TELEJORNALISMO
A cobertura internacional de notícias para televisão sempre foi uma verdadeira guerra. Um mercado altamente competitivo entre as grandes agências internacionais como a tradicional Reuters inglesa, a poderosa americana APTN e a prestigiosa CNN. Todas lutando por contratos milionários junto às emissoras de tv de todo o mundo. Funciona da seguinte forma: os departamentos de telejornalismo assinam acordos com as agências que fornecem, diariamente, pacotes de notícias com os principais eventos internacionais. Um pacote fechado que normalmente procura satisfazer o interesse dos editores especializados e o apetite do público, por todo o tipo de notícias internacionais. Guerras, desastres, eventos e muitas, muitas bobagens ou melhor, curiosidades bizarras, os fait divers, aquelas notícias que mostram gente e animais fazendo coisas "estranhas" ao redor do planeta. Um verdadeiro show de imagens para ilustrar o telejornal, manter uma audiência cada vez mais distante das notícias sérias ou simplesmente para evitar aborrecer o telespectador com o seu poderoso controle remoto. Uma busca frenética por estórias exclusivas ou por ser, simplesmente, o primeiro a veicular as imagens de um evento de interesse internacional.
No entanto, matérias importantes e bem produzidas para TV, demandam muito trabalho, tempo e dinheiro. A cobertura internacional, muitas vezes, se resume às lapadas ? aquela passagem de imagens durante poucos segundos que contam tudo sobre as enchentes em Bangladesh que mataram milhares de pessoas. Ou então, pode ficar restrita às apresentações dos correspondentes internacionais que descem o elevador, atravessam a rua e mostram o mundo inteiro… de Londres ou Nova York. Afinal, cobrir eventos em países distantes dá trabalho, demanda tempo mas também é, insisto, muito caro. Em épocas de vacas magras e cortes generalizados, são exatamente as notícias internacionais as que mais sofrem. Não é à toa que os blocos internacionais dos noticiários são cada vez menores, pouco produzidos e um risco constante de queda de audiência, constatada pelas temidas aferições eletrônicas instantâneas do Ibope. Culpa-se, novamente o público, que não se interessa pelo que acontece em lugares distantes como Israel, mas também torna-se muito conveniente e mais barato continuar falando somente sobre a sua própria cidade. Ou então, como no caso dos nossos telejornais, simplesmente, das notícias de… Brasília!
Esta é uma discussão recorrente no meio jornalístico de quase todos os países. Afinal, o público não se interessa mais pelas notícias internacionais ou ele não se interessa porque a cobertura é, simplesmente, ruim! Um estudo recente divulgado pelo governo e TVs britânicas, sob o título Viewing the World, a study of British TV coverage of developing countries, procura lançar respostas a este problema com a utilização de técnicas aprimoradas de pesquisa em recepção. Uma tentativa de encontrar, senão "respostas definitivas", pelo menos "indicações" junto ao público inglês, tradicionalmente mais afeito à cobertura internacional, sobre as verdadeiras causas e efeitos dessa tendência de desinteresse pelo noticiário internacional. Para surpresa geral, o estudo revela que o público continua interessado em notícias internacionais nos telejornais. Logo, o público não é o culpado.
No entanto, mesmo havendo um público-alvo definido, a cobertura internacional de notícias para TV é, indiscutivelmente, um negócio caro e sensível. Envolve uma alta tecnologia e é extremamente suscetível às pressões políticas. Cobrir um evento, seja ele um conflito nacional, a queda de um avião ou um terremoto é sempre motivo de longas e delicadas negociações com os governos locais e está sempre limitado, principalmente, pelas possibilidades técnicas de transmissão de imagens com qualidade, via satélite. Muitos países ainda possuem empresas de telecomunicações estatais controlando e monitorando todas as transmissões de matérias produzidas, tanto pelas equipes locais como pelas equipes visitantes estrangeiras. É um controle técnico ? mas também político ? extremamente criterioso.
A questão-chave para todos os jornalistas fica sempre resumida ao acesso rápido e seguro a um ponto de geração. Ou seja, para se transmitir uma matéria jornalística para TV, uma equipe depende da boa vontade das emissoras como a Globo e de empresas como uma Embratel para mostrar o que, por exemplo, estaria "realmente" acontecendo com os índios Yanomami no meio da Amazônia durante uma epidemia. Além da possibilidade de censura, existe a questão logística. Como obter autorizações e transportar unidades móveis de geração de imagens ou encontrar emissoras locais para transmissão?
Tive a minha própria dose de frustração ao tentar gerar para fora do país matéria sobre um evento que "não estava acontecendo" (sic): a primeira manifestação pelas Diretas já, em São Paulo. Uma negociação delicada, onde uma das partes insistia que aquilo não passava de uma comemoração do "aniversário da cidade de São Paulo com artistas de TV". Não se tratava somente de uma diferença semântica restrita às manchetes. Significava gerar ou não gerar as primeiras imagens do início do maior movimento político de um país chamado Brasil para todo o mundo. E tudo dependia de encontrar um ponto de geração e uma autorização política interna. Deve-se ou não gerar para o mundo algo que a empresa ou o governo não considera "apropriado"?
Mas agora, não mais. Afinal, nem sempre a tecnologia é ruim. Chegou o Videofone, uma tecnologia que já está revolucionando a cobertura de notícias internacionais e criando uma grande dor de cabeça para os controladores de notícias de todo o mundo. Trata-se de uma pequena maleta que pode ser transportada por qualquer jornalista e inclui um laptop, uma pequena antena, um telefone celular via satélite que permitem acesso instantâneo e de qualquer lugar à internet criado por uma empresa britânica, a 7E Communications. Ou seja, o que estava restrito aos videojornalistas, aqueles "guerrilheiros" solitários em busca das notícias para TV, com suas câmaras digitais e um faro por fatos inusitados, agora explode com a possibilidade não só de produção mas também de transmissão de matérias para TV via internet. Rápido, simples, com baixo custo e longe da censura.
A CNN International conseguiu "furar" as demais agências internacionais graças à essa tecnologia revolucionária na cobertura da libertação dos militares americanos, presos num verdadeiro "fim de mundo", em Hainan, na China. Parece que a CNN aprendeu com a experiência das imposições de Saddam Hussein para a histórica cobertura do bombardeio de Bagdá, no Iraque, durante a guerra do Golfo. Em Hainan, imagens exclusivas foram geradas 25 minutos antes de qualquer competidor por uma pequena equipe local que utilizava o Videofone. As grandes agências perderam o "furo" apesar de suas sofisticadíssimas e caríssimas unidades móveis via satélite estacionadas em locais estratégicos e autorizadas pelas autoridades locais, todas aguardando para gerar as primeiras imagens com "maior qualidade" de transmissão. Uma verdadeira linha de chegada para o primeiro colocado. Neste negócio milionário, alguns segundos significam "exclusividade", acesso imediato ao telespectadores de todo o mundo, principalmente para as TVs segmentadas com 24 horas de notícias.
É claro que a qualidade das imagens do Videofone não é a mesma dos sistemas tradicionais, mas a agilidade ao ilustrar uma notícia internacional ainda é uma questão prioritária. Discute-se a necessidade de uma apuração melhor e mais segura das notícias, mas ainda existe um compromisso com a "urgência" natural do meio televisivo. Surgem questões éticas em relação à propriedade, segurança e os limites da profissão de jornalista em áreas de conflito ou sob controles nacionais. Mas é indiscutível o valor jornalístico dessa nova tecnologia. O custo operacional também é significativamente inferior mas a questão maior, pelo menos para quem já sentiu na pele a frustração de se ver impedido de gerar a sua matéria, ainda é a questão política.
Foi dado um passo muito importante para a "democratização" do noticiário internacional de televisão. Cabe, agora, à toda uma nova geração de "guerrilheiros das notícias", quebrar o monopólio das agências internacionais e começar a mostrar como todos nós realmente vivemos além das nossas próprias fronteiras. Globalização e conectividade também devem incluir um maior acesso ao mundo das notícias para TV. O objetivo é uma maior integração entre as novas tecnologias, a velha televisão e o grande público, mas o efeito pode contribuir para diversificar uma pauta sempre tão repetitiva e previsível nos blocos internacionais dos nossos telejornais.
É importante discutir a relevância de uma boa apuração das notícias e não, simplesmente, uma luta contra o tempo. Mas criar um acesso mais livre, rápido e econômico às notícias de todo o mundo pode fazer "milagres" para recuperar o envelhecimento do público e uma queda generalizada de audiência nos telejornais de todo o mundo.
Também é bom lembrar que, no Brasil, já tivemos uma boa cobertura internacional de notícias para TV, com jornalistas importantes fazendo um trabalho pioneiro ? como Heron Domingues, Lucas Mendes, Sandra Passarinho, Carlos Castilho, Hermano Henning e tantos outros em inúmeras e memoráveis coberturas internacionais. O Videofone é só mais uma tecnologia, uma ferramenta poderosa para o melhorar o noticiário internacional na TV. Uma tecnologia a espera de bons jornalistas e de novas estratégias editoriais que valorizem o nosso conhecimento diário do mundo.
O público, com certeza, não é nunca o culpado.
(*) Jornalista de TV, coordenador do curso de Comunicação Social da Unicarioca e professor de telejornalismo da UERJ.