CONTEÚDO
Arnaldo Dines, de Nova York
Uma das expressões mais usadas nos Estados Unidos para definir
o boom da internet nos anos noventa era free content (conteúdo
grátis), simbolizando a concretização do conceito,
antes meramente utópico, da democratização
da informação através da disseminação
pública de uma nova tecnologia. Mas neste novo milênio,
o preceito que parece governar as regras operacionais dos websites
é a oferta de premium services (serviços especiais),
mediante o pagamento de taxas especiais. É uma forma disfarçada
de cobrar pelo conteúdo dos websites, sob o pretexto de oferecer
ao usuário uma maior gama de informação e serviços.
O resultado dessa súbita divisão nas classes de acesso à
informação é a criação de diferentes
camadas sociais dentro do universo cibernético ? uma decorrência
natural da marcha empresarial para a viabilidade comercial da internet,
um processo que por sua vez, foi iniciado com a extinção
gradual dos serviços de provedores de acesso grátis
à rede.
Usando de uma analogia barata, se essa tendência prevalecer no futuro, navegar na internet será como visitar a Disneyworld, onde se paga primeiro para entrar e depois para as atrações individuais. Da mesma maneira, os internautas que hoje já pagam para passar pelo portão de entrada da internet terão de pagar também para visitarem as atrações individuais deste parque de diversões digital.
Após um período inicial de incubação, a propagação dessa tendência acabou por chamar a inevitável atenção da imprensa americana. The New York Times, por exemplo, publicou uma matéria de capa sob o sugestivo título de "Free rides now passé on information highway" (Passeios grátis são o passado na autoestrada da informação). Mas o destaque dado à matéria funcionou como uma benção subliminal para este tipo de serviço, ficando a impressão de que o jornal pode estar preparando psicologicamente o seu fiel público leitor para uma futura taxa de acesso ao seu conteúdo digital.
Não que isto corra o risco de pegar alguém de surpresa, pois apesar do conteúdo básico do website NYTimes.com ainda ser grátis, vários dos serviços especiais disponíveis no site já passam pelo crivo do pedágio digital. Para quem quiser ler matérias de arquivo, o preço é 2,50 dólares (as da semana corrente ainda são grátis). E a sua seção de palavras cruzadas, venerada por uma legião de leitores fanáticos, só pode ser visitada pelos que pagam 19,95 dólares por ano.
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A contradição jornalística é que estes dados não foram mencionados na matéria, que optou por destacar principalmente a decisão do Yahoo! de criar uma mensalidade de 9,95 dólares para um novo serviço com cotações de ações em tempo real, diretamente do pregão da New York Stock Exchange (a bolsa novaiorquina) e da Nasdaq (que negocia ações de empresas de alta tecnologia).
Esta mudança de direção do Yahoo! teria normalmente um valor simbólico em função da tradição da companhia como um dos bastiões do conteúdo grátis na internet. Mas isto é uma percepção ultrapassada, pois além do serviço de cotações financeiras ao vivo, a companhia anunciou recentemente um contrato com a revista Consumer Reports, considerada a bíblia do consumidor americano, para a seleção e comparação de produtos domésticos. O acordo permite o acesso grátis dos usuários do Yahoo! a resumos das matérias da revista, mas cobra 2,95 dólares para a leitura do texto integral.
A própria Consumer Reports é um exemplo perfeito de um dos poucos websites que conseguem gerar lucros, cobrando taxas de acesso de 3,95 dólares por mês ou de 24 dólares por ano. Para quem já assina a revista, o custo adicional cai para 19 dólares por ano. E mesmo com esses preços, o website conseguiu atrair 560.000 assinantes, o que indica que, no fundo, o acordo com o Yahoo! não passa de uma promoção para atrair novos leitores.
Mas além de apontar para tendências específicas do Yahoo!, a matéria do New York Times serviu como marco informal do início desta nova era na internet ? e conseqüentemente, como em geral ocorre na imprensa americana, também como fonte de inspiração para editores de outras publicações atacarem seus leitores com uma avalanche de artigos sobre o assunto.
Dentre estes, The Washington Post ofereceu um editorial bastante ambíguo sobre os prós e contras do conteúdo grátis na internet. Escrito por Michael Kinsley, que além de colunista do jornal é editor do website Slate.com, o texto categoriza de pura fantasia a noção de que a informação tem por natureza própria a necessidade de ser livre. Ele diz que de graça, a informação pode ir informar a si mesma, já que os provedores de informação querem ser pagos pelo seus serviços.
Contraditoriamente, o editorial segue com uma comparação entre a internet e jornais, ressaltando que descontado o custo de papel, impressão e distribuição, a informação contida no próprio Washington Post acaba por sair de graça para o leitor. No final, a culpa acaba atribuída à preferência das agências publicitárias em sonhar com os resultados imprecisos da penetração de seus belos encartes impressos, ou de suas superproduções de 30 segundos para a TV, enquanto minimizam as informações concretas sobre o número de usuários que viram seus anúncios na internet.
Já The Wall Street Journal foi mais direto ao assunto e publicou uma matéria listando vários websites grátis que correm risco de ter a qualidade de seu conteúdo severamente limitada ? inclusive o do New York Times ? justamente por não disporem da verba extra para investir no jornalismo. O problema é que o jornal não prima pela sutileza, já que a sua versão eletrônica funciona na base de assinatura paga desde o início, e o texto parece estar tentando justificar no, âmbito jornalístico, o que não passa de uma decisão comercial. Mas o detalhe é que mesmo cobrando 59 dólares anuais (ou 29 dólares para quem já assina a versão impressa do jornal) para uma base de 574.000 assinantes, o Wall Street Online ainda vive no vermelho, o que está levando a Dow Jones, a empresa proprietária do jornal, a considerar um aumento na taxa anual.
Justamente por isso, o Woman?s Wear Daily, o mais importante jornal especializado da indústria de moda, vai lançar a sua versão digital em setembro com uma assinatura anual de 895 dólares. A filosofia da Advance Publications, proprietária do WWD (como é mais conhecido), é que por ser uma leitura diária essencial para quem trabalha no ramo, o preço se justifica comercialmente em função da disponibilidade imediata das informações oferecidas, mesmo que a um custo quase nove vezes maior do que o da assinatura do jornal impresso.
Entre muitos outros websites que estão se convertendo para esta nova religião do conteúdo pago aparece o da revista online Salon.com, que está agora oferecendo, por 30 dólares anuais, um serviço especial opcional sob o nome de Salon Premium, para quem quiser ler artigos adicionais e sem publicidade. E o Inside.com, dedicado a notícias sobre a indústria da mídia, também já anunciou planos de eliminar a palavra "grátis" de seu vocabulário com a imposição de um esquema de pagamento individual por matéria para quem não quiser se comprometer com uma assinatura anual.
Resta torcer para que o vírus dos premium services não contamine o Observatório da Imprensa…