JORNALISMO PÚBLICO
"Jornalismo com pressa, governo de exceção", copyright Folha de S. Paulo, 6/06/01
"O que caracteriza o mundo moderno haveria de contaminar as instituições: a pressa. Com a velocidade imprimida aos processos de informação, é natural que o formato e a ética das notícias sofram mutações consideráveis.
A imprensa escrita foi influenciada pela velocidade com que as notícias transitam, mas ainda conserva um caráter analítico e investigativo que exige dos repórteres e dos editores o exercício do pensamento, para analisar, e o exercício do trabalho, para investigar. Mesmo quando o noticiário é prejudicado pelo imediatismo e pela emoção, causa de tantos equívocos, os editoriais e as dezenas de artigos publicados por dia nos remetem a uma interpretação, justa ou injusta, bem elaborada ou mal composta, das notícias.
Já a imprensa eletrônica, cujo modelo foi criado e expandido pelos telejornais da NBC, em seu começo, e pela cobertura contínua da CNN, mais recentemente, submete-se incondicionalmente à velocidade sem reflexão. Por duas razões. Primeiro, porque a notícia está aí, acontece. Onde quer que aconteça, a câmera digital está presente para colher o instante. E como colhe o que importa e o que não importa, fica ao arbítrio do editor pôr no ar o que lhe parece mais interessante. Mas o que o editor põe no ar não é necessariamente o que interessa à sociedade, em geral, ou ao telespectador, em particular. Vai para o ar o que o mercado exige, o que produz emoção e o que produz audiência. Vai para o ar o que interessa ao poder.
Esse mérito de informar o tempo todo o que acontece em toda parte acaba prejudicado pelo fato de que o noticiário empanturra o cidadão de meias informações, meios conhecimentos e meias verdades, fazendo com que o pobre telespectador desista de qualquer reflexão. Não há proposição reflexiva, há imposição cognitiva. Por isso mesmo os telejornais são tão parecidos uns com os outros em sua característica comum de informar muito, muito depressa e sem deixar espaço para a compreensão.
Uma das consequências dessa pressa, da qual o jornalismo televisivo é causa relevante, é o Brasil de hoje. Por uma frívola interpretação da Constituição, tão pouco regulamentada, os Poderes no país contemplam a exceção em vez de exercerem as suas prerrogativas básicas.
O economista Eduardo Gianetti da Fonseca chamou-me a atenção para uma realidade sensacional: todos os três Poderes trabalham pelo avesso e por exceção. Ocorreu-me a idéia de que esse oportunismo de legislar, governar e julgar, sempre obedecendo aos mesmos parâmetros do noticiário, cristalizou um paradoxo nocivo. O governo legisla por medida provisória, que é um instrumento de exceção. O Legislativo, em vez de legislar, se manifesta por meio de CPIs, que são um recurso de exceção, e o Judiciário prejulga por meio de liminares, também um rito de exceção. E assim caminha a nação, com todos os Poderes fora dos trilhos, mas oferecendo uma fascinante pauta para a imprensa.
Sem nenhum farisaísmo com relação ao noticiário produzido pelo jornalismo das TVs comerciais, mais afeito ao mercado, e pelo jornalismo estatal, mais afeito à propaganda dos governos, a TV Cultura procura uma terceira via, a do jornalismo público. Trabalhamos nisso há três anos. Convocamos um seminário internacional para este começo de junho e vamos debater conteúdos e formatos disso que se denomina jornalismo público, distante do poder e do mercado. Basicamente trata-se de um jornalismo voltado para os interesse da sociedade e do telespectador, mais analítico, menos emocional, com mais reflexão. Nem mais nem menos ético do que os outros formatos, apenas com uma ética pública, republicana.
Esperamos que tal jornalismo ajude a sociedade a exigir das instituições e dos Poderes que eles pratiquem um trabalho regular em benefício do povo e não façam da exceção e da pressa a razão de ser de sua própria exposição. (Jorge da Cunha Lima, 68, jornalista e escritor, é diretor-presidente da Fundação Padre Anchieta e presidente da Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais)"
"O futuro do jornalismo público a serviço da cidadania na AL", copyright O Estado de S. Paulo, 11/06/01
"O que é jornalismo público? Esta questão foi discutida no 1? Seminário Latino-Americano de Jornalismo de TV Pública e IV Reunião da Comissão América Latina da AITED, que começou na quarta-feira e foi encerrado ontem, em São Paulo. Reunindo representates de TVs educativas da América Latina, Inglaterra e França, o seminário apresentou alternativas ao modelo de TV comercial e discutiu aspectos como direito à informação do cidadão, ética e audiência.
Para o presidente da TV Cultura, Jorge da Cunha Lima, jornalismo público é uma terceira via entre a TV comercial e a TV estatal. Sua pauta rejeita os modelos pré-estabelecidos do ?hard news? e aprofunda os assuntos de maior interesse da comunidade, contribuindo para a construção de sua cidadania.
?Devido à pressa e à briga pela audiência, o jornalismo das emissoras comerciais privilegia a tragédia, o factual e a quantidade de informações, mas não dá tempo para que o telespectador reflita sobre as reportagens?, explica. ?Enquanto a TV estatal é refém dos interesses do Estado, a TV pública é um espaço independente da política, mercadológica e intelectual?, completa. Um dos melhores exemplos de jornalismo público é o praticado pela emissora britânica BBC. ?Ela possuiu uma programação de extrema qualidade e imparcialidade. Mas isso só é possível porque conta com uma ótima verba e independência?, comenta Cunha Lima. Para assegurar a liberdade da TV Cultura, emissora pública que faz parte da Fundação Padre Anchieta, foi preciso buscar recursos com a iniciativa privada. Além do intercâmbio de informações, o seminário já viu contornos de sua primeira parceria concreta, o Convênio de Buenos Aires, que propõe a troca livre de material jornalístico entre todas as emissoras associadas. ?Está mais do que na hora de pararmos de veicular matérias sobre a América Latina produzidas por agências como a Reuters e a CNN e criarmos uma agência pública de notícias latino-americana?, comentou Marco Antônio Coelho Filho, diretor de jornalismo da TV Cultura.
A primeira tentativa de pôr em prática o convênio é Dia Internacional da Criança na TV, programação especial exibida sempre em dezembro que já rendeu 3 Emmys à TV Cultura. ?Fixando um tema e trabalhando desde já, conseguiremos concretizar nossa intenção, produzindo e trocando programas feitos para e pelas crianças?, disse Teresa Otondo, relações internacionais da TV Cultura.
?Além de precisarmos escolher um país para ser a sede, temos de definir como arrecadar verba. Uma saída seria cada uma das emissoras afiliadas contribuir com uma quantia?, apontou Cunha Lima.
Outro ponto abordado no seminário foi a conquista da audiência pelas TVs educativas. Para Coelho Filho, o caminho é apresentar uma programação de qualidade a todas as classes. ?Não há só lideranças nas classes A e B; em todas os estratos da sociedades há líderes que formam opinião?, explicou.
?Nossa ambição não é a mesma das emissoras comerciais; a média da TV Cultura é de 2 a 3 pontos do Ibope. Agora, vamos partir para os 4 pontos?, completou Cunha Lima.
A ética, outro ponto discutido no seminário, também não deve sucumbir às brigas pela audiência e aos velhos estereótipos. ?Na briga pela audiência, as emissoras esquecem o lado positivo de uma notícia. Isso não é esconder, mas abordar o fato de forma diferente?, disse o colombiano Javier Dario Restrepo, da Fundación por um Nuevo Periodismo Iberoamericano."