Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Coelho

ENTREVISTA / HILDEGARD ANGEL
Celina Côrtes e Renato Velasco

"A porta-voz da elite", copyright IstoÉ, 11/06/01

"A high society está em polvorosa. A responsável é Hildegard Angel, colunista do jornal O Globo, que não pára de provocar calafrios nos mais altos escalões da sociedade carioca. A última bomba foi a ação de reconhecimento de paternidade contra o já falecido gentleman Walther Moreira Salles, poderoso fundador do Unibanco e pai do cineasta Walther Salles Júnior, o Waltinho. O escândalo chegou a Hilde por meio de amigos. Uma semana antes, outra notícia explosiva: a separação da louríssima Ariadne Coelho do Rei das Quentinhas, Jair Coelho. No início de abril, foi a vez de revelar que Francisco, primogênito da socialite Lourdes Catão, na realidade seria filho de outro Francisco, irmão de seu marido, Álvaro. ?Isso tudo só pode ser conjunção astral?, especula Hildegard com humor, sobre o período tão fértil.

Aos 51 anos, a colunista famosa e ex-atriz, não esboça sinal de abandonar suas investidas. Seu modelo é a czarina da elegância americana e amiga Eleanor Lambert, que mantém, aos 96 anos, um bem-sucedido escritório de relações públicas em Nova York. O motor de Hildegard certamente não é a necessidade. Está feliz com o empresário Francis Boghossian, que assumiu a paternidade do filho João Pedro, 17 anos, nascido da união com João Rezende, colunista social já falecido. Vive em uma cobertura na elegante avenida Atlântica, em Copacabana. A decoração é clássica e mal dá para ver o piso de mármore, de tantos tapetes persas. Mas Hilde é uma mulher sem afetação. Workaholic assumida, além da coluna, mantém o Instituto Zuzu Angel em homenagem à mãe, uma estilista de fama internacional morta num acidente suspeito em 1976, quando denunciava militares pelo assassinato do filho Stuart Angel.

Em 1994, ela já surpreendia ao cunhar o termo ?sociedade emergente?, para designar gente produtiva que subiu na vida. Agora, lamenta que alguns deles estejam caindo na tentação do falem mal, mas falem de mim. ?Eles têm que se dar ao respeito?, diz, como em defesa da cria.

ISTOÉ – Como a sra. chegou ao escândalo Moreira Salles?

Hildegard Angel – Fontes não se revelam. Soube da história e, como já conhecia Maria da Aparecida (mãe de José Roberto Pacheco, suposto filho do banqueiro), avisei que iria publicar. Ela achou melhor contar tudo, para a revelação sair de forma respeitosa. Mostro o comportamento da elite. Entrar em julgamentos não é chique e eu não faço isso, apenas reporto. Não faço futrica, não entro no cheirou, desmunhecou.

ISTOÉ – E ao dos Catão?

Hildegard Angel – Também por meio de amigo. Por ética, telefonei para Lourdes Catão três dias depois de começar a apurar a história. Não podia soltar a notícia sem ouvi-la. Sua confirmação foi fundamental, deu mais substância à informação. Os Catão, os Guinle, o Jorginho, mesmo empobrecido, os Paula Machado, os Nabuco são personagens importantes que ficaram preservados, que mantiveram seu carisma e dignidade.

ISTOÉ – Este assunto não é íntimo demais? Como a sra. reagiria se visse a sua intimidade exposta assim?

Hildegard – Sendo as pessoas que são, por mais que fosse um segredo de Justiça, um dia o caso viria à tona. E ninguém melhor do que eu para divulgar uma história como essa. Não que eu seja melhor do que os outros, mas tenho um traquejo que me permite manter um relacionamento franco com essas pessoas.

ISTOÉ – Como a sra. interpreta histórias novelescas como essas? Está mais difícil preservar a intimidade?

Hildegard – Esses dramas familiares são mais corriqueiros do que imaginamos. Por outro lado, uma coisa era ser personagem de coluna quando havia um processo natural de seleção, quando o dinheiro e a tradição selecionavam as pessoas. Antigamente as colunas eram lidas por um público segmentado. Hoje todo tipo de leitor lê o jornal inteiro. A informação foi democratizada e a elite se encolheu. Ao mesmo tempo, a violência recrudesceu e gerou o medo de sequestro. Também há o Imposto de Renda. Antes banqueiros quebravam, davam prejuízos enormes e mantinham o mesmo trânsito social. Hoje eles continuam quebrando e dando prejuízos, mas se fecham. Além disso, a superexposição não é mais de bom tom, não é politicamente correta.

ISTOÉ – Como é conviver com essas pessoas nas festas e depois publicar notícias que possam constrangê-las?

Hildegard – As pessoas esperam de mim essas revelações. Tudo é questão de tom. No caso dos Catão, se não fosse eu, outros publicariam. Não vou sair por aí dizendo quem é bígamo, com duas famílias montadas. Sei de casos no Brasil inteiro. Acontece que tenho de manter minhas fontes. A notícia tem um limite, que é o respeito pelo outro. Não se pode ir com sede ao pote, tudo na vida é uma questão de dosagem.

ISTOÉ – A alta sociedade de hoje é mais ou menos glamourosa que a de 20 ou 30 anos atrás?

Hildegard – O glamour hoje é diferente. Para começar, há muito mais recursos. A pessoa dá um telefonema e monta um toldo espetacular ou aluga 300 cadeiras douradas. As festas estão grandiosas e cenográficas. Antes talvez houvesse mais requinte. Já fui a uma festa com docinhos que reproduziam os rostinhos das pessoas em delicados biscuits. Não existe mais mão-de-obra para esse tipo de preciosismo. Já as festas infantis viraram coisas mirabolantes. Outro dia fui a uma festa dos filhos da arquiteta Fátima Brizola, na Barra, onde havia uma minifazenda, com todos os bichos de verdade.

ISTOÉ – Quem são os que amam aparecer? E os que desejam desaparecer?

Hildegard – Adoram os que têm objetivos profissionais, como uma Maria da Glória Antici, que faz banquete, ou a Claudine de Castro, que ajuda a filha Maria Amélia a divulgar seus maravilhosos desenhos em tecidos. A vaidade deixou de preponderar. Os que detestam são os que têm classe e apreciam a discrição. Não se vê gente de categoria abrindo o closet, é um exibicionismo. Por aí já se vê quem é quem. A gente não vê nas revistas pessoas com estantes de livros, só home theaters.

ISTOÉ – O que são exatamente os emergentes?

Hildegard – Esse termo se descaracterizou. Alguns se outorgaram o título e entraram no delírio do novo-rico, aparentando o que não são. Vera Loyola, por exemplo, é formidável, mas às vezes se perde vestindo o personagem que lhe direcionam. Vera não pode se deixar ridicularizar, tem que se dar ao respeito. Emergente não é uma caricatura. É o self-made man americano, só que brasileiro."

MULHERES & REVISTAS

"Feminilidade aparece como hobby em revistas femininas", copyright Folha de S. Paulo, 9/06/01

"Fico bastante intrigado com a quantidade de revistas femininas à venda nas bancas de jornal. São de todos os tipos: há uma revista para adolescentes, outra para adolescentes um pouco mais velhas, uma terceira para as que ainda não são adolescentes, outra para as donas-de-casa com 30 anos, outra para as donas-de-casa com 30 anos de baixo orçamento, outra para as solteiras de 35…

As variações são infinitas e resultam em produtos praticamente iguais. Ao menos para um observador leigo, tornam-se milimétricas as diferenças de ?perfil? entre as leitoras de ?Elle? ou de ?Cláudia?, de ?Ana Maria? ou de ?Marie Claire?. Não há como fugir das matérias sobre moda, cozinha, decoração, amor.

Falei em diferenças milimétricas, e talvez esse termo possa trazer um início de explicação para o fenômeno. É que um componente significativo da ideologia das revistas femininas está justamente no pressuposto de que qualquer diferença entre as mulheres possa ser minimizada com facilidade.

Por exemplo: não existem mulheres gordas e magras no mundo das revistas. Há apenas o problema dos ?quilinhos a mais?. Filhas, mães e avós podem compartilhar quase sem trauma o mesmo guarda-roupa. A saia plissada da colegial vai bem na mulher mais, digamos, ?madura?, mas até esse termo está provavelmente proibido nas revistas.

A dona-de-casa tem tempo para trabalhar e preparar jantares românticos, mas a sobremesa irresistível não haverá de engordá-la graças aos novos truques para perder a barriguinha, que, apesar de infalíveis, não impedem que também se discuta a eventualidade de uma lipoaspiração.

Esse mundo da total igualdade feminina -em que toda leitora pode comprar o vestidinho curto de meia-estação e posar (com um calcanhar à altura da cintura, como que chutando uma bola) para as ?lentes? do fotógrafo famoso- sobrevive a todo o processo de emancipação da mulher e de corrosão de sua imagem tradicional.

Talvez porque as revistas sirvam, na verdade, menos para atender às reais necessidades de consumo da mulher do que para reforçar uma ?identidade feminina? que, há cerca de 30 anos, julgávamos que a esta altura já teria desaparecido.

De alguma forma, parece que nessas revistas o ?mundo feminino? ou a ?feminilidade? surgem quase sob a forma de um hobby, uma ocupação para as horas vagas, uma fantasia ou uma roupa que a leitora irá vestir no dia em que precisar estar especialmente ?produzida?.

Dentro desse quadro tão restrito, acho interessante que venham surgindo revistas femininas com a intenção de mudar e de acabar com os clichês da ?dona-de-casa moderna? e da ?moda chique, mas prática?. Mas essas iniciativas tendem a ser bastante arriscadas.

Já há um bom tempo acontece uma coisa estranha: as revistas femininas com pretensões mais ousadas -como ?Nova?- vão assumindo um tom de revista tipicamente masculina. O número de junho de ?Nova? traz um ?manual quente para iniciar uma paquera?, que é pouca coisa, entretanto, perto das ?cem idéias explosivas de sexo? que os homens têm a revelar para as leitoras.

Outras revistas seguem, com adaptações, esse caminho. Talvez simplesmente passem a uma nova fantasia. Da fantasia que reforçava a ?identidade feminina?, passariam à fantasia da mulher voraz, da mulher que ?ataca?, que substitui o homem na paquera e no desejo.

Já ?TPM?, ou ?Trip para Mulheres?, é uma aposta mais arriscada, que será interessante ver se vai dar certo. Se as revistas femininas ?ousadas? investem nessa substituição de papéis, mirando sua leitora no modelo do homem que lê ?Playboy?, ?TPM? adota uma outra oposição. Em vez de procurar no macho conquistador o ?outro lado? da mulher, busca sua identidade em apresentar-se como o negativo de qualquer revista feminina que se pudesse imaginar.

Contra a idéia de um ?editorial de moda?, fizeram, por exemplo, um ?editorial de modess?, em que modelos deixavam o absorvente aparecer por baixo da calcinha. O ?outro lado? da leitora típica é também revelado na entrevista impressionante de uma mulher que fez parte do bando de Lampião. Na seção de presentes, há uma camisinha dotada de uma escala de centímetros, que ?baixa o moral de qualquer folgado?.

Um empenho anti-romântico toma conta de ?TPM?, num deboche que se volta tanto contra as revistas para donas-de-casa quanto contra as revistas para a mulher mais moderna. O mais interessante é que a maioria dos cargos de direção da revista é ocupada por homens.

O resultado é muito original. Mas talvez indique -o que não seria má idéia- mais um passo numa crise das identidades sexuais que, levada ao extremo, significaria o fim de todas as revistas ?femininas? ou ?masculinas?. Pois, se toda identidade se reforça por meio de clichês, o impulso para destruí-los tenderia a arrastar consigo, em benefício de maior liberdade individual, os próprios papéis habitualmente atribuídos a cada sexo. Claro que isso -fiquemos tranquilos- há de levar muito tempo."

"Ridículos vampetas", copyright no. (www.no.com.br), 7/06/01

"Não é mais uma daquelas matérias de revista feminina reclamando que falta homem. Problema delas. Não vão encontrar aqui um guia de como achá-los. Na televisão, desistam. Não estão. O sociólogo Sócrates Nolasco acaba de lançar, pela Rocco, o interessante ?De Tarzan a Homer Simpson, banalização e violência masculina em sociedades contemporâneas ocidentais?. O título é complicado, mas a idéia é simples: a figura masculina anda patética, descaracterizada. Já fomos tarzans, vencedores ousados enfrentando os perigos desta selva bruta. A evolução da espécie foi dar em Homer: o perdedor, o fracassado, o lesma. No caso brasileiro, a situação é mais emblemática ainda. Foram-se não só os tarzans, como o Leão é manso e perde uma partida atrás da outra. As feras do Saldanha são abotuadoras de ouro do museu da masculinidade, como o bife mal passado e o Caporal Amarelinho. Os vampetas agora ficam animados apenas quando surge um fotógrafo da G Magazine.

Nolasco não viu, mas além de toda a galeria de infelizes machos de Springfield, a terra de Homer Simpson (Fox, 20h30) e seu pai (abandonado pela mulher, vive num asilo), seu filho Bart (um eterno adolescente, fã do palhaço Krusty) e amigos (todos alcóolatras), além dessas bizarrias há no mundo dos desenhos um outro arremedo de pós-virilidade: o marombado Johnny Bravo (Cartoon Network, 14h e 20h30). Johnny dedica todos seus segundos a ganhar dinheiro, mulher e massa muscular, não necessariamente nessa ordem. É de uma burrice cavalar. Deve ser incapaz certamente de armar o barbeador Gillette Mach 3, um dos únicos lançamentos recentes a investir nos tótens da masculinidade. Pois Johnny, coitado, não consegue conquistar nenhuma das suas metas.

Esta semana Johnny resolveu deixar a barraquinha de suco de limão, seu sustento, com uma menininha da vizinhança enquanto ia ganhar algum na fábrica de pilhas. Primeiro: explodiu a fábrica. Dois: um empresário, depois de se encantar com o suco vendido pela vizinha, contratou-a para dividir os negócios de uma fábrica de refrigerantes.

Papai não sabe mais nada, eis o que dizem os desenhos. O homem é um personagem deslocado em quase todos eles, como o troglodita Silva da Família Dinossauro, também carente de entender o que passa e se safar dessa nova chuva de meteoritos que ameaça a espécie de extinção. Gordos, carecas, ocupados em ficar aparafusando porcas nas fábricas, eles não usam mais barbatanas no colarinho nem canivete suíço, objetos que antes ajudavam a afirmá-los másculos. Perderam o rumo e viraram ratinhos, para continuar com homens televisivos, diante de mulheres que são verdadeiros galisteus de auto-confiança. Sócrates Nolasco repara que as mulheres da família Simpson têm outro status. São equilibradas. Marge era a aluna mais brilhante da faculdade até encontrar o desparagonado Homer. Um dia sofreu assédio sexual no trabalho e não pestanejou: denunciou o tarado.

O humor dos Simpson é uma das jóias da televisão. Flagra com inteligência e um humor ácido, cheio de referências, o assim descaminha a masculinidade nesses últimos 20 anos. Johnny Bravo, embora mais infantil, também usa um pente fino, Flamengo, daqueles que os homens colocavam no bolsinho da camisa, para despentear a cabeleira dos garotos. O homem, que no início da história era o Jim das Selvas, virou um anti-herói, aquele desajeitado deprimido que enche a cara no bar, como Homer Simpson, doido para perder a identidade e as obrigações da carteira histórica. Ou enche os músculos de anabolizante na academia, como Johnny Bravo, louco para parecer um clone daquilo que outrora fora e de quem já não consegue mais sequer copiar o desenho do topete."

    
    
                     

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