertar, ou repreender ou anular o voto, pois o Estatuto proíbe que diretores da Fenaj atuem como membros do Conselho de Representantes, órgão que fiscalize e aprova as contas da Fenaj, a jornalista Beth Costa simplesmente calou-se diante da ilegalidade, tornando-se conivente , violando ela própria, de uma só vez, o Estatuto e o Código de Ética dos Jornalistas. Claro, Sperança votou contra a inscrição da chapa de oposição. Nem mesmo o exemplo nobre do jornalista potiguar Zilmar Alves, serviu para a presidente da Fenaj evitar seu tropeção no Código de Ética: sendo conselheiro, declarou-se impedido eticamente de votar, já que também é candidato na Chapa da situação. O exemplo sadio de Zilmar, ignorado; e a irregularidade de Sperança, tolerada, admitida e computada na soma dos votos contrários à participação da oposição.

Com o voto do Acre registra-se algo similar aos esforços governamentais dirigidos a alterar a posição de parlamentares quanto a CPI da Corrupção. O primeiro voto é favorável à participação da oposição, horas depois trocado por um voto contrário, sem que o primeiro tenha sido anulado. Diretores e funcionários do Sindicato dos Jornalistas do Acre relataram à coordenação da Chapa SOS Fenaj que o voto foi trocado porque houve uma negociação que resultou na oferta de um cargo melhor para o representante acreano na Chapa da situação. Há dúvidas quanto a votos de alguns outros estados, pois a letra do conselheiro que votou por fax não confere com as assinaturas que deixou nas atas do Conselho, pelo o que a SOS FENAJ está solicitando ao juiz exame grafotécnico de praxe. Num destes casos, ao tentar contato com o Conselheiro de um estado do norte para conferir a votação, a coordenação da SOS FENAJ foi informada por familiares que ele não se encontrava na capital, embora o fax com o seu voto e a assinatura duvidosa tenha partido da cidade onde o sindicato tem sede.

O não licenciamento da jornalista Beth Costa para concorrer à reeleição é outro elemento que intriga e revela os rumos que entidade tem adotado junto com sua omissão nos grandes temas nacionais. Pela primeira vez, um presidente da Fenaj se candidata à reeleição sem desincompatibilizar-se do cargo, o que lhe permite fazer uso da estrutura da entidade durante o período eleitoral, algo tão criticado pelo Pt, partido da candidata pela chapa 1. A estorinha é curiosa: a reforma do estatuto da Fenaj era pauta do Congresso Nacional dos Jornalistas, realizado na Bahia, em setembro passado, para o qual Beth Costa convidou o senador Antônio Carlos Magalhães para a abertura solene do evento. Os delegados não conseguiram reformar o estatuto na Bahia, mas convocaram um congresso extraordinário para 2 meses depois, novembro, realizado no Rio de Janeiro, tendo como pauta única a reforma estatutária. Fora as mudanças de vírgulas e outras alterações inexpressivas, pode-se perceber agora, que o congresso de novembro, com cerca de apenas 40 participantes, alterou apenas dois pontos fundamentais que interferem na eleição que ocorre em julho: suprimiu a obrigatoriedade da desincompatibilização e a proibição do uso político dos cargos sindicais, beneficiando, evidentemente, os candidatos à reeleição. Aliás, distribuído e posteriormente recolhido, o novo estatuto, só foi registrado em maio, quando a oposição questionou sobre qual o estatuto em vigor. Portanto, verificou-se que as regras do jogo foram alteradas de forma a beneficiar os próprio ocupantes dos cargos, a exemplo do que foi alvo da crítica oposicionista quando o atual presidente da república influenciou o congresso para dar-lhe sua própria reeleição.

Outras irregularidades no processo eleitoral estão sendo comunicadas diretamente à Justiça pela chapa SOS FENAJ que irá lançar documento público a ser divulgado amplamente entre os jornalistas e para toda a sociedade, na qual responderá documento da chapa 1. Nele a oposição é acusada de pretender tão somente "tumultuar" as eleições da Federação. A acusação é de difícil compreensão, já que a chapa SOS FENAJ tem a participação de profissionais conhecidos na imprensa do país. Entre outros, o colunista Carlos Chagas, agudo crítico dos efeitos nefastos do neoliberalismo sobre o Brasil, o articulista Rubem Azevedo Lima, do Correio Braziliense, o mineiro Luiz Carlos Bernardes, âncora da TV Bandeirantes-MG, Beto Almeida, âncora da TV Senado, Mário Augusto Jakobskind, da Tribuna da Imprensa, Hélio Doyle, professor de jornalismo da UnB, Nilton Viana, editor do Jornal dos Sem-Terra, Paulo Miranda, da TV Comunitária , os nordestinos Milton Alves e Rita Oliveira e tantos outros não citados aqui para preservar-lhes das conhecidas retaliações patronais. O patrono da chapa SOS FENAJ, por afinidade ideológica e compromisso de luta, é o saudoso Barbosa Lima Sobrinho.

Em síntese, ao buscar inscrever uma chapa para o pleito da Fenaj e realizar um pleito trivial e democrático de mais tempo para complementar a documentação, a oposição percebeu muito mais que intolerância que rompe com a tradição conquistada nos pleitos anteriores, quando por consenso foram desenvolvidos esforços para ASSEGURAR a participação de todas as correntes de opinião, quando agora documento da Chapa 1 afirma ser contra a prorrogação de prazo para a inscrição da oposição. Percebeu-se ainda que as irregularidades na conduta de membros da comissão eleitoral, a cabal vinculação entre comissão eleitoral e a chapa da situação, a aceitação de votos de não conselheiros, os esforços para a mudança de votos já emitidos, a não divulgação da eleição em tempo hábil, conforme reclama também o Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, que tudo isto, é continuidade de uma política de silêncio e omissão da Fenaj diante do papel coadjuvante da mídia para conduzir o Brasil ao túnel no fim da luz, através da privatização, da transferência de patrimônio público a preços negativos, da destruição da legislação trabalhista, da sabotagem à estrutura produtiva do país.

A chapa SOS FENAJ quer inverter radicalmente os rumos atuais da Fenaj . Quer convocar os jornalistas à luta contra este processo que faz com que hoje 70 por cento do PIB nacional já esteja em mãos do poder econômico no exterior. Quer questionar e lutar contra um modelo econômico que faz com que 90 por cento dos brasileiros não tenham acesso à leitura de jornais e livros. Quer estimular o jornalismo comunitário, cooperativo, fortalecer o modelo público de radiodifusão, impedindo que volumosos recursos público continuem direcionados ao conglomerados privados da mídia. Quer pensar numa saída para os 8 mil novos jornalistas que se formam a cada ano pela indústria de diplomas sem que o mercado lhes dê qualquer perspectiva. Quer defender o audiovisual nacional, hoje ocupado em 75 por cento por imagens exclusivamente norte-americanas. Quer sintonizar os jornalistas com a luta por transformações sociais que promovam a reforma agrária, educacional, urbana, a preservação inteligente do meio-ambiente, a superação do analfabetismo, a eliminação das doenças endêmicas e defesa intransigente da soberania nacional, aqui entendida como direito do povo de definir seu próprio destino bem como seu modelo de sociedade e de economia, longe das interferências externas.

De fato, há muito mais que uma questão de prazos no episódio.

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