ASPAS
VIOLÊNCIA & BAIXARIA
"Ministério da Justiça libera sexo e nudez
às 20h", copyright Folha de S. Paulo, 13/06/01
"Programada pela própria TV Globo para as 23h, a minissérie ?Presença de Anita?, que tem cenas de nudez e insinuações de sexo, foi liberada pelo Ministério da Justiça para as 20h.
A classificação, de imprópria para menores de 12 anos, é a mesma dada originalmente pelo ministério para a próxima novela das sete da Globo, ?As Filhas da Mãe?, que terá uma transexual. A Globo recorreu, e o ministério liberou a novela para as 19h.
Em despacho no ?Diário Oficial? de anteontem, o coordenador de classificação do ministério, Mozart Rodrigues da Silva, apontou na minissérie apenas ?insinuações de sexo e desvirtuamento de valores éticos?.
?Presença de Anita? conta a história de uma adolescente de 17 anos que se envolve com um homem adulto e com um rapaz de 16. Há muitas cenas de sexo e de nudez. Lançado em 1948, o original, de Mário Donato, foi perseguido por setores católicos.
Prevendo problemas com a Justiça, a Globo escalou atores maiores de 18 anos para os papéis de adolescentes. O autor, Manoel Carlos, disse recentemente à Folha que o conteúdo erótico da minissérie pode chocar o público.
A classificação para as 20h poderia indicar falta de critérios do Ministério da Justiça ou o envio, pela Globo, de uma sinopse ?amenizada?. A Globo negou, e o ministério disse apenas que a classificação ?é flexível?."
"Má qualidade gera violência na televisão",
copyright Jornal da Tarde, 16/06/01
"Tenho dito aqui que muitos dos problemas de má qualidade da tevê brasileira decorrem do modelo adotado, da exacerbação do consumismo que dele resulta e da submissão do veículo ao gosto do público consumidor, deduzido a partir da audiência que o programa tem. Também uma parte da violência que permeia hoje a sociedade é gerada por esse sistema, cujo mecanismo o professor Nerval Baitello Jr., da PUC de São Paulo, explicou há dois anos em entrevista ao JT, à qual volto porque a situação só tem piorado:
?Existe um excesso de persuasão para que a pessoa compre e uma ausência ou não correspondente oferta de condições econômicas e de vida para que possa comprar, gerando aí um monstruoso descompasso. As pessoas ficam impossibilitadas de romper esse déficit, a não ser pela transgressão destrutiva e pela violência.?
Existe, entretanto, uma violência que não é explicada pela privação. É a violência das pessoas que não foram submetidas à violência da pobreza. Este é o espaço da ?violência do imaginário? que Baitello Jr. afirma estar sendo distribuído pela comunicação: televisão, rádio, jornais, shows, música, pelo clima de trabalho dentro das empresas, pela propaganda e marketing, pela moda e pela própria comunicação entre as pessoas. Pesquisadores reunidos em um seminário realizado em Berlim em 1999 responsabilizaram a imagem e o imaginário pela violência física e simbólica de hoje.
Juntas, essas linguagens da comunicação pressionam o homem urbano a buscar um valor que delas emana: a visibilidade. Todos angustiados pela oportunidade de se tornar visíveis; atentos ao momento em que alguém perderá visibilidade para então entrar naquele espaço. É o que Baitello Jr. chama de ?comportamento agonístico?, que caracteriza as espécies animais ?obrigadas a um maior tempo de prontidão e vigília?. As espécies não agonísticas relaxam, pois estão menos sujeitas a ataques e a responder a eles com agressão, ou fuga, ou ambos.
Gerúndio
Os apresentadores deveriam esforçar-se para melhorar a linguagem do telespectador. Pelo menos para não induzi-lo a erros e vícios. Astrid Fontenelle, no Melhor da Tarde (Band), tem abusado da mania atual do gerúndio, tipo ?hoje a gente vai estar falando?…
Promotor
As pautas dos telejornais perseguem um assunto durante algum tempo, depois esquecem. Um deles é o do promotor público Igor, aquele condenado pelo assassinato da esposa grávida de oito meses. Sumiu depois da condenação. O noticiário acompanhava seu desaparecimento dia a dia, depois semana a semana, um mês… depois parou. Seria o caso de voltar ao assunto. De que vive ele? Ainda recebe salário do Estado? Saca no caixa eletrônico? Saca onde? Se não recebe, que faz? Tinha bens? Em que situação estão? Tem contato com seu advogado? Esta é ainda uma boa história, e exemplar.
Genitais
Programas de viagens dos canais pagos sempre buscam o lado exótico dos países. É um defeito, porque só ficam nisso, ou quase, mas é também uma informação. Uma garota bonitinha que se reveza com um rapaz chatinho para fazer o Planeta Solitário, do canal People & Arts, mostrava outro dia o Vietnã, e comia uma comida ?autêntica? em Saigon: útero de porca e genitais de porco. A idéia, diz ela, é que a comida fortalece a parte correspondente do corpo de cada um. Mais ou menos como os nossos antepassados antropófagos achavam que comiam as virtudes valorosas dos inimigos, junto com suas carnes. Ela achou que o nada miúdo do porco parecia borrachoso. Provou, riu e encostou."
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"Comerciais que irritam e que divertem", copyright Jornal da Tarde, 14/06/01
"Escreve um leitor para dizer que a propaganda é das coisas melhores da televisão – ?gosto mais de ver os anúncios do que 90% dos programas?, diz ele, ?porque os anúncios são mais pensados, são profissionais e quase tudo que a televisão mostra parece coisa de amadores? – e para lamentar que eu fale muito pouco sobre eles.
Realmente, mas quem presta atenção sabe: para um anúncio bom, aparecem dez medíocres. Para um suave e agradável, exibem nove que exageram nos decibéis. Para um original, nove são citações. Prefiro observar as tendências. A linha zoológica, por exemplo, cansou. Divertiu com o frango e o camarão dançantes de uma propaganda de óleo, chegou ao grotesco com a série dos pingüins bebedores de cerveja, irrita com os caranguejos furando latinhas de cerveja. Ora, vamos deixar de bobagem, pingüins e caranguejos não bebem cerveja.
As que se estruturam como uma série ou novela da televisão estão na moda. Uma das primeiras, a novelinha da Sukita com a garota e o ?tio?, é imbatível até hoje. Tipos e frases exatos. Marcaram. A série dos caranguejos tem a desvantagem de irritar. A dos carros Ford com tema da CPI foi caprichada nas imagens. A do Unibanco, com Debora Bloch e Luiz Fernando Guimarães, tem humor. Nessa linha de cenazinha de humor, a série da gasolina Ipiranga diverte e é muito bem realizada. Só para lembrar: uma é aquela dos frentistas de um posto que vende gasolina ruim e não querem atender uma kombi cheia de freiras, com medo de ir para o inferno; outra é a do marido que surpreende a mulher aos beijos com outro, dentro do carro, num posto de gasolina e a repreende por estar abastecendo com uma gasolina qualquer.
Tudo no Brasil é erotizável. Na propaganda brasileira, qualquer produto pode merecer um recado erótico. Até sandália de dedo. Desodorantes, roupas, perfumes, carros, música, cremes, produtos light, refrigerantes, turismo, duchas, sabonetes – tudo é motivo para um apelo erótico. Entre esses, imbatível é o comercial que mostra a viagem de uma gota de suor pelo corpo de uma garota que pede uma cerveja para se refrescar.
Amor?
Não tem nada que ver com o ?romance?, de que fala o título, nem com o ?amor?, de que falam as chamadas, a série Um Século de Romance, que o GNT apresenta nesta semana a propósito do Dia dos Namorados. O que vemos, na verdade, é uma série sobre as conquistas sociais da mulher, procurando mostrar sua evolução de oprimida a sujeito. Basicamente, as lutas do feminismo francês. É uma série francesa, com enfoque francês, geograficamente francesa, e tem toda aquela chatice palavrosa de que os franceses são capazes. Eles (como é do agrado do nosso presidente) querem sempre ?posé une question?, colocar uma questão, em vez de contar de forma atraente momentos que marcaram o comportamento amoroso no século 20.
Jazz
A série sobre o jazz apresentada no GNT cumpriu o que prometeu: é a mais completa, a mais fartamente documentada, a mais didática, a de melhor repertório musical. Tomara que volte, de vez em quando. Impressionantes os episódios sobre os músicos que criaram o be-bop, Charlie Parker à frente, e a ruína deles com as drogas, principalmente a heroína. A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, a droga devastou os músicos de jazz. Louis Armstrong foi dos poucos que não entraram nas drogas pesadas. Fumava maconha, de leve.
Olivier
O padeiro Olivier Anquier mantém o bom nível dos seus programas no GNT. Pena que ele nunca cozinhe para, ou com, Débora Bloch. No último programa cozinhava com um dos Cassetas, ensinando a fazer pepinos em conserva. O segredo é o sal grosso. E o programa abriu com uma competente reportagem de Anquier sobre a sesquicentenária produção de sal em Cabo Frio, com belíssimas imagens. Cineastas brasileiros descobriram as dunas de areia branca de Cabo Frio, mas não as salinas, tão fotogênicas quanto."
"Drogas: a mídia está dentro", copyright
Jornal do Brasil, 17/06/01
"Há poucos dias, assistindo a um desses debates universitários que a gente pensa que não vão dar em nada, ouvi um raciocínio que não me saiu mais da cabeça. Ouvi-o de um professor – um professor brilhante, é bom que se diga. Ele se saía muito bem tecendo considerações críticas sobre o provão. Aliás, o debate era sobre o provão, mas isso não vem ao caso. O que me interessou foi um comentário marginal que ele fez – e o exemplo que escolheu para ilustrar seu comentário. Primeiro, ele disse que a publicidade não pode tudo, ou melhor, que nem todas as atitudes humanas são ditadas pela propaganda. Sim, a tese é óbvia, ninguém discorda disso, mas o mais interessante veio depois. Para corroborar sua constatação, o professor lembrou que muita gente cheira cocaína e, no entanto, não há propaganda de cocaína na TV. Qual a conclusão lógica? Isso mesmo: nem todo hábito de consumo é ditado pela publicidade.
A favor da mesma tese, poderíamos dizer que, muitas vezes, a publicidade tenta e não consegue mudar os hábitos do público. Inúmeros esforços publicitários não resultam em nada. Continuemos no campo das substâncias ilícitas. Existem insistentes campanhas antidrogas nos meios de comunicação, algumas um tanto soporíferas, outras mais terroristas, e todas fracassam. Moral da história? Nem que seja para consumir produtos químicos ilegais, ainda somos minimamente livres diante do poder da mídia. Temos alguma autonomia para formar nossas decisões.
Tudo certo? Creio que não. Concordo que a mídia não pode tudo, concordo que as pessoas conseguem guardar alguma independência em sua relação com a publicidade, mas acho que o professor cometeu duas impropriedades: anunciou uma tese fácil demais e, para demonstrá-la, escolheu um exemplo ingênuo demais. Embora não vejamos um comercial promovendo explicitamente o consumo de cocaína, ou de maconha, ou de heroína, ou de crack, a verdade é que os meios de comunicação nos bombardeiam, durante 24 horas por dia, com a propaganda não de drogas, mas do efeito das drogas. A publicidade, nesse sentido, não refreia, mas reforça o desejo pelo efeito das drogas. Por favor, não se pode culpar os publicitários por isso – eles, assim como todo mundo, não sabem o que fazem.
Quem busca as drogas está buscando, antes do vício, o prazer (o vício não é outra coisa senão o prazer que não mais controlamos, o prazer que assumiu o poder sobre nós). Quem busca as drogas busca o que alguns já chamaram de ?felicidade química?. Um êxtase artificial. Ora, o que é que a publicidade nos ensina a desejar senão o êxtase artificial? É verdade que não existem campanhas publicitárias para vender ecstasy nem LSD, mas toda peça de propaganda nos garante que aquela mercadoria nos trará um estado de gozo indescritível – e é disso que se trata. Invariavelmente, qualquer comercial promete o êxtase. Cada comercial fala como se fosse um mercador de ópio. Cada um é o trailer de viagens estupefacientes. Um drops que refresca o hálito é muito mais que uma balinha: ela faz dois adolescentes levitarem. Um refrigerante pinga sobre o asfalto e tem o dom de fazer a selva brotar dentro da cidade. As modelos nos outdoors nos olham com a atonia dos junkies anoréxicos. Se você comprar aquele par de tênis, vai sair voando. Se você contratar aquele seguro de saúde, terá ao seu lado as enfermeiras mais ardentes da rede hospitalar. Quem adquirir o automóvel ?x? não vai nem mais querer saber de sexo: o carro é muito mais inebriante. Cada mercadoria é um passaporte para o deleite – e o deleite é tanto mais intenso quanto maior for a exclusividade da mercadoria. Os cartões de crédito são para poucos – por isso, ocasionam surtos de hiperelevação da auto-estima do freguês. Num tempo em que toda arte é mercadoria, em que toda arte banalizou-se, toda mercadoria tem uma aura industrializada, tem encanto, tem poderes mágicos. Na publicidade, toda mercadoria é um psicotrópico.
Até os esportes radicais, que afirmam vender saúde – o que é mentira, evidentemente -, vendem, sim, um grande barato: litros de adrenalina na veia. Muito louco, mano. Correr pela manhã na calçada da praia é bom porque libera endorfinas no organismo. Dizem depois que endorfinas viciam. Meditar acalma os nervos. O apresentador de auditório, ao conversar com a menina pneumática, põe-se a berrar: ?Loucura, loucura, loucura!? As relações de consumo convertem-se em relações químicas. Qualquer tipo de consumo nos dopa.
Não sei se isso é bom ou ruim, e nem me cabe saber, mas o gozo prometido pelo consumo e pela mercadoria é o suprassumo da felicidade que a nossa era é capaz de nos propor. As drogas, ainda que proscritas, oferecem um atalho na mesma direção. Atalho para o vazio? Sem dúvida, mas a estrada do consumo também não leva apenas ao vazio? Quem nos ensina que esse tipo de prazer (químico ou não, pouco importa) é só o que conta não é o traficante na sarjeta, mas é a mídia. Pode parecer paradoxal, mas é fato. O capitalismo em que vivemos converteu-se na indústria do gozo. Mais um pouco e, como os heróis de Cazuza, o capitalismo também morrerá de overdose."
SANDY
"O beijo-Sandy", copyright No. (www.no.com.br),
14/06/01
"As novelas podem não mudar muito. Mas os beijos, quanta criatividade! Às oito, Marcos Palmeira e Flávia Alessandra parecem figurantes de um clinche pugilístico, tal a ferocidade com que se debatem, presos pelos lábios. Às sete, Patricia Pilar e Marcelo Anthony fazem um beijo diplomático, que caiba na boca de uma candidata a primeira dama. Mas desde que a eloqüência do encontro bilabial sonoro entre Reynaldo Gianecchini e Vera Fischer saiu do ar, em Laços de Família, não aparecia nada igual aos beijos de Sandy e Guilherme Fontes, às seis, em Estrela Guia. É um beijo-fetiche. Não acontece muita coisa. Lábios que se entreabrem e mordiscam uns aos outros. Mas a divulgadíssima virgindade da moça instaura uma tensão inédita nas novelas. Como ela aprendeu? Como se sentem os pais? Analisa-se até que ponto há naturalidade em Sandy e em que momento Guilherme Fontes está assumindo o controle do jogo. Nenhuma língua zune de canto algum. Ninguém atraca ninguém como se quisesse reinventar o milenar bocaboca. Mas há um voyeurismo perverso em cena. O galã veterano metido em trapalhadas financeiras beija a ninfetinha cândida que vai crescendo em público, e ela tem um jeito algo indecisa entre ser a maior cantora ou o maior mito erótico do País. Enquanto isso, aprende a beijar. Sandy está tirando boas notas. Tem um misto de elegância e erotismo elogiáveis, recuperando para as novas gerações a informação de que é possível beijar na boca e morrer de prazer com isso – sem se correr o risco de uma cãibra ou uma tendinite na língua.
Riso moderno
Nasce uma estrela é clichê. Mas nasce uma estrela engraçada não é toda hora que se anuncia. Heloisa Perissé, eis o nome. Está em cartaz no Teatro Ipanema, no Rio, com a peça Cócegas, de sua autoria e Ingrid Guimarães. Mas Heloisa pode ser vista por todo o País na Escolinha do Professor Raimundo, de segunda a sexta às 17h na Globo. Ela faz uma aluna moderninha, com as afetações faciais típicas de uma tribo que povoa os bares louquinhos da Zona Sul carioca. E não só: o texto é de Heloisa também, e está crivado daquelas observações na veia, um ouvido perfeito para captar as expressões da hora. Desde o aparecimento de Tom Cavalcante não aparecia um comediante com potencial tão forte. No. viu primeiro.
Hora de mudar
O menino vira para o pai e pergunta como veio ao mundo. O pai começa a conversa da cegonha. O filho corta: ?Não pai, isso eu já sei. Eu quero saber se foi como na televisão. Sexo animal.? O pai boquiabre-se e surge a voz do locutor em off vendendo um Fiat: ?Está na hora de você mudar os seus conceitos.? Outra é a de um novo absorvente, por enquanto exclusiva da MTV. Um grupo de rapazes conversa sobre futebol. Quando passam a bola para um que está meio fora da roda, este muda de papo: ?Vocês precisam ver um absorvente novo que acabou de ser lançado.? Os outros reclamam. ?E não marca na calça?, ele continua – enquanto pega a namorada que vai chegando. É o homem moderno. Antes de se afastar, dá o toque para os amigos: ?Vocês têm que evoluir o papo. Não dá para conversar só sobre futebol.? Não está claro se é mesmo um absorvente que está sendo lançado, ou uma campanha institucional da MTV para abrir a mente de sua galera. De qualquer maneira é genial e casa com a do Fiat. Mas pode vir coisa ainda melhor. O próximo passo é a propaganda radicalizar em sua genialidade e dizer que é hora de mudar os conceitos, sim, e que ninguém precisa ficar mais correndo atrás de novos carros ou absorventes. Aguarda-se.
O príncipe de Copacabana
É uma peça, em cartaz no Sesc Copacabana, Rio, e só está aqui neste espaço de televisão porque é uma serelepe divagação sobre o gênero. Traz a assinatura de texto e direção de Gerald Thomas, e Reynaldo Gianecchini como atração principal. ?O príncipe de Copacabana? conta a história de um ídolo da televisão que é seqüestrado por um grupo de atores que nunca teve sucesso ou destaque na mídia. Principalmente nunca conseguiu trabalhar na Globo. ?Volta pro teu Projac?, gritam no final os atores-seqüestradores. ?Não, eu quero fazer teste para ficar com vocês?, devolve Gianecchini, já vocacionado para uma carreira entre os colegas alternativos. Há bons momentos, no estilo Gerald Thomas, sem muita linearidade, sobre o drama de ser um ator que está nas capas das revistas não pela qualidade do trabalho, mas pelo que rola em sua vida particular. Ninguém nota muito bem, mas Gerald tenta misturar situações de Hamlet na história de Gianecchini. E, no programa da peça, discursa suas intenções: ?Como são os habitantes de Elsinor? Como são os habitantes dos corredores da Globo? Cadê a dinâmica interna de rivalidade que faz da Globo e de Shakespeare genialidades?? Já se tentou explicar o sucesso da Globo por vários aspectos, mas a sacada de Gerald, optando pela via do pau interno, do inferno de disputas e derrubadas mútuas como alavancador do padrão de qualidade da emissora, merece por si só um pulo em Copacabana."
NOVELAS
"A arte e o povo", copyright O Estado de S. Paulo,
17/06/01
"Pergunta rápida: quem são os maiores romancistas brasileiros da história? Quase certo que, no bate-pronto, vão dar Machado de Assis para o século 19 e Guimarães Rosa para o 20. Os dois, ótimos. Mas o primeiro é mais fácil de ler que o segundo. Sinal dos tempos? Isso mesmo.
No século 19, vários livros que hoje chamamos de clássicos saíram em folhetins de jornal, os avós da atual telenovela. A maior parte dos folhetins era ruim, mas o gênero permitiu oferecer algumas obras-primas ao grande público. Acontece que o folhetim sumiu da imprensa e da literatura no século que acabou de passar. Quando reaparece, é coisa fugaz.
Nossa questão: a arte de qualidade sempre está rompida com a arte que vai para as massas? O exemplo da literatura do século 19 mostra que isso não é obrigatório. No caso dos romances e contos, essa ruptura data do século 20.
Hoje, nenhum autor que se preze escreve histórias com começo, meio e fim. E, no entanto, são estas as que mais vendem, as que agradam ao grande público.
A qualidade foi para um lado, a preferência popular para outro. E, a seu modo, isso vale para a pintura, a escultura, a música erudita.
Mas essa separação valerá também para a televisão e o cinema? Uns 30 anos atrás, havia uma convicção, no público refinado, de que o cinema bom era o de arte, geralmente europeu, nunca o norte-americano. Mas isso passou. A narrativa ágil de Hollywood voltou a prevalecer. É claro que mudou muito, incluindo elementos do cinema de arte. Mas hoje é difícil negar que um filme de grande público possa ser bom. Pode ser bom – ou ruim. Continua havendo um cinema de arte que atrai suas micromultidões, e é bom haver lugar para a experiência. Mas, em suma: no cinema, o sucesso comercial não depõe contra a qualidade artística do filme. (Nas artes da palavra, quase sempre depõe.) O que dizer da TV? Hoje, ela é o veículo que mais se comunica com o público.
É a herdeira das fofocas de comadres, do púlpito da Idade Média e dos folhetins literários do século 19. Condicionar a qualidade, na televisão, ao fracasso de público é dar um tiro no pé. Insisto: há artes em que a crítica foi para um lado e o povo para outro. Mas no cinema e na TV não é, nem pode ser, assim.
Então, o que é criticar TV? Já comentei que o crítico de televisão, hoje, não lida só com as imagens e o som (o audiovisual), mas também leva em conta as ciências sociais e os direitos humanos. É o caso de Leila Reis, Gabriel Priolli, o do Telejornal, o meu, o de vários outros. O crítico tem uma postura culta. Já o meio de comunicação com que lida é o mais popular que existe. Mas isso nos autoriza ou obriga a ser contra ele, só porque na maior parte das artes atuais o povo e o crítico têm preferências radicalmente opostas? Não.
Lembro ter ouvido de Gilda de Mello e Souza, uma de nossas melhores conhecedoras de arte, com quem estudei e a quem dedico esta crônica, que a novela era uma das realizações artísticas mais significativas de nosso País.
A novela e, acrescento, a música popular. É óbvio que
nos dois gêneros o lixo prevalece – mas isso vale para toda arte. A novela,
aliás, há tempos que não produz obras de primeira qualidade.
Mas a teledramaturgia, sim. É isso: não dá para ser do
contra quando se fala seriamente de TV."
CAMINHO DAS BORBOLETAS
"Galisteu quer ser Hebe. Amanhã", copyright
O Estado de S. Paulo, 17/06/01
"É certo apostar que toda apresentadora, e as loiras mais que as outras, quer ser Hebe quando crescer. Nem todas admitem. E há quem repita isso à exaustão, publicamente, como Adriane Galisteu. Goste ou não da nova representante da geração dos programas de sofá, ela já tem nessa autenticidade meio caminho andado como discípula de quem é.
Em encontro ao qual o Estado teve acesso exclusivo, Hebe entrevistou Galisteu para o programa semanal de rádio que comanda na Nativa FM. Fora do ar, as duas trocaram suas impressões sobre o espaço que ocupam, na tela, no auditório e no Ibope. No SBT, Hebe conta que acaba de renovar seu contrato por mais quatro anos e fica por lá até 2004. ?Eu também!?, responde Galisteu, sobre seu destino na Record.
Mas, o que é certo para uma, ainda é conquista a longo prazo para outra. Exemplo? A fidelidade do público. ?Hebe tem uma coisa que um dia vou conseguir, que é o fato de as pessoas assistirem ao programa por ela não pelos convidados dela?, diz Galisteu. ?Eu estou começando a construir isso: tem um grupinho que vai todos os dias ao meu auditório?, orgulha-se a apresentadora.
Audiência – Quanto à tentação de multiplicar a platéia virtual, aquela cuja quantidade só o Ibope pode medir, ambas são cautelosas. ?É claro que a gente se preocupa com audiência, mas eu não fico perguntando, durante o programa, quanto está o Ibope?, afirma Hebe. Às vezes, conta, sua equipe avisa: ?Continua, que a audiência está boa?, mas ela sobrevive bem sem a informação. Até porque, diz, ?a Globo, na segunda-feira, põe os melhores filmes para acabar comigo?.
Vale aqui um parêntese para lembrar que essa é uma concorrência bancada pela própria Hebe. Há cerca de dois anos, ela recusou um convite para trocar Silvio Santos por Roberto Marinho. ?Não é que eu não quis ir, é que a proposta da Globo foi indecorosa: eles queriam que eu largasse o SBT primeiro para depois dizer o que eu faria lá. Tenho cara de boba, mas não sou.? Acredita ainda que não se adaptaria ao outro canal. ?Acho que eles cerceiam muito as pessoas, embora agora estejam até dando mais liberdade aos apresentadores.?
Retomando o tema audiência, Galisteu defende sua técnica para não ultrapassar a linha do mau gosto. ?Não dá para fechar os olhos para o Ibope porque não faço o programa só para mim, mas não posso me vender à quantidade?, diz a novata. Para ela, feita a opção só por quantidade, sem qualidade, nunca mais se recupera o bom ou mesmo o médio gosto. ?É mais fácil ter um pouco de qualidade e mesclar isso com uma média do que o grande público quer, a manter um nível ruim, para depois tentar inserir algo de bom gosto?, continua.
Hebe vai além: ?A televisão está se vulgarizando. Estão abusando do direito de supor que é disso que o público gosta. Ora, se você só dá isso, o público é obrigado a ver só isso?. ?É subestimar demais as pessoas?, emenda Galisteu.
Falando assim, nem parece que os programas de ambas se apegam a um formato clássico. E nem elas ousam discordar. A veterana vai logo dizendo que seu sofá virou um personagem do programa. ?Mas não é porque tem sofá nos outros programas que vou chamar isso de cópia.? E Galisteu não se abala: ?É verdade, até porque na TV nada mais se cria, tudo se copia.?
Loirice – E é verdade que os auditórios preferem as loiras? ?Não?, endossam as duas. ?Comecei a ser loira em 1952, mas tem morenas na televisão, não tem??, pergunta Hebe à outra.
?Há, sim, mas o sucesso de uma apresentadora não depende da cor do cabelo?, responde Galisteu.
Há anos ganhando o Troféu Imprensa como melhor apresentadora, Hebe perdeu o prêmio para Galisteu no ano passado. ?Eu não disse que não gostei de ter perdido para ela, só não gostei de ter perdido?, admite. E é imediatamente consolada pelo ego alheio, numa cena engraçada: ?Mas Hebe, o Silvio (Santos), quando participava do prêmio, ele ganhava todos. Pô, deixa só um pouquinho para mais alguém, vai?? ?Só um pouquinho??, imita Hebe, rindo. ?Tudo bem, vai, mas eu estou lá, estou competindo com vocês?, avisa."