Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suely Caldas e Roberto Cordeiro

PROJETO PIMENTA

"Mendonça chama Veiga de ?mentiroso?", copyright O Estado de S. Paulo, 3/07/01

"O ex-ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, classificou ontem de ?mentirosa? a versão do atual ministro da pasta, Pimenta da Veiga, em entrevista ao Estado anteontem, segundo a qual o ex-ministro Sérgio Motta mudou de idéia e deixou como herança um desconhecido projeto que permitiu sobrevida ao Ministério. ?Fui amigo, confidente e sucessor de Motta e esses três atributos me qualificam para afirmar que é mentira?, disse Mendonça de Barros ao Estado.

Duas mudanças no projeto original de Motta, introduzidas por Pimenta da Veiga, foram, na avaliação de Mendonça de Barros, fundamentais para manter sob controle do ministério decisões que têm tudo para receber do atual ministro tratamento político e não técnico. Trata-se da transferência da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para o ministério da gestão dos recursos (R$ 1 bilhão/ano) arrecadados pelo Fundo de Universalização do Serviço de Telecomunicações (Fust) e a manutenção da concessão de canais de rádios e TVs sob comando do ministro. ?Pimenta da Veiga voltou ao modelo ACM (ex-senador Antonio Carlos Magalhães) que usou a distribuição de concessões de rádios e TVs para fazer política?, acusa o ex-ministro.

Estado – É verdade que o ministro Sérgio Motta deixou um projeto que acabou dando sobrevida ao Ministério das Comunicações, como afirma o ministro Pimenta da Veiga?

Luiz Carlos Mendonça de Barros – É mentira. Este projeto nunca existiu. Pelo contrário, Sérgio Motta queria acabar com o Ministério das Comunicações.

Estado – Caso fosse intenção do ex-ministro mudar seu projeto original, o senhor tomaria conhecimento?

Mendonça de Barros – É claro. Fui amigo, confidente e sucessor de Sérgio Motta e esses três atributos me qualificam para afirmar com segurança: é mentira. Discutíamos tudo que se relacionava ao planejamento futuro do setor de comunicações e nosso objetivo era acabar com o ministério para liquidar com estruturas que permitiram manobras políticas no passado. O atual ministro ressuscitou esse modelo.

Estado – Como assim?

Mendonça de Barros – Quando assumiu a pasta, o primeiro ato de Pimenta da Veiga foi transferir a administração do Fundo de Universalização do Serviço de Telecomunicações (Fust) da Anatel para o ministério. Alimentado por uma taxa de 1% paga pelas empresas privadas, esse fundo arrecada R$ 1 bilhão/ano e a idéia de S&eacueacute;rgio era usar o dinheiro para financiar a construção de redes de telecomunicações em escolas e sindicatos. Por uma manobra no Congresso, Pimenta conseguiu transferir a gestão dos recursos para o ministério.

Estado – No modelo do passado essa taxa ainda não existia…

Mendonça de Barros – Mas existia a concessão de canais de rádio e TVs.

Pimenta voltou ao modelo ACM (ex-senador Antonio Carlos Magalhães) que, na gestão Sarney, distribuiu canais de rádios e TVs para fazer política. Ele alterou o projeto de Sérgio Motta de entregar a atribuição de concessão de canais à Anatel e a manteve no ministério. Seu objetivo: usar recursos e licenças para fazer política.

Estado – E qual era o projeto de Sérgio Motta?

Mendonça de Barros – O projeto original era transferir para a Anatel tudo o que é transmitido pelo ar – rádios, TVs e comunicação em geral. No caso de rádios e TVs, a Anatel licitaria as licenças e faria contratos de concessão.

Só a parte dos Correios ficaria fora da Anatel. Isto foi alterado por Pimenta da Veiga.

Estado – Seria criada uma agência própria para os Correios?

Mendonça de Barros – Seria a segunda agência, a de Serviço Postal. Abaixo dela ficariam os Correios e o serviço postal privado, este com contrato de concessão, direitos e deveres das empresas privadas que exploram este serviço.

Estado – E qual era o projeto para os Correios?

Mendonça de Barros – A idéia do Egydio (Egydio Bianchi, ex-presidente dos Correios e amigo de Sérgio Motta e Mendonça de Barros) era criar um novo banco postal. Sérgio não concordou porque não tinha sentido criar mais um banco se já havia o Banco do Brasil e a Caixa Econômica. Seu projeto era aproveitar a capilaridade das agências dos Correios para fazer chegar serviços bancários do BB e da Caixa para a população pobre. Os Correios estão em praticamente todos os municípios, os mais distantes, os mais pobres, onde nem banco tem. A idéia de Sérgio era usar as agências para prestar serviços úteis à comunidades locais, como pagamentos de aposentadorias.

Estado – E isso mudou com o novo ministro?

Mendonça de Barros – Mudou porque ele transformou as agências dos Correios em espaços para serem usados também por bancos privados. O espírito do projeto de Sérgio era fazer chegar serviços à população de baixíssima renda, por quem os bancos privados não se interessam. E permitir ao BB e à Caixa que usufruíssem da margem de lucro desses serviços.

Motta queria agência reguladora, diz ex-assessor

O ex-ministro das Comunicações, Sérgio Motta, sempre defendeu a criação de uma agência reguladora independente para tratar do setor de radiodifusão. A idéia era a de concentrar todas as atribuições na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que passaria a se chamar Agência Nacional de Comunicações (Anacom). A informação é do consultor Ronaldo Rangel de Albuquerque Sá, ex-secretário de Radiodifusão do Ministério das Comunicações na gestão Sérgio Motta.

A versão de Ronaldo Sá desmonta as declarações do ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, que em entrevista ao Estado, no domingo, afirmou que Motta não pretendia transferir o serviço de radiodifusão para a agência. O consultor informou que a primeira modelagem do anteprojeto, defendido pelo ex-ministro, foi concluída em 1997. Os técnicos levaram oito meses para terminar o documento. Até dezembro de 1998, segundo Ronaldo Sá, foram preparadas cinco minutas. ?Pelo conceito de Motta, a função de órgão regulador ficaria a cargo da Anatel?, revelou. ?As funções seriam concentradas na Anacom, sucessora da Anatel. Pelo menos estava no documento quando saí do ministério.?

O consultor explicou ao Estado que o ex-ministro não queria a concentração da mídia nas mãos dos grandes grupos existentes no País. ?Ele estava muito preocupado com o processo?, ressaltou. ?O ministro queria a diversidade da informação."

"Retrocesso", Edtorial, copyright Folha de S. Paulo,
5/07/01

"É hora de o presidente da República manifestar-se sobre a desastrosa condução da política de comunicações do ministro Pimenta da Veiga. A simples omissão de Fernando Henrique Cardoso representará o seu aval ao retrocesso no setor.

Não se trata de uma mera disputa sobre o espólio administrativo do responsável pela implantação da política de telecomunicações no primeiro mandato de FHC, o ministro Sérgio Motta, morto em 1998. O que está em jogo é se o controle de uma atividade-chave para o futuro das relações de poder no país -e, portanto, da democracia- ficará concentrado no Executivo ou se será exercido por uma instância pública independente do governante de turno.

A opção política tomada nos primeiros anos de governo FHC foi clara. Apontava para a superação do modelo em que concessões de rádio e TV eram usadas como barganha pelo Executivo para viabilizar seus interesses. Propunha que a regulação do setor fosse progressivamente entregue a agências públicas, cujos diretores detêm mandato fixo e não coincidente com o do presidente da República, que têm de prestar contas sobre suas ações periodicamente ao Congresso Nacional e cujo processo decisório deve ser permeável à participação da sociedade civil.

A assunção de Pimenta da Veiga marca uma reviravolta nessa trajetória. Sob sua gestão, o ministério obteve o controle de verba anual de R$ 1 bilhão do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, fundamental para a regulação. Agora propõe uma lei que, entre outros graves problemas, mantém no Executivo o controle das concessões de rádio e televisão, bem como de novos serviços de telecomunicações; não regula TVs a cabo; acaba com limites de propriedade de emissoras por acionista; e não limita a propriedade cruzada (detenção, por exemplo, de licenças de TV a cabo, telefonia e TV aberta na mesma região).

À véspera de uma eleição nacional e diante de renovada onda de pressão pela retirada de obstáculos a oligopólios nas comunicações, o momento é propício para que coincidam certos interesses politiqueiros e empresariais. Cabe a FHC, que vive a falar de ?modernização? e ?avanço?, a decisão sobre impedir ou não mais um retrocesso em seu governo."

    
    
              

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