Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A Europa é aqui!

SÉCULO 21

Edgard Rebouças (*)

Acredito que há muitos anos o professor Francisco Ficarra não vem ao Brasil. A não ser que tenha deixado nosso país de fora da América Latina. E acho também que não tem viajado muito por Argentina, Chile e México. Propaganda na TV, ônibus, outdoors? Garantia de emprego com o diploma na mão? Só na Europa! Basta um passeio por qualquer grande cidade brasileira nos meses que antecedem os exames de "seleção" para ver que o espaço destinado na mídia às faculdades e universidades é cada vez maior. Publicitários e veículos já transformaram isso num grande negócio, entrando no calendário de faturamento ao lado de períodos como Natal, Dia das Mães e Dia dos Namorados.

Concordo com boa parte da argumentação de Francisco Ficarra, em seu artigo publicado no último número da revista Chasqui (próximo texto, neste Observatório), quando diz que na América Latina a formação em Comunicação ? em muitas universidades ? é mais condizente com os tempos atuais do que em países da Europa; e acrescento ao modelo do Velho Mundo certas escolas dos Estados Unidos e do Canadá. O hibridismo metodológico adotado por alguns professores/pesquisadores de destaque, associado ao sincretismo cultural de nossos países, tem dado a possibilidade de gerarmos um profissional de Comunicação antenado nas mudanças sociais e tecnológicas que envolvem o setor, ao mesmo tempo com pitadas de uma reflexão crítica e teórica. No entanto, o modelo tecnicista avança a passos largos sobre as grades curriculares e os planos de ensino. E o debate sobre este alerta não vem tendo a devida atenção e exposição nem pela academia nem pelo mercado, sequer pelos profissionais ? do governo já esqueci.

Há poucas semanas tive uma acalorada discussão com uma colega ? também jornalista, professora e pesquisadora ? sobre a vinda de um renomado jornalista neozelandês a uma universidade do Rio de Janeiro, que também o usou como garoto propaganda ? mas isso já foi por demais debatido neste Observatório. Minha colega achava um absurdo que as atenções dos debates acadêmicos se voltassem para alguém formado somente pela prática profissional, e defendia que as universidades deveriam era convidar Michel Foucault (se ainda fosse vivo). Concordei que também adoraria assistir a uma palestra do grande filósofo francês, mas que gostaria mais ainda de presenciar um diálogo ? não necessariamente um debate ? entre ele e Peter Arnett. Defendi que os estudantes devem ter contato com a prática e não só com a teoria. Trabalhamos com uma ciência também aplicada, e não só analítica, e a busca pela praxis passa obrigatoriamente pelo ideal casamento da doxa com a episteme, além de uma boa dose de traição de ambas com a sophia.

A teoria fica

Abro aqui um parêntese para lembrar que os coleguinhas da imprensa nacional deram muito mais destaque à passagem do ex-CNN, ex-AP, ex-UPI, ex-Pulitzer? pelo país do que à visita do sempre filósofo Jacques Derrida na semana seguinte. Fecho o parêntese.

O alerta feito pelo professor Ficarra para que recém-graduados latino-americanos ponderem bem antes de se aventurarem em uma pós-graduação européia ? o modelo atual é o dos "mestrados" profissionalizantes ?, falando da valorização do investimento em laboratórios em detrimento das bibliotecas, da competição das universidades públicas com as particulares, do atendimento ao "cliente" em lugar do "estudante", da contratação de professores temporários, é mais do que aplicável à realidade brasileira. O que são os MBAs, a proliferação de franquias das universidades cariocas e paulistas, o descaso com as federais, a enxurrada de vagas, a "seleção" classificatória em lugar da eliminatória, os contratos com professores substitutos recém-graduados e outras coisa mais? Nunca pensei que escreveria isso um dia, mas? a sua Europa é aqui professor!

Para finalizar, vale ressaltar a crítica de Francisco Ficarra aos exames de final de curso (vide Provão), e minha contribuição para a lembrança da responsabilidade que pesquisadores, profissionais, governos, escolas federais, estaduais, confessionais e particulares têm ao montar as grades curriculares, não para atender aos gostos do mercado, do "cliente" ou da máquina tecnológica, mas com uma profunda relevância didático-pedagógica e humanística.

Em menos de 20 anos de profissão já passei pela Remington, pela Olivetti, pelo CP-500, pelos PC-286, 386, 486, Mac, iBook, DOS, Word, PageMaker, Avid etc. E o melhor de tudo é que na semana passada estava sentado com aquela mesma colega para definirmos seu novo plano de ensino para Teoria da Comunicação II nos cursos de Jornalismo e de RTV da Faesa. Ainda bem! Pois as tecnologias passam, a teoria fica.

(*) Jornalista, professor da Faesa e doutorando na Umesp <edreboucas@faesa.br>

ASPAS
Francisco
Ficarra

"O que as escolas de Comunicação devem ensinar?",
copyright revista Chasqui n? 74, julho/2001. Tradução
de Edgard Rebouças

"O início do terceiro milênio está marcado pelo surgimento das Ciências da Comunicação, seja do ponto de vista tanto teórico como prático. Dessa maneira, formar comunicadores adaptados aos requisitos imediatos e futuros do mercado nacional e internacional é a prioridade número um para os centros de formação universitária.

A possibilidade de dispor de profissionais altamente qualificados é muito importante para a difusão de conteúdos ?on-line? de maneira ágil, já que deles depende a qualidade final da Internet, da WebTV e dos demais meios de comunicação, modernos ou tradicionais.

Felizmente, para alcançar tal objetivo, os planos de ensino das escolas latino-americanas em Comunicação têm sabido antecipar-se a este apogeu há aproximadamente duas décadas. Uma maneira de comprovar tal afirmação pode ser feita questionando ou comparando as datas de criação das faculdades direcionadas ao ensino de Ciências da Comunicação nas diversas universidades da Europa e da América Latina, para citar um exemplo.

América Latina: riqueza das comunicações

Os planos de ensino constituem uma maneira ágil de conhecer o estado de saúde dos profissionais de um país. E na América Latina, há décadas, é possível diferenciar dentro do ensino público um série de habilitações: Comunicação Social, Ciências da Informação, Publicidade, Cinema, Rádio e TV, Relações Públicas, entre outras. No início da década de 90, em alguns países do outro lado do Atlântico, no entanto, não se podia falar de Comunicação Social, porque ela não existia como formação universitária.

Prova de tal afirmação está na realidade de apenas uma década, quando a convalidação dos títulos universitários, realizados em cinco anos em países latino-americanos, eram reduzidos a quatro anos de Ciências da Informação. O que já era tratado como uma ?situação privilegiada? na época.

O uso dos planos de ensino, que representaram um marco na história da informação, não é suficiente se os mesmos não se adaptam às mudanças dos tempos. Tal rigor traz em seu bojo um eterno dilema sobre os conteúdos e os planos de ensino nas áreas da Comunicação, isso quer dizer: o aspecto tecnicista e a prática com os equipamentos (leia-se câmeras de vídeo, ilhas de edição, computadores, entre outros).

Poucos recursos para a prática

Nas duas margens do Atlântico são vários os lugares onde há escassez de recursos para a prática de rádio, televisão, informática etc. Em alguns casos condizem com a carência de recursos financeiros das universidades, em outros com o péssimo planejamento de acesso aos laboratórios ? para não dizer, inexistente. Concluindo, há graduados que não estão preparados do ponto de vista prático. Alguns vêem em certos cursos de pós-graduação, uma especialização ou um mestrado no exterior, a falsa solução para tal dilema. Mas neste ponto, mais do que nunca, é importante ter presente o famoso ditado espanhol: ?en todos sitios se cuecen habas? (mais ou menos: ?feijão é igual em qualquer lugar? ? nota do tradutor ER).

Nos dias de hoje, a velocidade com que ocorrem as mudanças no âmbito da informática, quer dizer, na base da comunicação binária, pode fazer com que um software visto no primeiro ano do curso seja totalmente obsoleto quando o estudante chegar ao último ano da faculdade. Conseqüentemente, a máxima de que ?quanto mais prática tiverem os estudantes maior será sua qualidade profissional?, hoje em dia, não pode ser tão confiável como antigamente.

Mesmo com este dilema, há aqui um dos aspectos que deveriam ser revisados nos programas de graduação, cujos planos de ensino não são modificados há anos, já que em grande parte o futuro profissional dos estudante de Comunicação passa por disciplinas relacionadas direta ou indiretamente com a informática.

Teoria versus prática

Um problema típico de alguns cursos de Rádio e TV ou de Publicidade, em cidades européias, é que são direcionados somente para o aspecto prático, deixando a teoria de lado, que é, no entanto, o que mais se perdura no tempo. Neste caso, evidentemente, o que predomina é o fator mercantilista, que, felizmente, ainda é um mal distante em muitos centros de ensino da Patagônia até a Califórnia.

O objetivo do lucro voraz no interior do ensino superior na Europa pode, inclusive, gerar até campanhas publicitárias espalhadas pelos ônibus e metrôs, onde pode-se ler o slogan: ?Estude em nossa universidade e te garantimos o acesso a um emprego?. Eis aqui uma prova de como existem universidades nada sérias, porque com este método, no lugar de ?estudantes? estão atendendo a ?clientes?.

E vejam que esta triste conjuntura ocorre em instituições de estudos avançados, que, inclusive, recebem subsídios ou recursos dos cofres públicos. Em outras palavras, que vivem dos impostos do habitantes da União Européia. Sem dúvida, tais universidades funcionam como sociedades anônimas camufladas.

O que interessa é cobrar a matrícula

Nesse tipo de instituições, o conteúdo teórico é algo secundário, e inclusive buscam impor este modelo nada exemplar. O que realmente lhes interessa é cobrar as matrículas. Por isso, em nada surpreende a excelente qualidade dos panfletos publicitários, anúncios na rádio, na televisão, nos jornais, na Internet e em outros meios de comunicação. São eles que pregam aos quatro ventos os laboratórios com a última tecnologia, os prêmios alcançados ? ou melhor, comprados ? etc.

Além disso, em muitos casos, ainda que pareça um paradoxo, não têm nem corpo docente para fazê-los funcionar corretamente, devido ao fato de que há casos onde até 70% do pessoal de uma universidade com essas características é de professores com contratos de curta duração. Chega-se a eliminar disciplinas de Ética, dando lugar a outras mais panorâmicas.

Diante de tal realidade, as vezes é ate melhor trabalhar com uma tecnologia um pouco obsoleta, onde haja o uso da criatividade dos estudantes no momento da prática.

As fórmulas ?estudar e logo trabalhar? ou ?estudar e trabalhar? é comum para o estudante latino-americano. Nos países europeus pode acontecer tranqüilamente o caso inverso. Quer dizer, primeiro se trabalha e logo em seguida se estuda. Por isso a prática vem antes da teoria em muitos lugares. Ainda que este último caso traga implicitamente uma falta de riqueza intelectual própria de uma visão universal e que se torna comum nas universidades latino-americanas.

Mesmo não sendo fácil conseguir um equilíbrio entre o aspecto prático e o teórico nas universidades, ainda é necessário manter e melhorar a formação teórica. O objetivo principal é que o profissional adquira conhecimentos e reflexos suficientes para reagir rapidamente diante de novas situações.

Planos de ensino

O nome de algumas disciplinas relacionadas com a tecnologia é o calcanhar de Aquiles dos planos de ensino nas universidades latino-americanas. Porém, é necessários evitar o termo ?comunicação digital? porque, em alguns casos, tem a conotação de ?comunicação manipulada?. Além disso, a finalidade mercantilista que se respira em certos meios acadêmicos privados ou semi públicos obriga, por exemplo, as faculdades públicas de Ciências da Comunicação, Informação etc. a entrar em uma competição, mesmo com os escassos recursos que têm à disposição.

Nesse sentido, deve-se recorrer à imaginação para renovar de maneira criativa os nomes das disciplinas para esse tipo de ensino. Talvez também seja necessário realizar um outro tipo de inter-relações entre disciplinas, respeitando mais os aspectos multimidiáticos e tecnológicos da comunicação de nossos tempos.

Mas atenção, isso não significa de forma alguma cair na simples combinação de disciplinas, que seria o mesmo que juntar psiquiatria, algoritmos, química, antropologia e música, por exemplo. Ou seja, um ?samba do crioulo doido?, sem pé nem cabeça, do ponto de vista acadêmico, só porque hoje em dia é o que chama a atenção dos estudantes.

Transferência de conteúdos

O máximo da insensatez acontece no caso de transferir conteúdos da formação anglo-saxônica para a latina, sem os ajustes necessários. Por exemplo, se em uma publicação internacional americana ou canadense lêem que os filósofos, psicólogos ou sociólogos reúnem os requisitos ideais para o trabalho de Web editor (editor de páginas na Internet) automaticamente o aplicam. Essa incultura não faz mais do que menosprezar e prejudicar o especialista em Comunicação Social, que é quem realmente tem todas as competências para uma atividade com essas características.

Este desconhecimento do perfil de um profissional da Comunicação Social, por exemplo, tem provocado em alguns países europeus uma desaceleração dos temas sobre multimídia há quase uma década. O motivo de tal anomalia é que se apostou em profissionais vindos de qualquer setor das ciências sociais, menos do mundo da informação ou da comunicação. O porquê de tal disparate está na ignorância funcional de certos responsáveis nos quadros universitários.

Esses intercâmbios deveriam vir acompanhados de um copyright, para evitar surpresas desagradáveis no outro lado do planeta. Ao mesmo tempo, chama muito a atenção como em algumas recém-criadas universidades européias se constituíram, em tempo recorde, departamentos relacionados com a Comunicação Social.

O segredo está na contratação temporária de profissionais latino-americanos, que têm feito uso da bibliografia ou dos planos de ensino de outros departamentos latino-americanos. Esta pirataria de idéias é uma prática muito freqüente diante da inexperiência ou da juventude de uma universidade. Fique claro que não é aconselhável, sob nenhum ponto de vista, realizar estudos em tais lugares, sem que ao menos sejam passadas duas décadas e comecem a navegar por si sós no oceano das comunicações.

Transparência acadêmica

Uma maneira de questionar sobre a transparência daquelas universidades de ultramar que se dedicam em formar profissionais de comunicação, consiste em avaliar todo o plano de ensino com seus programas correspondentes, bibliografias detalhada, créditos ? se a universidade tiver esse sistema -, e idiomas usados nas aulas. Estas são as variáveis básicas que delimitam a qualidade acadêmica de uma universidade. O aspecto lingüístico das aulas deveria estar ?garantido por escrito? ? no sentido saussuriano -, quando em um país se falam diversas línguas ou dialetos.

Pela Internet, a informação latino-americana sobre os planos de ensino é mais transparente e completa. Neles é fácil conhecer o objetivo geral e os secundários em cada uma das formações, o perfil ou atributos psicológicos que deve ter o estudante, a orientação profissional, todas as matérias que serão cursadas e um grande etcétera. De certa forma tudo isso constitui a transparência da instituição.

Além disso, a grande maioria coloca os aspectos didáticos antes que qualquer auto-aclamação dos prêmios recebidos de maneira duvidosa. Em relação a este último feito, aquelas pessoas que desejam ampliar seus conhecimentos fora de suas fronteiras não deveriam escutar o canto das sereias de lugares onde até os mascotes têm um prêmio. Uma universidade séria e moderna deveria cuidar de sua imagem externa e não enganar os potenciais alunos. Novamente me pergunto: conheceram o significado do termo ética?

Últimas reflexões

As universidades na América Latina sempre apostaram mais em uma formação universal do que nacional, o que é uma vantagem diante da aldeia global das comunicações. A qualidade dos planos de ensino em muitas universidades, do ponto de vista das habilitações, pode hoje equivaler, em muitos casos, a doutorados na Europa. Por isso, seria um grande erro inserir exames ao final de uma formação latino-americana para conferir uma habilitação profissional, quando na realidade essa profissão deveria gozar de uma ótima saúde em todos os lugares, principalmente agora com o apogeu das comunicações.

Com as novas tecnologias, a oferta de trabalho se abriu a todos. Atualmente, de qualquer parte do planeta é possível gerenciar a informação de um portal de Internet, por exemplo. Isso quer dizer que deveria haver uma maior oferta de trabalho, comparando com décadas anteriores. Por isso, faz falta a orientação da bagagem da experiência teórica e prática do setor das comunicações sociais em direção aos conteúdos multimidiáticos, sejam de tipo ?on-line? como de ?off-line?.

A qualidade do conteúdo é o grande mistério oculto das comunicações atuais, e é para aí que os planos de ensino e os futuros profissionais do setor deveriam direcionar suas principais áreas de interesse. Uma qualidade que, sem a teoria nos planos de ensino, é impossível alcançar. (
Professor, jornalista e escritor [ficarra@ctv.es]
)"

    
    
                     

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