Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mino Carta

ASPAS

FHC & GIANNOTI

"O Febeapá Chega Ao Apogeu", copyright Carta Capital, 6/06/01

"Da cruz, cristo pediu ao Pai Celeste: ?Perdoai-os, não sabem o que fazem?. Os que não sabem o que dizem talvez possam ser incluídos na categoria dos perdoáveis. Resta ver onde encaixar o presidente Fernando Henrique, apesar da forte tentação de catalogá-lo na faixa dos contribuintes ao clima fascista que, segundo o próprio, infelicita o País. Como encarar a passagem da célebre entrevista a Tereza Cruvinel, em O Globo, em que o presidente prevê o enterro da democracia caso a oposição insista no golpismo sem armas e a imprensa na leviandade? Anote-se outra tentação, igualmente poderosa: a de vê-lo como sócio remido do Febeapá, criado, nos melhores tempos deste País humilhado e ofendido, por Stanislaw Ponte Preta, de excelente memória. O Festival de Besteiras que Assola nossa imensa terrinha. O Lalau do bem sustentava a contemporaneidade do Febeapá, mas, em comparação aos dias de hoje, aquilo era brincadeira de crianças. O fascismo, todos sabem, é regime totalitário. Aqui, nem o Estado Novo nem a ditadura militar precisaram ser totalitários. Com o perdão pela observação: o totalitarismo se recomenda para aplastar sociedades mais evoluídas, sofisticadas. Nas nossas paragens, a Idade Média de muitos pontos de vista não se encerrou, aceita-se ainda o direito divino como atributo do poder, 1% da população é dona de 50% das terras agriculturáveis, a escravidão não terminou e metade da nação vive na miséria, sem acesso à consciência da cidadania. Etc., etc. Pode-se entender fascismo no sentido lato. Neste domínio, a elite nativa é imbatível. Aos amigos tudo, aos inimigos a lei, não é mesmo? Com todas as conseqüências, na azeitadíssima conjugação entre prepotência e incompetência, desmando e arrogância, vulgaridade e ignorância. Se isso tudo vale como sinônimo de fascismo, então nada é mais fascista que o pacotão do apagão. Fascistas, na acepção fernandista, são as medidas provisórias, a política econômica, a Escola, a Previdência, o monopólio, e assim por diante. Infelizmente, os padrões definidos pelos donos do poder contaminam o País onde têm chances de vicejar. Exemplo: o esforço concentrado do PT de São Paulo, esforço de longos anos, para controlar o partido e cercear o surgimento de lideranças nacionais afora as paulistas, a começar pela candidatura vitalícia de Lula à Presidência da República. Trata-se de exemplos que acabam por impregnar o Brasil do Oiapoque ao Chuí, e a impor um estilo de vida afastado de maiores compromissos éticos e, portanto, estéticos, conforme explicaria um filósofo da antiga Grécia. Nesta edição, CartaCapital vasculha o momento em busca de sintomas do fascismo entre aspas, em um trabalho a quatro mãos, assinado por Bob Fernandes, enviado especial a uma noitada diante do vídeo, e pelo abaixo assinado."

"Fascismo", Folha de S. Paulo, 3/06/01

"Em entrevista ao jornal ?O Globo?, o presidente Fernando Henrique Cardoso exorcizou uma certa ameaça fascista que disse rondar o seu governo. Muitos consideram um exagero conferir importância ao que é apenas uma justificativa para os tormentos do segundo mandato, a maré montante de decepção e revolta contra os percalços da estratégia tucana.

Seja como for, FHC, em suas queixas e temores, talvez pudesse ter-se lembrado de Karl Polanyi. Ao estudar o avanço do fascismo nos anos 20 e 30, Polanyi concluiu que não se tratava de uma patologia ou de uma conspiração irracional de classes ou grupos, mas, sim, de forças gestadas nas entranhas do capitalismo desregrado. Ele argumentava que o colapso do mercado auto-regulado tinha engendrado o seu contrário: a superpolitização das relações sociais.

A disciplina da mão invisível teve de ser substituída pela tirania visível do chefe. A política passou a ser exercida pela polícia que começa a invadir todas as esferas da vida social, como se fossem suspeitas quaisquer formas de espontaneidade.

Herbert Marcuse escreveu um pequeno e definitivo ensaio, ?O Estado e o Indivíduo no Nacional-Socialismo?. Marcuse, como Marx, considerava a ordem liberal-burguesa -em que o exercício da soberania e do poder deve estar submetido ao constrangimento da lei impessoal e abstrata- um grande avanço da humanidade. Mas procurou demonstrar que a ameaça do totalitarismo está sempre presente nas engrenagens da sociedade capitalista. Para ele, é permanente o risco de derrocada do Estado de Direito: os interesses de grupos privados, em competição desenfreada e enfrentando a pressão dos de baixo, tentam apoderar-se diretamente do Estado, suprimindo a sua independência formal em relação à sociedade civil.

Selvagens são os poderes que crescem no interior da sociedade civil mediante a acumulação de ?instrumentos? de vários tipos, sem qualquer freio ou limite constitucional e que tendem a controlar o poder legal. O fato é que há, no capitalismo moderno, um trânsito contínuo de pessoas e de dinheiro entre as esferas do poder: do ?big business? à grande política, da burocracia pública às corporações do ?mass media?.

No mundo moderno, diz Michelangelo Bovero em seu último livro, o poder econômico, em estreita aliança com os meios de comunicação, lidera a escalada do poder sem freios dentro da sociedade. Isso não impede, mas, ao contrário, estimula a luta das burocracias e das instâncias de poder no interior do Estado. Entre as aberrações de nossa época, certamente a menor não é a prepotência de governantes ou funcionários que, a pretexto de acelerar as reformas, enfrentar crises ou fazer justiça, violam sistematicamente as leis, cuja observância têm o dever funcional de garantir.

A concentração e a confusão de poderes são responsáveis por dois fenômenos gêmeos, funestos para a ordem democrática: a apatia popular e a busca de heróis vingadores, capazes de limpar a cidade (ou o país), ainda que isso custe a devastação das garantias individuais. Nessa cruzada antidemocrática, militam os governantes que editam e reeditam medidas provisórias, os senadores que invocam as próprias virtudes para justificar a violação do decoro parlamentar, os procuradores que fazem gravações clandestinas ou inventam provas e os jornalistas que, em nome de uma ?boa causa?, tentam manipular e ludibriar a opinião pública.

A social-democracia à brasileira pretendeu empreender uma reforma do Estado, conluiando-se com as forças políticas mais reacionárias e retrógradas do país, entregando a soberania aos caprichos dos mercados e ao poder americano. A turma de Collor é quase a mesma que votou em FHC. Não se fala aqui das pessoas, mas daquelas forças sociais sempre dispostas a reinventar sátrapas do Império. Essa gente não tem estatura histórica suficiente para desatar o fascismo.

Os crédulos estão desapontados com a derrocada do projeto cosmopolita e privatista, os espertos estão ocupados em calcular o valor, em moeda forte, de sua parte no butim. Afinal, daquela imponente arquitetura desenhada nas pranchetas do novo renascimento, sobraram a vulnerabilidade externa da economia, com seu dólar indomável e a hiperanunciada crise energética. Um primor em matéria de fracassomania. Há grande ansiedade para saber quem será escolhido para defender essa corrente de pensamento nas próximas eleições.

Na democracia brasileira -escrevi certa vez em parceria com o professor Eros Grau-, as massas não exercem participação permanente no Estado, são apenas eleitoras. Em determinados momentos, contudo, elas despontam, na busca, atônita, de uma ética -qualquer ética-, o que irremediavelmente nos conduz ao ?olho por olho, dente por dente?. Passada a ira e arrefecida momentaneamente a competição pelo ibope, a coisa volta ao normal."

"Denúncia x denuncismo", copyright O Globo, 28/05/01

"O presidente da República, político hábil e conhecido por sua notável capacidade de engolir sapos, teve o seu dia de pavio curto. Em telefonema a Tereza Cruvinel, colunista do GLOBO, FHC manifestou sua indignação com a divulgação, pela ?Veja?, de que teria demitido Francisco Lopes do Banco Central sabendo que ele fora chantageado. ?A leviandade da imprensa e o golpismo sem armas da oposição criam um clima de fascismo e terror moral insuportável?. ?As tripas do governo estão abertas, tudo continuará sendo investigado. Continuarei garantindo a liberdade dos que me atacam, mas não vou aceitar que tentem me chamar de corrupto,? desabafou o presidente. FHC disse que Francisco Lopes foi demitido porque ?fez tudo errado? na desvalorização do real. E acrescentou: ?Só neste ambiente neo-udenista contaminado, onde basta insinuar, onde se escreve o que se deseja, pode surgir a estarrecedora suposição de que nomeei uma pessoa que sabia desonesta.? Para o presidente, desta forma a oposição não chegará ao poder: ?A luz amarela está acendendo. Se a eleição ocorrer neste clima, quem vai segurar o país?? E acrescentou: ?Tentem ganhar a eleição com um programa. Lula não chegará ao Alvorada com CPIs.?

A reação presidencial, forte e desproporcionada, mostra um governante que, aos poucos, vai manifestando os sintomas da síndrome crepuscular: isolamento, desconfiança e irritabilidade. As críticas da oposição podem ser inconvenientes para o governo e para o bom desempenho da economia, mas, por óbvio, não são capazes de balançar o regime. O descontrole presidencial não bate com o atual estágio da democracia brasileira. De fato, felizmente, o Brasil já não manifesta os sintomas de instabilidade institucional, marca registrada de um passado de triste memória.

O desabafo de FHC contra a suposta leviandade da mídia, independentemente de sua extemporaneidade, deveria, no entanto, soar como um alarme em todas as redações. Um perigo ronda o trabalho da imprensa em época de crise: o vírus da competição e a patologia da precipitação. O bom jornalismo é aquele que tem a coragem de esquecer a concorrência e optar pela notícia bem apurada. Os riscos de instrumentalização da imprensa são evidentes. Por isso, as denúncias e os indícios devem ser escrupulosamente comprovados. Na verdade, o submundo da política pode enredar a mídia num espetáculo antijornalístico. E a imprensa, fascinada pelo brilho da grande manchete ou pela força de uma capa, corre o risco de malbaratar o seu maior capital: a credibilidade.

Denúncias e CPIs têm brotado como cogumelos. Punição, no entanto, é produto mais escasso que luz em tempo de apagão. Entre muitas causas da impunidade, as mais freqüentes têm sido denúncias malfeitas, com base em inquéritos amadorísticos, e, sobretudo, a exagerada publicidade em torno de fatos que, por isso, acabam rigorosamente nos fornos das pizzarias.

A síndrome do denuncismo é uma ameaça ao jornalismo de qualidade. Assistimos, freqüentemente, a uma guerra de audiência que passou a ser medida pelo número de dossiês publicados nos jornais e revistas ou veiculados nos telejornais. Sobram acusações, mas falta análise da procedência e da qualidade da denúncia. Declarações de estelionatários são suficientes para produzir chamadas de capa.

Estamos mergulhados numa perigosa competição. Se não dermos, raciocinamos com a lógica do mercado, a concorrência pode dar. O resultado dessa equação é a derrota da informação, o desserviço ao cidadão e, freqüentemente, um tiro certeiro na honra alheia.

A sociedade brasileira está começando a ficar cansada do clima de show que tomou conta das manchetes dos jornais e dos palanques da acusação. Quer menos espetáculo e mais consistência. Quer menos estardalhaço e mais criminosos na cadeia. O esvaziamento das denúncias compromete, e muito, a força do jornalismo investigativo.

É importante que todos os que temos uma parcela de responsabilidade na formação da opinião pública revigoremos uma verdade redonda: a responsabilidade ética (que não é omissão) é o melhor investimento.

O denuncismo deve ser combatido. Mas o receio de cometer injustiças não pode ser um álibi para covardias editoriais. A solução, embora complexa, não é tão difícil. Basta combinar o ímpeto do jovem repórter com a prudência do velho editor."

    
    
                     

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