DIÁRIO DE NOTÍCIAS
"As palavras e as imagens", copyright Diário de Notícas, de Lisboa, Portugal
"A imagem, nomeadamente, a fotografia, ocupa um lugar cada vez maior nos jornais, não apenas como elemento de informação mas também pelo seu carácter apelativo, na medida em que atrai o olhar. É um instrumento poderoso que sublinha e informa, visando, ao mesmo tempo, simbolizar e reproduzir. A credibilidade conferida a uma notícia é susceptível de ser modificada, atenuada ou reforçada por uma fotografia. Pelo facto de registar o ?real?, a fotografia é muito mais forte que outras formas de representação gráfica ou pictural. Para o leitor, ela funda o crédito conferido ao jornal de ?dizer a verdade?. Os seus riscos ultrapassam, contudo, os da escrita. Por natureza, a imagem fotográfica (e televisiva) possui um impacte forte. Veicula a emoção, introduz o espectáculo na informação e corre o risco de misturar o verdadeiro, o falso e o virtual. O seu choque é difícil de gerir, porque os dados trazidos pela imagem ganham, muitas vezes, em profundidade o que perdem em racionalidade. A imagem de uma criança morta num cenário de guerra mostra-nos o horror da guerra, mas nada nos diz sobre as suas causas ou a sua amplitude. A partir da imagem, não se forja uma opinião documentada, é-se sensibilizado por símbolos.
A utilização de uma fotografia presta-se a manipulações: basta uma legenda pouco rigorosa, ou a apresentação de uma imagem de arquivo como actual. O emprego de fotografias ditas ?simbólicas? para ilustrar artigos que se prestam mal à representação de personagens realmente implicadas nas notícias reveste-se, por vezes, de uma enorme ambiguidade. Os temas clássicos das fotografias simbólicas são o alcoolismo, a droga, a prostituição, a fome, a guerra. As redacções recorrem a imagens de arquivo ou a bancos de dados cujos documentos provêm do mundo inteiro. Este processo não é desprovido de riscos. O mais frequente é a deslocação do contexto. A mudança do tempo e de lugar, assim como o enquadramento textual (título, artigo, legenda) podem modificar completamente o sentido de uma fotografia. As imagens simbólicas são as mais vulneráveis. Mas as imagens da realidade não escapam também a esse risco de deslocação. O conteúdo que é presumido transmitirem não pode manifestar-se senão pelo título, legenda ou artigo a que se reportam.
O DN é um jornal que faz da fotografia um elemento importante da sua estética e da sua substância. São poucos os leitores que têm efectuado reparos a esse aspecto do jornal. Contudo, António Borges Lopes e José Piedade escreveram à provedora a propósito de dois casos que, embora diferentes, respeitam ambos a fotografias publicadas no jornal.
No primeiro caso, a legenda da foto da tenista Elena Bovina (edição de 16 de Abril), que participou no Tennis Estoril Open. A legenda diz: ?ADEUS. Elena Bovina, e a sua primeira final, abatida ?à espanhola?.? ?Abatida? Falta de gosto do autor e desrespeito pelos outros?, diz António B. Lopes. ?A tenista em causa não tem culpa do nome que tem, ?Bovina?. Se calhar, lá na Rússia, donde ela é, talvez seja um nome vulgar. Fazer chalaça com o nome da senhora é uma falta de respeito inqualificável.?
O director do DN, Mário B. Resendes, admite que ?a sensibilidade do leitor possa ter sido ferida por alguma liberdade de linguagem que se evidencia na legenda em causa?, embora considere não ter havido ?qualquer intenção de apoucar o apelido da tenista, mas tão-só uma tentativa discutível de fazer humor?. Rui Coutinho, editor de Fotografia, comunicou à provedora que não esteve ?directamente envolvido na edição daquela foto?.
Trata-se, efectivamente, de um deslize de mau gosto.
O segundo caso refere-se à fotografia publicada na primeira página, no passado dia 15. É uma criança, cujo rosto não é mostrado, empunhando uma pistola de brincar. A legenda diz: ?ALERTA. Crianças praticam actos qualificados como incivilidades, quando se trata, de facto, de delitos reais.?
A fotografia ilustra o título de capa: ?Criminalidade infantil alarma as autoridades.? A peça refere-se ao Documento-Plano de Prevenção e Combate à Delinquência Juvenil, aprovado em Paris pela Missão Europa. Segundo o documento, existe um “aumento do crime praticado por jovens? e ?o fenómeno envolve faixas etárias cada vez mais jovens, englobando já crianças de 8/9 anos?.
O leitor J. Piedade questiona a adequação da fotografia e do título ao conteúdo do documento. Em sua opinião, ?Criminalidade juvenil? teria sido um título mais adequado.
Relativamente à conformidade do título de primeira página com o documento, a provedora constata que o jornal preferiu destacar o envolvimento de ?faixas etárias cada vez mais jovens?, informação que consta do documento. O título sugerido pelo leitor teria sido, sem dúvida, correcto, não podendo, contudo, dizer-se que a escolha do jornal tenha sido desajustada relativamente ao conteúdo da notícia a que respeita.
Quanto à fotografia, sendo uma imagem simbólica, as pessoas, os objectos ou o cenário que mostra não se relacionam directamente com o texto. Ganharia, por isso, se tivesse sido textualmente enquadrada. Por outro lado, tratando-se de uma fotografia de arquivo, deveria incluir essa menção.
A maioria das queixas sobre fotografias recebidas, em toda a parte, pelos provedores incide sobre imagens consideradas violentas. São, em geral, relativas a atentados isolados ou a cenas de guerra.
Também certas imagens de crianças provocam vivas reacções de protesto. Mas existem outros casos. Eis alguns exemplos recentes:
O provedor do jornal americano The Star, Robin Harvey, dedicou uma das suas últimas colunas a queixas de pessoas cujas fotografias foram publicadas com autorização dos próprios ou dos pais – nos casos em que os fotografados eram crianças. As queixas incidiram todas sobre o ?tom? das notícias a que se referiam as fotos. Os fotografados não conheciam o contexto em que surgiriam e queixavam-se de a sua reputação ter sido afectada. Um dos queixosos afirmou que, se conhecesse o contexto, não se teria deixado fotografar. As fotos eram: uma, de jovens mães sem abrigo; outra, de estudantes dançando e bebendo, numa festa anual, e uma terceira, de um grupo demotards. O editor do jornal explicou que existe sempre a preocupação de que as fotografias sejam usadas no contexto apropriado. O provedor do Star verificou que nenhum dos fotografados foi entrevistado ou citado na peça que acompanhava a sua fotografia, o que o levou a sugerir mais atenção por parte das chefias do jornal.
A fotografia de uma deputada socialista de Genève ao Conselho Nacional, tirada, em 1999, em Berna, durante uma manifestação de mulheres, e publicada, na época, em várias revistas e jornais, como símbolo do combate das mulheres, é frequentemente publicada na Tribune, sempre sem identificação. O provedor do jornal, Daniel Cornu, diz, na coluna que dedicou ao assunto, que a menção da identificação de uma pessoa raramente é supérflua. A imagem da então deputada adquiriu um estatuto de imagem simbólica que não é o seu, diz Cornu. Não deveria, por isso, ser publicada fora do seu preciso contexto, a manifestação de mulheres de 14 de Junho de 1999, e a legenda deveria identificar sempre Maria Roth-Bernasconi, ?heroína desse dia de cólera?.
O editor de Fotografia do DN, Rui Coutinho, explica as práticas do seu departamento: ?Após selecção e enquadramento de uma foto solicitada por uma secção, é fornecida uma impressão, a preto e branco, por computador, mostrando o enquadramento final, assim como a legenda apensa, no caso das fotos de agência, e os créditos do autor. Da parte desta editoria, apenas são feitas recomendações, quanto a legendas, quando a foto, por enquadramento em artigo de teor que possa ser pejorativo, identifica claramente, ou torna passíveis de identificação, as pessoas fotografadas. Esta prática, reforçando o que dita o Livro de Estilo, é também uma salvaguarda contra as repercussões de abuso do direito à imagem.?"