Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os brancos e os outros

COBERTURA

(*)

Outro dia, deparei com o seguinte num despacho da Reuters: "Um homem de 42 anos matou três pessoas e deixou outras quatro feridas no estacionamento de um camping na cidade de Rifle, no oeste do Colorado. O suspeito, Mike Stagner, foi detido sem direito à [sic] fiança. Ele é branco e suas vítimas de origem hispânica, mas o motivo para os tiros ainda não estão claros".

Como assim, "ele é branco e suas vítimas de origem hispânica"? Por que isso? "Branco", para os gringos, significa não-hispânico, não-negro, não-asiático, não-mediterrâneo, não-índio, não-qualquer coisa que não seja norte-americano da gema. Ficando em aberto o que seria "norte-americano da gema", pois, enquanto país de imigrantes, lá todo mundo é miscigenado.

Como sabemos todos que os EUA vivem de estratificação social e preconceito racial, não preciso me estender. Interessa o que acontece aqui. E o que acontece aqui?

É nessas pequenas coisas que vamos nos colonizando. Muito provavelmente, o fulano da Reuters brasileira que traduziu o despacho original sequer se deu conta do que escreveu.

E esse é, a meu ver, o principal fator propiciador da gradual descaratcterização da língua e da cultura brasileiras, bem como da moldagem da perspectiva política dominante. As pessoas não se dão conta do que fazem, vão fazendo, e com isso vão se enfiando e aos outros numa sopa subalterna cada vez mais espessa.

Faz uns meses, conversava-se sobre esses programas de TV a cabo que se pagam previamente para assistir. Chamei-os de "Pague e veja". Fui imediatamente censurado: "por que não dizer peiperviu, como todo mundo?" Antigamente, havia no Rio de Janeiro uma rede de supermercados denominada PegPag, um nome excelente. Nenhum publicitário ou embresário (com "b", como eles se denominam) atual sequer sonharia em usá-lo.

O Jornal Nacional, por seu turno, identifica o ex-presidente iugoslavo Slovodan Milosevic como "monstro", "o pior criminoso desde Hitler" e outros epítetos semelhantes. Tiraram isso diretamente do Departamento de Estado dos EUA. E nós com a Light? Está certo, ou melhor, parece certo, que Milosevic não é flor que se cheire. Mas o mesmo, ou ainda pior, se poderia dizer de Ronald Reagan. Não consigo imaginar a Globo referir-se ao ex-presidente norte-americano Lyndon Johnson, por exemplo, como "genocida". E, no entanto, colaborou ele, bem como Kennedy e Nixon, na morte de mais de três milhões de vietnamitas.

Por falar nisso, reparem que, quando se fala da guerra do Vietnã, os locutores enchem a boca e dizem "na qual morreram 50 mil soldados". Soldados norte-americanos, bem entendido. Os três milhões de gooks (como eles denominam os vietnamitas) certamente não eram sequer gente.

Bando de escravos.

(*) Secretário-geral da ONG Transparência Brasil <http://www.transparencia.org.br>; e-mail

    
    
              

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