Nelson Ascher escreveu com acerto, certa vez, que ‘poetas foram feitos para serem imitados, seguidos, mas também alterados’ – e é o que vi o próprio Nelson Ascher fazer em seu mais recente livro, Parte alguma, publicado pela Companhia das Letras, com poemas produzidos entre 1997 e 2004.
Por exemplo? ‘Pois é: poesia’, final de um dos poemas do livro, é furto recriado do título da antologia de Décio Pignatari, Poesia pois é poesia (em referência, no ‘pois é’, à palavra grega poiesis); e disse Décio, a propósito, ser Nelson Ascher poeta contemporâneo de requintada metalinguagem hipotática, ou seja, para os leigos: ‘Não se meta com a linguagem deste poeta, que escreve bem, escreve sobre o que bem escreve, e sabe muito bem por que escreve o que escreve’.
Não consigo ler uma página de Nelson sem pensar em José Paulo Paes, falecido em 1998. E como poderá aquele ser um plágio criativo deste. Não só na poesia, mas em outras partes também.
Nelson é tradutor do inglês, do francês, do espanhol, do italiano, do russo e do húngaro. José Paulo Paes destacou-se por trabalhar com textos dos quatro primeiros idiomas da lista anterior, substituindo os dois últimos pelo latim e pelo grego.
Nelson faz crítica literária em pé de guerra, afirmando (e infelizmente com ele concordo) que ‘a crítica brasileira contemporânea, jornalística ou universitária, tornou-se preponderantemente uma desconversa’, e crítica literária José Paulo Paes em paz fazia, conversando conosco, bebendo literatura conosco.
E assim como José Paulo Paes ousou o micro-poema:
coyta
coyto
E, assim ousando, cometeu plágio criativo do famoso poema-minuto de Oswald de Andrade:
amor
humor
Também Nelson, escrevendo que hoje é sua vez ‘de compor algo de escuro’, irritantemente imita o soneto ‘Oficina irritada’ de Carlos Drummond de Andrade, em que afirmava querer ‘compor um soneto duro’, ‘pintar um soneto escuro’.
Essas duas que reconheci e tantas outras mais ou menos sutis retomadas da produção poética alheia estão presentes em várias partes da poesia de Nelson Ascher. Achados, reencontrados, glosados e retrabalhados versos dos outros, revividos.
Sem ser duplo de José Paulo Paes, mas de algum modo seguindo seus passos, faltará a Nelson Ascher um gesto de cópia imaginativa: escrever literatura/poesia infantil, que, tantos admitem, é das artes a mais difícil. Requer de qualquer autor que escreva melhor do que já sabe escrever.
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Doutor em Educação pela USP e escritor; site (www.perisse.com.br)