RADIODIFUSÃO
Ana Carolina Querino (*)
Desde a disponibilização para consulta pública do anteprojeto de lei do ministro Pimenta da Veiga, questões ligadas à regulação do setor de radiodifusão estão sendo amplamente discutidas. Dentre elas, os limites à propriedade dos meios de comunicação de massa têm recebido maior atenção, o que se justifica pela relação negativa entre o pluralismo democrático e as operações de concentração no setor de radiodifusão.
No intuito de enriquecer este debate, vejamos como a propriedade é regulada em outros países. As normas aqui apresentadas referem-se essencialmente à TV aberta.
A lei americana é bastante flexível. A seção 202 do Ato de Telecomunicações (Telecommunication Act), a qual regula a propriedade, eliminou as restrições quanto ao número de estações de TV que uma pessoa pode controlar em nível nacional. O limite é definido pelo índice de audiência dessas estações: máximo de 35%.
Os limites para a propriedade das estações de rádio também foram alterados: em âmbito nacional, uma pessoa pode possuir até 20 estações. Já o número máximo para estações locais varia de acordo com a quantidade de estações existentes na localidade: é permitido ter até oito quando houver mais de 45 estações; até sete quando existirem entre 30 e 44; até seis quando entre 15 e 29; e no máximo cinco quando houver até 14 ? caso este em que uma pessoa não pode controlar mais de 50% do mercado nacional. Não há limites à propriedade cruzada. As grandes corporações, que possuem imenso poder político nos EUA, movimentam várias ações na Suprema Corte com o objetivo de tornar estas normas ainda mais flexíveis e estão obtendo importantes vitórias.
De acordo com o "Tratado geral entre os Estados Federados", o limite de propriedade na Alemanha é medido através do nível de audiência alcançado pelas emissoras de TV: devendo estar abaixo de 30%. Quando uma emissora atinge este nível, considera-se que possui grande peso na formação de opinião dos cidadãos. De acordo com o ? 30, ao atingi-lo, a empresa, além de não poder mais obter novas concessões, deve adotar um programa de redução das suas licenças. Caso não adote este programa, a KEK ? Comissão que determina o grau de concentração nas empresas de mídia ? define quais licenças serão cassadas. O ? 31 estabelece que, quando uma empresa atinge audiência de 10%, deve reservar quatro horas e meia por semana para difundir programas independentes em horário nobre e em canais capazes de atingir pelo menos 50% dos domicílios. Esses percentuais são calculados de acordo com a audiência dos programas que o titular de uma licença promove, mais os dos produtos de outras empresas na quais tenha participação superior a 25%. Também são contabilizadas as audiências de empresas que estejam em nome de seus parentes e sócios. Todo e qualquer acordo deve ser público e assim deve ser mantido.
Função precípua
Na Noruega também existe um órgão cuja função é supervisionar as condições de mercado e propriedade da mídia: a Autoridade da Propriedade de Mídia (Media Ownership Authority). De acordo com o ato norueguês que estabelece as regras para a propriedade, o Rei não tem poder para dar instruções gerais sobre como devem ser desenvolvidas as atividades desse órgão, nem para anular decisões tomadas pela autoridade (seção 6). Isto garante a independência política das ações da instituição.
É estabelecido que uma sociedade não pode controlar mais de 20% da circulação nacional de jornais. Em nível local não há percentagem definida, mas não são permitidas operações de concentração. Com relação à radiodifusão de sons e imagens, ninguém pode cobrir mais de um terço do mercado nacional. Em âmbito local, se uma pessoa possuir mais de 50% das ações de uma companhia considera-se que ela atingiu todo o mercado de radiodifusão da área licenciada (configurando, pois, o monopólio da área). Já se tiver entre 10% e 50%, considera-se que atinge a mesma percentagem da população total desta localidade, isto é, se tem 30% das ações de uma companhia local esta pessoa tem acesso a 30% dos habitantes da região. Além de não poderem ter suas próprias licenças para operar serviços de radiodifusão em nível local, as companhias de cabo não podem ter participação superior a 49% nessas empresas. As ações em nome de parentes e sócios também são consideradas como se fossem uma mesma companhia.
Os franceses são bem cuidadosos neste item. Consideram como uma de suas principais preocupações o respeito pela expressão das diversas correntes de opinião e de pensamento nos programas difundidos pelo rádio e TV. Em uma sociedade titular de serviço nacional (considera-se serviço nacional quando a empresa atinge uma audiência de 30 milhões de indivíduos), uma única pessoa não pode ter mais de 49% das ações ou direito de voto. Se tiver 15% em uma sociedade, não pode ter 15% em outra; e se tiver 5% em duas companhias, não pode ter 5% em uma terceira (art. 39 da lei francesa de radiodifusão).
Uma mesma pessoa pode ser titular de até duas empresas nacionais e não pode ter autorização para operar uma companhia regional. A lei abre uma brecha para que, eventualmente, o titular de uma autorização para difundir nacionalmente possa controlar até cinco companhias também nacionais, desde que estes serviços sejam editados por pessoas diferentes, medida que garante um mínimo de pluralidade. Sendo titular de uma ou várias licenças para operar localmente, não pode obter uma terceira se alcançar uma audiência de 6 milhões de espectadores (art. 41). E, em um mesmo local, só é permitida uma autorização.
Há limitações quanto à propriedade cruzada: não é dada autorização para explorar uma rede via cabo se a pessoa se encontra em duas das seguintes condições: é titular de uma rede de TV terrestre que atinja uma audiência de 4 milhões de pessoas; é titular de serviço de radiodifusão sonora atingindo 30 milhões de habitantes; é titular de serviço de TV a cabo onde a audiência é de 6 milhões de indivíduos; edita ou controla publicações cotidianas impressas de informação política e geral representando 20% da difusão total do território francês (art. 41.1).
Há também na França um Conselho de Concorrência, que investiga as operações de concentração e verifica se a lei está sendo cumprida. Não tem poder para cassar as licenças. Esta é uma função do Conselho Superior de Audiovisual.
Provedores de notícias
Na Itália de Sílvio Berlusconi, os limites de propriedade não são muito claros. Estão estabelecidos na Lei n.? 223, promulgada em 1990, quando o império deste magnata já estava construído, pois que adquiriu os seus canais no início da desregulamentação deste setor, em 1974. De acordo com a Lei, uma única pessoa pode ter no máximo três concessões para operar redes nacionais de TV ou controlar até 25% do número destas redes [art. 15(4)]. Para as estações locais, é permitida apenas uma concessão se for em uma mesma freqüência e até três se forem em freqüências diferentes [art. 19(1)].
Para propriedade de rádio valem as mesmas regras, sendo que a mesma sociedade pode operar até sete estações em freqüências distintas. É permitida propriedade cruzada de estações de rádio e TV, mas uma mesma pessoa não pode ser titular de concessões em âmbito local e nacional ao mesmo tempo [art. 19(4)]. A mesma pessoa pode operar empresas de jornais e de TV apenas quando a tiragem do jornal for inferior a 16% do total nacional. Neste caso, uma mesma pessoa pode controlar apenas uma estação de TV nacional [art. 15(1)(a)]. Se a tiragem for superior a 8%, a pessoa pode ser titular de duas concessões [art. 15(1)(b)]. Sendo inferior a 8%, pode ter mais de duas concessões.
Na Inglaterra também existem restrições à propriedade cruzada. Quando uma pessoa é titular de uma licença para operar serviços de rádio e TV, local ou nacional, não pode participar em mais de 20% de uma outra licença [anexo 2, parte III, ? 5(2), Ato de Radiodifusão, 1990]. Nenhum proprietário de jornal nacional ou local pode ter participação superior a 20% em empresas nacionais de TV [anexo 2, parte IV, ?2(1)(a)(b)]. Um jornal local pode ter até 20% das ações ou direito de voto em uma rádio local.
Também há limites para os órgãos provedores de notícias: é estabelecido um limite de 20% das ações do provedor. Este pode ter participação em empresas de radiodifusão local, desde que, quando somadas, não ultrapassem 50% das ações ou de direito de voto.
Pluralismo democrático
Na Argentina, o limite máximo é de 24 licenças. É permitida a posse, em uma mesma localidade, de apenas uma licença de rádio, uma de TV e uma de serviço complementar. Quando uma pessoa tem mais de uma licença, pelo menos uma deve operar em localidade de fronteira ou pouco atraente economicamente. O local é determinado pelo Conselho Federal de Radiodifusão. No Chile, é concedida apenas uma autorização para operar em uma mesma localidade (art. 15. Lei 18.838). No México, terra da gigante Televisa, não há limites à propriedade fixados em lei.
O setor de radiodifusão em Portugal está sendo reformulado. Na nova Lei da Rádio, promulgada em fevereiro de 2001, os limites de propriedade estão mais claros, mas vale ressaltar que são aplicados os princípios do Código de Concorrência, válido para empresas capitalistas. O número de estações que uma mesma pessoa pode controlar é limitado a cinco (art. 7, ? 3). Em uma mesma localidade, não são permitidas participações superiores a 25% do capital social de mais de operador radiofônico. Estas especificações não existem na Lei da Televisão, cuja reformulação está sendo discutida em Portugal. Há um Conselho de Concorrência, mas este só investiga as operações de concentração e envia os dados para a Alta Autoridade de Comunicação Social, que decide o que fazer e quando fazer. A lei deixa muito espaço para manipulação política, já que faltam critérios objetivos e claros para definir quando uma empresa está ameaçando o "pluralismo democrático".
(*) Graduanda em Ciência Política pela Universidade de Brasília.
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