ASPAS
TV PAGA
"O plágio e o autoplágio", copyright Folha de S. Paulo, 10/06/01
"Numa conversa com um médico de São Paulo, especialista de renome em sua área (psiquiatria) e que faz conferências pelo mundo afora, ouvi restrições ao comentário aqui publicado há duas semanas, no qual afirmava que a TV brasileira muda, muda e praticamente não sai do lugar.
?Melhorou muito?, afirmou o meu amigo cientista. Para ele, anos atrás seria impensável ?tantos canais com tantas informações de alto nível como os que existem hoje?.
Logo percebi o equívoco: enquanto eu fazia críticas à TV aberta a que todos têm acesso no país, ele exaltava as qualidades e a diversidade de canais pagos.
Nisso, obviamente, concordamos.
Sem dúvida, nunca houve tanta informação qualificada na televisão, desde que o cidadão possa pagar a mensalidade de uma boa operadora. Aí estão Discovery, GNT, National Geographic, Eurochanel, Film & Arts, Multishow, Telecines e HBOs, apenas como alguns exemplos.
Para não cometer injustiça, deve-se registrar também o bom nível da programação do esforçado canal Futura, de cunho educativo e que mantém seu sinal aberto para quem quiser sintonizá-lo.
Mas, para ter acesso ao grosso daquilo que é bom mesmo, só pagando.
Quanto aos canais abertos, é possível observar um fenômeno interessante, na verdade dois: o plágio e o autoplágio.
O plágio é facilmente detectável por qualquer telespectador um pouquinho mais atento e com disposição de exercitar sua capacidade de discernimento. Basta ligar a TV no domingo, por exemplo, ou em qualquer tarde dessas, para perceber que uma experiência ?bem-sucedida? no canal x logo estará no canal y, e que aquela ?personalidade? que deu audiência no canal w rapidinho será ?convidada? a transferir seus atributos para o canal z. O rodízio acaba sendo tamanho e a repetição de fórmulas tão frequente que é preciso ser um verdadeiro aficionado para saber em que canal você está sintonizado: será Record, Band, Rede TV!, Gazeta?
Mais interessante, e menos óbvio, que o fenômeno do plágio é o do autoplágio.
Trata-se da capacidade de repetir algo que encontrou receptividade dos telespectadores, continuar fazendo isso, mudar de nome, personagens, atores, temas etc., e dar ao fenômeno ?cara? de novidade, jeito de renovação, mas, no fundo, permanecer realizando exatamente a mesma coisa.
Ok, quando se pretende falar mal de publicitários e jornalistas (isso ocorre nas redações e/ou agências), afirma-se que neste mundo nada se cria, tudo se copia.
Ampliemos, então, o chiste, ao universo televisivo.
Em alguns casos, o macete leva o pomposo nome de ?padrão de qualidade?, em que tudo deve ser feito dentro de determinados parâmetros mais ou menos rígidos. Para manter a qualidade mesmo ou para manter o ibope por intermédio daquilo que se convencionou considerar que ?deu certo?, numa espécie de moto contínuo de semelhança máxima e renovação mínima?
Não que tal procedimento seja algo condenável do ponto de vista ético ou coisa que o valha. O que curiosamente se verifica é a existência da renovação estática.
A reportagem de capa do TV Folha de hoje é um bom exemplo do quão pouco se muda de verdade: quem predomina na programação infantil são personagens de 20, 30 anos atrás.
A fórmula sem dúvida bem-sucedida das telenovelas é basicamente a mesma desde o tempo de Glória Magadan e Janete Clair. Os humorísticos… bem, há quanto tempo o Chico Anysio faz a mesma coisa?
Há quanto tempo o pessoal do ?Casseta & Planeta? se repete? Ok, eles podem ser engraçados e, depois de tanto tempo, até que aprenderam, ainda que na marra, alguma coisa de interpretação.
Esse tipo de procedimento acaba mesmo fazendo surgir ícones, para o bem e para o mal. Se de um lado temos um Lima Duarte, capaz de se transfigurar totalmente a cada novo personagem de novela, de outro temos um Luiz Fernando Guimarães, que desenvolveu a fantástica capacidade de ser ele mesmo, sempre ele mesmo, independente do programa de que participe. ?TV Pirata?, ?Comédia da Vida Privada?, um ou outro de menor duração e agora ?Os Normais?: lá está o ator, exemplo vivo e vívido do autoplágio. Nada pessoal contra o rapaz. Há muitos colegas seus na mesma situação, e o leitor/telespectador pode fazer sua listinha particular dos que mudam mas sempre ficam.
Não se deve deixar passar em branco o episódio ?Lira Paulistana?, da série ?Brava Gente?, que foi levado ao ar pela Globo duas semanas atrás. Do texto de Fernanda Young, ?après? Mário de Andrade, à interpretação impressionante de Matheus Nachtergaele, passando pelas performances de Paulo Betti, Fernanda Torres e Drica Moraes, pela direção de atores, pela fotografia e pela direção de arte, tudo de altíssimo nível. O mesmo não se pode dizer com relação aos dois episódios da mesma série que foram transmitidos na última terça. Frustrantes."
"Cem anos de vida sexual", copyright Valor Econômico, 8/06/01
"Na terça, ao comemorar o Dia dos Namorados com a pessoa amada, olhe para cima e pense: ?Do alto deste espelho de motel, um século de romances nos contemplam?. Afinal, mesmo não tendo mudado tudo o que gostaríamos, na cama, somos o resultado de cem anos de alternância entre opressão moral e sacanagem deslavada. É o que nos garantem os franceses em ?Um Século de Romances?, série em quatro capítulos exibida pela GNT até o dia 12 (hoje, segunda e terça, às 19h30), sobre a evolução das relações amorosas de 1900 até a aids e o Viagra.
No início, era a escuridão. Mas poucos se aproveitavam dela para alegrar suas esposas: o casamento não incluía a paixão e o bordel era onde o homem expressava sua sexualidade. Igreja e Estado não haviam se separado no início do novo século e a religião zelava pelos padrões morais elevados. Em 1905, uma mulher ousou pedir divórcio, alegando a impotência do marido. Escândalo. E, ao se defender, descrevendo o que fazia para satisfazer a consorte, o homem horrorizou o júri, que o condenou. Afinal, não se faziam aquelas coisas em casa.
O conflito de 1914-1918 deu às mulheres a chance de reinvidicarem seu espaço. Nada mais justo. Enquanto os maridos apodreciam nas trincheiras, elas continuavam a vida em seus países. Ao retornarem, os guerreiros viram que o que ganharam no front externo perderam no doméstico: a posição senhorial de machos. A recompensa veio com os ?loucos anos 20?: cabelos e saias encurtaram e a mulher conquista um novo corpo e o poder sedutor.
A sexualidade ganha as ruas. Mas acaba em má companhia. A necessidade de repovoar nações trazem o fantasma da moral. Chega de fornicar impunemente. Era preciso parir. A nova ordem é o amor no casamento. Como os heróis do conflito, a mulher precisa ser forte e ter filhos até a morte. Havia outro motivo: a sífilis, cujo temor dava munição às ligas da virtude.
Os anos 30 não diminuíram a pressão moral, mas deram um fôlego às mães. A encíclica ?Casamento Casto?, de Pio XI, de 1931, preconizava o seu nome. A ciência tampouco ajudou a felicidade feminina. Desde a Idade Média, a reprodução era vista como troca de secreções e, logo, o prazer fazia parte dos deveres. O século 16, ao se descobrir que não havia um ?sêmen? feminino, liberou os maridos da preocupação em alegrar suas consortes. No período anterior à Segunda Guerra, os casais se contentavam em saber que, no lugar do sexo bom, podiam cultivar uma aliança sólida. Não se podia ter tudo, certo?
Errado, pois o advento do lazer generalizado, com corpos se bronzeando nas praias, sem divisão de gêneros, mostrou o que se estava perdendo. Mas Hitler arrancou o doce da boca das pobres, novamente sós na pátria. Acabada a guerra, era a vez de trocar canhões por bebês novamente. A mulher sedutora virou fatal, preparando-se para, nos anos 50, descobrir como se podia fazer sexo. Eram os relatórios Kinsey e Masters e Johnson, trazendo a homossexualidade, a masturbação e o orgasmo ao mundo.
Transar podia ser por prazer. A criação da pílula permitiu que a mulher se divertisse. A fratura entre sexo e fecundação mudou o século. Podia-se descobrir, como em 68, a partir de Reich, que o prazer levava à revolução. Ainda assim, mesmo após experimentar de tudo, mulheres e homens não se conheciam de verdade. E tiveram uma bela chance: entre 70 e 80 os sortudos viveram o apogeu da sexualidade humana, sem doenças e gravidez indesejada.
A atualidade trouxe uma mulher dominadora e de negócios. O orgasmo conquistado a duras (opa!) penas se transformou em obrigação e terror para os dois sexos. E a aids gerou uma nova sexualidade, cerebral e segura, mas nem por isso saudável, posto que radical, e, logo, perigosa, mental e psicologicamente."
"Até o sono pode ser um assunto espetacular", copyright Jornal da Tarde, 9/06/01
"Imagine. Um homem submete-se à experiência de ficar oito dias sem dormir. É um animador de rádio muito conhecido nos Estados Unidos e conta com o acompanhamento de uma equipe médica com clínico, neurologista, cardiologista, endocrinologista e psiquiatra. Apresenta inicialmente euforia, depois leve irritabilidade. Seu humor altera-se dramaticamente a partir do terceiro dia. Briga com quem sempre se deu bem, agride o barbeiro que o atendia havia 20 anos. Nas suas quatro horas de trabalho na frente do microfone do rádio, no entanto, parece inteiro. A partir do quarto dia começa a ter alucinações. Vê aranhas enormes dentro dos sapatos, vermes enroscando-se num prato, fantasia situações que não estão acontecendo. Os médicos constatam que ele, na verdade, está sonhando completamente acordado, que o seu cérebro está produzindo a mesma qualidade de histórias e visões que são normais durante o sono. Ou seja: ele traz para a realidade cenas e enredos do subconsciente, como acontece com loucos que sofrem alucinações.
Continua a trabalhar no rádio, é quando está melhor, e seus ouvintes nem sentem diferença na sua atuação. Está sempre sob monitoramento médico. No quinto dia, a certa altura, os aparelhos de eletroencefalograma indicam as reações de um homem adormecido, mas ele está de olhos abertos e conversa normalmente com os médicos. Continua a ter alucinações em grande parte do dia. Sua mulher, grávida, procura ajudá-lo e é a única que ele trata com a mesma atenção. Alimenta-se cada vez com menos apetite. Até o final da experiência, passa a irritar-se com o assédio das fãs na porta da rádio, que antes adorava, a fugir delas e finalmente a maltratá-las. Durante as irradiações, nos dois últimos dias, os ouvintes notam pequenas falhas.
Alcança afinal a meta de 200 horas sem dormir, dá uma lambujem de uma hora, estabelece um recorde mundial e entrega-se finalmente ao sono. Dorme direto por 24 horas. A experiência causa-lhe perturbações no convívio que mudam sua vida. E Peter Tripp, famoso animador, divorcia-se, deixa o rádio e vai ser vendedor anônimo no interior do país.
Imagine o caso de um homem que não conseguia dormir. Professor de música de um grande colégio nos Estados Unidos, querido pelos alunos. A certa altura da vida, começou a ter dificuldades para adormecer e acabor por perder completamente a capacidade de dormir. Seu tormento durou seis longos meses.
Ao fim de um mês, já entrava em grande debilidade física. Seu último concerto como regente no colégio foi filmado, o ex-vigoroso professor entrou alquebrado, apoiado numa bengala, mal conseguiu subir ao pódio. Voltou à infância, ?convivia? com pessoas da infância, como em sonho. Foi internado num hospital. Perdeu a capacidade de conversar. Mesmo com drogas potentes, não conseguiam fazê-lo dormir. Às vezes parecia cochilar, mas o eletro acusava que estava acordado. Os médicos conseguiram afinal diagnosticar nele uma doença rara: insônia hereditária fatal, em que uma substância destrói a parte do cérebro responsável pelo sono. O professor Corke morreu após seis meses, destruído. Não teve filhos. Hoje, procuram-se outros filhos de seu pai, que saiu de casa quando ele era criança, para ver se previnem e estudam a doença genética.
Imagine o caso de um homem que matou dormindo. Casado, pai de duas filhas, levantou-se durante a noite, saiu de casa, abriu a garagem, entrou no carro, dirigiu por 22 quilômetros, atravessando oito sinais de trânsito, foi até a casa dos sogros (o sogro já estava recolhido), foi recebido pela sogra, brigaram não se sabe por que, ele foi até a cozinha, pegou uma faca, matou-a em meio a uma luta, saiu da casa, pegou o carro, dirigiu de volta para casa, e já estava perto quando se viu de repente com as mãos sangrando, um corte profundo em uma delas, roupas ensangüentadas. Dirigiu-se a uma delegacia de polícia, apresentou-se e disse: ?Não sei o que aconteceu. Posso ter ferido alguma pessoa.? Até o momento em que se vira ensangüentado no carro, o canadense Ken Parks estivera dormindo! Foi a tese da defesa no julgamento, que concluiu, com a ajuda de exames de médicos especialistas, que Parks sofre de parassonia, uma doença que se origina na infância e pode deixar a pessoa num estado ambivalente de consciência, preso no intervalo entre o sono profundo e a vigília. Parks foi absolvido.
Foram casos assim, impressionantes e verídicos, que o GNT apresentou na série Distúrbios do Sono, nesta semana. Prova de que temas não faltam para produtores que têm imaginação e faro. Até um assunto aparentemente desinteressante como o sono pode tornar-se fantástico. Fiquem atentos, que a série pode voltar.