ELEIÇÕES
(*)
Alberto Dines
Temporada eleitoral é como o Reino do Faz-de-Conta: entroniza-se a burla, a gabolice e o trambique. Imperam os falastrões, domina a bazófia. Admite-se que para conseguir votos & simpatias vale afirmar qualquer coisa, não importa o grau de racionalidade, veracidade ou verossimilhança.
Ninguém confessa que já estamos enfiados na disputa eleitoral, candidaturas nem pensar, a largada seria em março, agora admite-se outubro. Essa a primeira impostura: noticiário, comportamentos, atenções e, sobretudo, as sondagens sofregamente reviradas aí estão para comprovar que só se pensa naquilo – a sucessão presidencial.
Como conseqüência, Pinóquio anda com um nariz quilométrico e o compromisso com a verdade tem a mesma consistência de promessa de obeso. Quem deu a partida na onda de parolagem foi o Rei do Embuste, mestre da arte de iludir: Antônio Delfim Netto.
O criador do Milagre brasileiro (best-seller que financiou com o dinheiro do governo), czar da economia durante grande parte do regime militar, deitou falação no ultimo domingo (JB, 1/7, p. 14). E reproduziu o seu malabarismo predileto: pontificar sobre matéria econômica ou política como se ostentasse uma folha corrida impecável.
Delfim é o Pai da Dívida Pública e padroeiro da mistificação administrativa. Sua irrestrita adesão aos postulados e métodos da ditadura e, depois dela, ao herdeiro Paulo Maluf, conseguem ser esquecidos porque Delfim é exímio praticante da arte de seduzir a mídia. No passado tinha à sua volta um séquito constituído de empresários de comunicação e jornalistas graduados, hoje tem espaço cativo em jornalões e, às quintas-feiras, quando os colunistas estão sedentos por matéria para as próximas edições, alimenta-os com frases de efeito e verrinas.
Delfim tem uma explicação genial para a alta do dólar: ao fiscalizar as contas bancárias através do CPMF, o governo assusta os grandes contribuintes com caixa dois que, para iludir o fisco, compram dólares e depositam no exterior. Para Delfim, o PF (por fora) é elemento fundamental na economia brasileira. Depreende-se, portanto, que se for mesmo candidato à Presidência pelo PPB (como murmura-se há dias) deverá institucionalizar o Caixa Dois. A exemplo do que faz seu mentor político, Paulo Maluf que levou Caymã para as ilhas Jersey.
Fascinado pelo clima de embustes, como é natural, o ex-senador ACM saiu da toca e meteu-se na discussão sobre a nova Lei da Radiodifusão. Defende o natimorto projeto do ministro Pimenta da Veiga alegando ser inevitável o uso político do Ministério das Comunicações. Advoga descaradamente em causa própria porque a sua passagem pela pasta durante o governo Sarney produziu quase mil concessões para emissoras de rádio e repetidoras de TV – a maioria para políticos e correligionários. Puro tráfico de influência e abuso do poder, crimes previstos nos códigos.
Atacado pela mesma incontinência verbal que em fevereiro passado armou sua débâcle, ACM produziu esta pérola mistificadora: ”Qualquer sujeito que não faz uso político da pasta [das Comunicações]é incompetente.” ACM junta-se a Delfim ao propor abertamente a legitimação da trambicagem. Neste apressado final de quadriênio, véspera da troca de guarda, não espanta.
O que espanta, e muito, é a declaração de Lula ao reclamar dos baixos índices de aprovação de duas estrelas do PT: o governador Olívio Dutra e a prefeita Marta Suplicy. Ao lado de Duda Mendonça (marqueteiro especializado em vender gato por lebre convertido em guru do PT), Lula lembrou Chacrinha que no fim da ditadura inventou a máxima ”quem não se comunica se trumbica”. Para Lula, Olívio fica viajando pelo interior do estado e nunca está disponível para promover nacionalmente os sucessos do PT. Marta, idem, embora para os paulistanos pareça o contrário: a prefeita acontece demais e faz de menos.
Lula é um fenômeno: transformou o revolucionário num reformista e este num pequeno-burguês antes mesmo de chegar ao poder. Confunde pragmatismo com leviandade, e nesta velocidade, por força da retórica, se envergar a faixa presidencial estará discursando à direita da Fiesp.
FHC é outro fenômeno: preparado e fluente, consegue dizer exatamente o contrário do que deveria. Fiado no talento, não gosta de ler, prefere improvisar. Ao apresentar o plano de emergência para a crise energética – que deveria estar pronto em maio quando admitiu a gravidade da situação – o presidente não resistiu à tentação da blague. Enrolou-se com Deus, futebol e tantas irrelevâncias bem humoradas que o plano – aparentemente consistente – passou em brancas nuvens. Dessas que não enchem reservatórios.
Ganhador inconteste da maratona de lérias é o Garotinho. Tanto invoca o Todo Poderoso que este o condenou à condição de Eterna Criança. Não se importa, nem sabe o que é isto. Tagarela e loroteiro, na garupa da mosca cor de rosa (a azul desistiu), continua produzindo milagres. O mais recente é a Teologia da Prosperidade, estranhíssimo sincretismo entre a pregação dos evangélicos americanos de direita com o populismo de esquerda brasileiro. Não importa, a hora da mentira vem antes da hora da verdade. Falta pouco.
(*) Copyright Jornal do Brasil, 7/7/01