ASPAS
FOLHA SEM JABOR
"Jabor", copyright Folha de S. Paulo, 13/07/01
"Desconheço os motivos, mas parabenizo a Folha por não ter renovado o contrato com o colunista Arnaldo Jabor. Terei um aborrecimento a menos. Obrigado. José Silveira da Rosa Filho, Brasília, DF
Na terceira terça-feira sem Arnaldo Jabor, escrevo para dizer que estou cancelando a minha assinatura da Folha. Sem Jabor, não dá! Sylvia Manzano, São Paulo, SP"
HOLOFOTES
"Governo e opinião pública", copyright Jornal do Brasil, 15/07/01
"Durante a campanha de 1992 descobri que pouca gente se interessa pelo noticiário econômico, que eu freqüentava como personagem e com uma certa assiduidade. Parado numa esquina da Avenida Rio Branco, só me cumprimentavam aqueles que eu conhecia pelo nome. Depois da eleição, ainda na transição, e mais ainda quando assumi o governo municipal, em 1993, procurei acentuar a exposição aos holofotes, de forma a mudar a memória. Uma coisa que me intrigava, na época, era ser chamado de Marcello Alencar pela população. Essa superexposição produziu os resultados esperados: recriei o personagem político e ganhei intimidade com o imaginário da população. Mas os efeitos colaterais produziram queimaduras de terceiro grau na imagem e quase a desintegraram. Bruno Poyet, Olivier Koenig e Bernard Croisile, da Impact Memoire, laboratório de neuropsicologia e publicidade – ver Le Monde de 06.07.01 -, nos ajudam a entender: ?O choque visual – a visão de vômito, sangue, violência (me permitiria agregar a disritmia entre o personagem esperado pela opinião pública devido à função que ocupa e o outro que é exposto) – permite, por exemplo, provocar uma pegada memorial profunda, mas esta pode ter um duplo efeito, pois o cérebro tende a evacuar as imagens negativas?. As campanhas da Benetton são exemplo disso, segundo eles.
O trabalho de reconstrução da imagem não foi simples. Tanto o maluco poderia ser colado à idéia de idiota como poderia ser colado à idéia do corajoso, do que muda, um pouco na linha tardiana (de Gabriel Tarde) do louco como o iniciador de novos fluxos de opinamento. Deu certo, mas poderia não ter dado. É claro que, independentemente do que eu fazia como prefeito, a avaliação do governo naquela fase despencou para recordes negativos que, potencializados pelo noticiário, construíram uma opinião pública a respeito. A reversão, então, passou a exigir um volume extraordinariamente grande de resultados de governo. Isso foi conseguido e, assim, cristalizou-se a direção que se queria dar à imagem do louco. E, quanto mais assumia essa imagem, mais intensificava a outra, a do que tem coragem para fazer e para mudar. Confesso que, a partir desse ponto, os que usavam essa imagem – políticos e mídia – para o desgaste produziam fenômeno contrário. Procurei entender um pouco mais esses fatos.
A campanha de 1998 me ensinou que o impacto da distância informacional é inversamente proporcional à versão do personagem. Colocando a ponta seca do compasso na Rua do Ouvidor e abrindo a outra ponta, progressivamente, em direção ao estado, quanto mais se afastava mais a imagem conseguida no Rio era invertida. E os resultados mostraram isso. No Rio, capital, esse ajuste de personagem permitiu, depois da vitória de 1992, vencer as eleições de 1996, 1998 e 2000. A partir de 1998 incorporei às minhas referências o assessor de imagem de Mitterand, Jacques Seguelá. Destaquei dele a reiterada orientação ao presidente francês de que a exposição contínua do político é estratégia de alto risco e que, em geral, ela produz efeitos favoráveis durante um tempo, que pode ser longo, mas que inevitavelmente um certo dia implode, sobrando apenas caricaturas da exposição anterior. Essa exposição contínua exige uma fábrica virtual de resultados, como se o governo estivesse a cada dia no último ano. Isso pode dar certo por um tempo mais ou menos longo, mas, quando a casa desaba, o personagem é arrastado pela correnteza da fraude e da mentira.
Depois da vitória de 2000 pensei em como administrar o ciclo de governo. Não sabia se a mídia iria me tratar como um governo que entrava no quinto ano, recuperando o ponto da curva de 1996, ou se ia muito cedo romper a lua-de-mel de início de governo que, aliás, nunca tive o prazer de desfrutar. Em dois dias já tinha a resposta, através de uma citação de Mussolini, que fiz na leitura de um livro. E os estudos que li sobre ciclo de governo e imagem ajudaram muito. No início do governo trabalha-se com uma alta expectativa gerada pelo programa apresentando e pela intensidade da campanha. A construção do programa de governo se dá progressivamente, mas o jogo da notícia exige o cumprimento à vista. Em mais um extraordinário trabalho de pesquisa sobre eleições presidenciais e governo, publicado ano passado, Kathleen Jamieson nos mostra que a execução das promessas do presidente eleito atinge sempre níveis muito altos, que oscilam perto dos 70%. Mas essa não é a percepção do eleitor, já que o noticiário destaca os pontos ainda não cumpridos, o que cria aquela sensação. Num país ou numa cidade grande como Rio e São Paulo, no período inicial de governo, que passa pela fase primária de ajustes administrativos e, em seguida, quando as ações da nova administração estão apenas entrando, o clássico noticiário da cobrança das promessas, que se repete no mundo todo, termina impregnando a percepção do eleitor. Nas cidades menores, onde a proximidade permite uma visão direta, esse impacto não é tão intenso. O mesmo acontece quando se trata de governante reeleito. Os governos, nesse período, têm dois caminhos a seguir. Um deles é começar a governar fazendo-se acompanhar de uma forte campanha publicitária. Assim, esgrima-se a percepção do eleitor com duas fontes de informação. Quando essa campanha coincide com a boa vontade do noticiário, melhor ainda.
O fato é outro quando se entra em governo de países e grandes cidades, como é o nosso caso, num quadro de problemas não solucionáveis a curto prazo. Sem campanha publicitária de apoio, conhecido o ciclo das administrações e do noticiário e aplicadas sobre esse complexo as idiossincrasias do relacionamento mídia-personagem político, qualquer exposição acentuada produz, independentemente dos primeiros resultados de governo, um desgaste. Reforça a memória presente da imagem do governante que é naturalmente colada às comprovações hiper-realistas do noticiário. Mas esse momento inicial, que começa no período pós-eleição, é muito prazeroso para os políticos e evitar a superexposição é muito difícil. Os cinegrafistas e fotógrafos querem assim. Os espaços são generosos. Mas, passada a lua de mel dos 90 dias, inicia-se o ritual das cobranças. Em sucessões de governos decadentes esse quadro se agrava, pois as cobranças exigem um tempo maior de digestão. Mas a carne dos políticos é fraca. Quanto mais exposição… mais exposição. E, de repente, o mundo vem abaixo: as pesquisas constatam altas taxas de impopularidade – virtual, é claro. E, se os políticos não tiverem ?pele grossa?, terminam somatizando tudo e perdendo a iniciativa. Seus programas de governo passam a ser a ?suíte? do noticiário. Essa é a fórmula do fracasso a médio prazo e da ilusão a curto prazo.
Não tenho dúvida de que, se tivesse feito o jogo da exposição, atraído pelas câmeras e pelos espaços, teria tido a avaliação de seis meses de governo ainda mais profunda do que aquela teve um ou outro governo. Essa dessincronização entre fatos e percepção só irá se resolver – tardianamente – com resultados de governo que reconstruirão a opinião pública por contaminação, gerada pela percepção direta do eleitor quanto às realizações efetivas do governo e suas interações horizontais. Para os mais impacientes, doses crescentes de publicidade podem ajudar. Mas custam caro e o dinheiro público é escasso.
Logo após as eleições britânicas do mês passado,Tony Blair mudou a sua equipe de comunicação. Sua nova equipe disse que Blair abandonaria o estilo do marketing político americano que havia adotado – ganhar as eleições todos os dias – e entraria num estilo de nado de peito ou borboleta (mergulha/levanta) construindo a imagem do segundo governo pelos resultados, cuidando da divulgação primária e deixando para o noticiário a divulgação secundária. Boa lição, pois parte de um dos dois políticos vivos que são mestres da comunicação. O outro, claro, é Clinton, que certamente não se convenceu disso. (Cesar Maia é prefeito do Rio)"