Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O fantasma de Pavlov

CHARGE

Kipper (*)

Estava a ler textos do OI, para fazer a ilustração da capa da edição n? 128, e o evidente se tornou ululante: a ditadura e o poder hoje são exercidos pela grande imprensa e nós somos seus soldados (recebemos soldo por serviços prestados).

Talvez tenhamos escapado ao nosso destino de ser um grande Portugal, mas não estamos livres de num futuro próximo nos tornar uma imensa e sincera Itália, em que as marionetes finalmente são despidas e um Berlusconi do momento revela o que sempre foi sabido: o dono da mídia é o dono do país.

Daí que fica evidente a razão pela qual, hoje, a grande imprensa incentiva as charges mais engraçadinhas, quando nos tempos da ditadura militar aceitava coisas bem mais críticas: hoje a vítima de uma crítica profunda do chargista acabaria sendo a própria imprensa.

Estamos agora em situação complicadíssima: somos pagos pelo inimigo para apontar bodes expiatórios que dêem a impressão de democracia na comunicação.

Alguma saída? Perguntei aos colegas "onde estão os cartunistas?" Mais: "onde estão os cartunistas de costumes?" Alguém está fazendo crítica de costumes? Poucos. Muitos temos feito charge política (comentários sobre factóides sem importância que pululam nos corredores da politicalha); ou o besteirol que se tormou status do humor nacional depois de esgotada a referência ao inimigo fardado. Conveniente demais para ser acidental.

Esta é a atual demanda dos jornais: piadas-pastelão usando politicozinhos redondinhos e coloridos ? uma espécie de "microcatarse" vingativa e ingênua. Também por isso está desaparecendo a ilustração com sintaxe própria, mas esse é um oooutro tópico.

Há um grande terreno abandonado no humor nacional. Pressionados para ilustrar manchetes banais, chargistas comentam não-fatos desinformativos. Como esperar que a charge seja interessante e crítica se o objetivo da própria mídia é a desinformação em massa?

O que nos resta é tentar escapar de várias fórmulas que têm sido repetidas à exaustão e por cuja execução ? exímia, não há como negar ? nos cumprimentamos complacentemente.

Ninguém ousa dizer que "o rei está nu" para não elevar o nível de exigência geral, e também porque implicaria mais trabalho e uma postura de combate nas redações. Mas isso é pôr nossos empregos em risco.

(*) Quadrinhista,ilustrador e cartunista

    
    
                     

Mande-nos seu comentário