O OCASO DE BARBALHO
"Nas bancas, mais chumbo contra Jader", copyright Jornal da Tarde, 21/7/01
"A revista IstoÉ denuncia outro esquema envolvendo o senador. Ele teria cobrado propina para liberar verba para projetos da Sudam
O presidente licenciado do Senado, Jader Barbalho (PMDB-PA), terá de defender-se de mais uma denúncia no período de 60 dias que pretende permanecer afastado do Congresso. Uma nova fita descoberta pela revista IstoÉ comprovaria a participação do senador na cobrança de propina de US$ 5 milhões para a liberação de um financiamento da extinta Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), em 1998.
De acordo com reportagem, o deputado estadual Mário Frota (PDT-AM) teria cobrado a quantia do empresário David Benayon. Na fita, Frota, na época coordenador do escritório da Sudam em Manaus, teria informado o empresário que Jader não abria mão de receber os US$ 5 milhões para liberar o empréstimo pedido.
Os recursos peleiteados pelo empresário – US$ 40 milhões – seriam destinados à empresa de Benayon, a Mazonbec, que os aplicaria na produção de artigos de borracha. Jader e Frota foram conviveram por sete anos – entre 1975 e 1982 – na Câmara dos Deputados.
Em Belém, Jader admitiu conhecer o deputado pedetista. Negou, entranto, ter qualquer tipo de relação com a nova denúncia.
?Isso é uma loucura?, afirmou o presidente licenciado Senado. Frota e o empresário não foram localizados ontem."
"Grampos e arame", copyright Jornal do Brasil, 18/7/01
"Já escrevi aqui, mais de uma vez, que a lei resulta, no mais das vezes, do valor atribuído a um fato. No dia, evidentemente ideal, em que se reputou nociva à sociedade a morte de um homem pelo outro, valorando-se, portanto, negativamente essa prática, editou-se uma regra jurídica repressora e punitiva do homicídio. Considerada propícia a doação de dinheiro a certas instituições ou pessoas, fez-se uma norma, isentando o devedor do imposto de
renda, proporcionalmente à benemerência. Vê-se, então, que o direito é axiológico porque os seus ditames ordinariamente resultam de opções valorativas. Ele atua conjugando valores, ciente, no entanto, da impossibilidade de alcançar um equilíbrio perfeito entre os interesses em causa.
Tome-se, para ilustração, a concordata preventiva. A lei permite ao comerciante em dificuldades financeiras requerer a concordata e pagar aos seus credores os respectivos créditos, por exemplo, ao longo de dois anos. (Atenção: não estou discorrendo, aqui, sobre a concordata. Por isso, não preciso esclarecer que ela só abrange os credores quirografários nem explicar quais sejam eles, muito menos que é possível pagar-se de modos e em
tempos distintos. Há gente chata que pretende ver tudo exposto nas miudezas, num artigo de jornal. Não existisse a inelutável exigüidade do espaço, o texto perderia em fluidez se o articulista houvesse de explicar tudo tintim por tintim, perdendo-se no matagal das ressalvas, particularidades, alternativas e exceções). Saltam aos olhos os prejuízos dos credores do
devedor em concordata. Mesmo assim, a lei a instituiu porque vê na empresa, como geradora de empregos e tributos, criadora e circuladora de riquezas, um valor social maior do que o interesse de um credor.
A Constituição Federal – chamada lei suprema, lei das leis, lei fundamental, lei básica, da qual já se disse que as demais leis não passam de um desdobramento, tanto assim que são nulas, quando incompatíveis com ela – elevou à categoria de direitos fundamentais a liberdade de pensamento, a intimidade, a vida privada, a imagem de cada um (art. 5?, IV e X). Por isso, no inciso XII do art. 5?, que é a carta de direitos da pessoa humana, ela
faz inviolável a correspondência, cujo sigilo assegurou, inclusive e especialmente quanto às comunicações telegráficas e telefônicas (dê-se o mais amplo alcance a esses adjetivos). No tocante ao telefone, admitiu, fazendo, de novo, uma valoração, a escuta, mas autorizada por um juiz, na forma da lei disciplinadora da situação.
A transgressão da garantia assentada no inciso XII do art. 5? da Constituição, asseguradora do sigilo das comunicações, torna ilegal, na espécie extrema de ilegalidade, que é a resultante da violação de norma constitucional, a prática odiosa do grampo telefônico. Cumpre, aliás, reprimir essa monstruosidade, que mantém pessoas em sobressalto, temerosas de se expressarem livremente, de se abrirem em considerações e julgamentos
reservados, de comentarem fatos, projetos, ou idéias, não destinados ao público. A escuta telefônica, obtida através do grampo, a lei a repudia, exatamente porque identifica nela um elemento pernicioso, desestabilizador da vida social, causador de toda sorte de prejuízos. A possibilidade do grampo traz em pânico as pessoas que, diante dos casos de contínuo
rompimento do sigilo das comunicações, quem sabe não voltam a adestrar os obedientes e discretos pombos-correios de outros tempos?
O inciso LVI do art. 5? da Constituição torna inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. No elenco dessas provas ilegais, incluem-se, com certeza absoluta, as decorrentes da violação do sigilo, assegurado no inciso XII daquele dispositivo. Em conseqüência, obtida desse modo ilegal, a prova será sempre imprestável, não importa o seu conteúdo.
Mesmo o crime hediondo, conquanto inequivocamente confessado numa conversa telefônica violada, não poderá ser punido, diante do mandamento do inciso LVI do art. 5? da Constituição, cuja eficácia é absoluta. No plano da construção da norma jurídica, poder-se-ia sugerir uma outra conseqüência para a prova ilicitamente colhida, como, por exemplo, punir-se o autor da escuta telefônica, sem, contudo, retirar dela o conteúdo probatório, a ser devidamente examinado pelo juiz. Não foi esse, todavia, o caminho do constituinte brasileiro. No modelo criado pela Constituição, o sigilo é garantia fundamental. Atenta a essa circunstância, a carta política, além de fazer delituosa a violação dele, despojou o resultado dessa transgressão de qualquer eficácia, no processo civil, penal, ou qualquer outro e, com mais razão, no processo administrativo. Ainda aqui se descobre uma opção do legislador, no caso o constituinte, que, entre as soluções possíveis, escolheu a que entendeu mais adequada.
E outra opção do constituinte, que a história e a razão fazem merecedora de vívido e sonoro aplauso e acirrada defesa, é a liberdade de imprensa, tal como assegurada no art. 220, e seus parágrafos primeiro e segundo, da Constituição da República: ?A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição? (quanto ão!). O parágrafo primeiro desse art. 220 explicita e protege: ?Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5?, IV, V, XIII e XIV?. Acrescenta, em
voz altíssima, o parágrafo segundo: ?É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística?.
Como dirão todos os constitucionalistas e juristas sérios e descomprometidos, as normas constitucionais transcritas proíbem, visivelmente, a censura à imprensa porque, num juízo valorativo, no caso corretíssimo, elas vêem na imprensa um dos fundamentos do estado democrático de direito.
Convém assinalar que não se pode, de nenhum modo, extrair dos incisos do art. 5? da Constituição, referidos no õ 1? do art. 220, qualquer norma que pudesse acenar, sequer de longe, a possibilidade da censura prévia. O inciso IV protege a manifestação do pensamento e veda o anonimato; o V assegura o direito de resposta proporcional ao agravo e o ressarcimento do dano material, moral ou à imagem; o XIII garante o exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão e o XIV permite à imprensa guardar o sigilo da fonte, bem assim a todos quantos necessitarem dele para o exercício profissional.
A conjugação do art. 220 e seus õõ 1? e 2? com o inciso V do art. 5? da Constituição, que garante o direito de resposta proporcional à ofensa e dá indenização de danos, mostra que, no sistema constitucional brasileiro, não há lugar para a censura prévia.
Nem mesmo a certeza do prejuízo de uma publicação futura justificaria a proibição dela. Para proteger a liberdade de imprensa, a Constituição, num juízo de valor, consagrou o princípio absoluto da sanção posterior à publicação danosa.
O direito chama de pedido juridicamente impossível ao pedido de um benefício que ele não contempla. Será, por exemplo, juridicamente impossível o requerimento de declaração de validade de ato praticado por um menor de 16 anos, simplesmente porque o direito não concebe, em tese, a possibilidade de se considerar válido o ato de menor absolutamente incapaz. Como o direito brasileiro não admite (salvo naqueles casos postos na Constituição) a censura prévia, não existe a possibilidade de um juiz impedir uma publicação a pretexto de que, efetivada, ela causará algum dano.
A inexistência da possibilidade de restrição prévia da liberdade de imprensa, no sistema da Constituição do Brasil, repele qualquer decisão judicial, liminar ou definitiva, que pretendesse impedir uma publicação jornalística. Como guarda da Constituição, o Judiciário não desertará do dever de respeitá-la, conforme o compromisso solene dos juízes, no momento da sua investidura. Ele cumprirá esse dever, reprimindo qualquer tentativa de implantação de uma censura que, aniquilando a imprensa, mergulharia o país no mais sinistro obscurantismo.
Na minha infância em Cachoeiro, eu via erguerem-se cercas nos sítios e fazendas da zona rural. Os fios de arame farpado eram presos aos mourões de madeira com pregos especiais, curvos e pontudos nas duas extremidades, chamados grampos. Vulgar ou original, é a imagem que me vem ao pensar que nem o odioso grampo telefônico poderá conter em prisão de arame farpado a liberdade da imprensa, quando a Constituição a assegura plena e incontida."